terça-feira, 29 de julho de 2008

Pimpolhos


Seis gracinhas saíram em correria da igreja. Como um anjo, as vozinhas infantis estimularam os pávidos passeantes ocasionais. A plenos pulmões pequeninos ensaiaram o espiritual negro da gatunice.
- Agarra! Agarra!
Era um gatuno, fingido crente, que inculto perturbou o culto. Sacrílego, roubou o telemóvel do sacerdote oficiante. Os agora impávidos, revoltaram-se baixando os polegares. O impopular tentava refazer-se dos acidentes eucarísticos, mas não dos de percurso. Estava já a comer o pão que o diabo amassou. O vale de lágrimas estava incompleto. Fiscais governamentais atentaram-lhe no saco das costas e na carteira, e evadiram-se. A alma dele fugia-lhe. Baden-Powell chegou, ordenou aos seus escuteiros que o carregassem para a igreja. Salvou-se da extrema-unção.

Alheados, ratinhos do lixo trabalham. Destampam contentores, abrem sacos com lixo, na esperança de encontrarem pitéu. Mas, não dá para o petróleo. Uma gracinha, talento floral inocente, dos primeiros passos corais do espírito evangélico, desconfia para um ratinho:
- Donde vens?
O ratinho olha-a, considera-a fada das lixeiras. Mergulha as mãos, e quase a cabeça no contentor. Não tem nada para dizer, não sabe o que é viver. A resposta só pode ser dada como a vida do lixo.
- Por aí! Por aí!
Um gato sente-se ofendido pela verticalidade da pernada do ratinho. Os gatos são exímios concorrentes desleais. O felino afasta-se do seu hábito alimentar, dá uns saltos e… outro lixo seguro à vista. Duas crianças politizadas do antanho satirizam:
- Contra milhões de esfomeados ninguém combate.
- Essa é boa! Porquê?
- Porque derrotados, fica muito dispendioso alimentá-los.

Os vermes provenientes do lixo invadiam quintais. Procuravam melhor caminho para entrar nas casas. Os esgotos e águas paradas originam a democracia incipiente. Democracia violentada na ilusão das palavras da liberdade, porque os famintos nas prisões da fome não se alimentam das epidemias das ideologias políticas. E a peste negra, em parte, fez o sistema feudal desabar.

Não é possível o ser humano amar, porque destrói o amor!
As águas escuras da putrefacção habituam as pessoas à escuridão. E da janela sempre à espreita, um bom observador sempre nota algo que se aproveita. Os carros foram feitos para andar, e nas estradas estão continuamente a parar. Progresso é passar o tempo da vida no assento de um carro.
Gil Gonçalves

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