segunda-feira, 7 de julho de 2008

Kitulu e Hongolo (I)


Baseado num facto verídico.

O homem que não lê bons livros não tem vantagem alguma sobre aqueles que não podem lê-los. Mark Twain

Não são as Leis da Gravitação Universal. É a atracção universal de dois corpos humanos. Que insituáveis, permanecem nas cadeias dos regimes totalitários. As cadeias dos queridos guias imortais, que iluminam os caminhos da fome. Não há condicionantes. Há as condições aprazíveis… só para aventureiros.

Hongolo e Kitulu enamoraram-se, namoravam-se. Não como aqueles que namoram e fazem disso uma mera ocupação para passar o tempo. Amavam-se para além das montanhas aladas das suas almas. Muito para além da atracção universal de dois corpos terrenos. Os seus corações eram anormais. Estavam possuídos pela alta voltagem de Tesla, que lhes provocava curto-circuitos amorosos. Não notaram que construíram uma nave divina, e nela embarcaram num universo paralelo, longe das imutáveis leis humanas.

Hongolo de vinte e um anos e Kitulu dezasseis, vizinhavam-se, há dois anos que floresciam no namoro. O pai dela não sabia, saber não podia. Estudavam, o futuro preparavam. Hongolo vivia com um tio que o apoiava, como um mar de rosas imenso.
Distraíram-se e Kitulu engravidou. Coisa mais natural nos que se amam. Aquele que dá ao outro, o que recebe o sémen consagrado, que depois germina como vida premiada, num bonito ou numa bonita, sempre à espera dos ternos e eternos olhares fecundos de carinho, que o espreitam antes e depois do brutal contacto com os predadores humanos.

Desabrochavam-se no seu amor que já sentia maturidade. A responsabilidade que aceitavam, no infiel quotidiano. Hongolo lembrou-lhe:
- Querida… acho melhor desfazeres a gravidez.
- Sim… também já pensei nisso meu amor!
- Sabes… alguns remédios que vendem por aí… acho que são eficientes.
- Já tomo alguns… com a ajuda das minhas amigas… tudo correrá bem. Assim o espero!..
- Concordo contigo. Estudamos, e neste momento não temos condições para suportar um ser que nascerá, e para o qual não temos meios de o sustentar, alimentar. Será mais um esfomeado. Quem nos apoiará? Decerto serás escorraçada de casa. Para onde? E eu? Que estou na casa de um tio?!.. Deixaremos de estudar. Será o nosso fim… se o reino agendasse uma agenda de consenso nacional… um programa de apoio a jovens como nós, isso seria óptimo, como isso não existe, nunca existirá... até um nobre da universidade real quase a destruiu por causa de uma amante. Não concebo que o nosso ensino possa ser um passatempo enganador.
- Hongolozinho… compreendo perfeitamente. As tuas preocupações são a eternidade da fortaleza, da certeza do nosso amor. Apesar de retirar a sementeira do meu ventre, que jurei só a ti pertencer, continuará sôfrego de liberdade para nele de novo exercitares. Planta neste jardim das delícias acolhedor, a semente do nosso universo. Verás depois os frutos saborosos, acolhedores que cairão no paraíso das tuas mãos.

E a vida no laboratório da Kitulu expandia-se, sentia-se como o peixe na água, crescia, remexia, renascia. Preocupada, mas muito romantizada, como se dos seus lábios nascessem torrentes de jasmins, e o perfume incinerasse o seu amado num lago de lágrimas de amores-perfeitos.
- Hongolozinho, beneditino, bendito, bento amor, não me sinto bem. Acho que estou com paludismo.
- Vou procurar ajuda.
- Não vale a pena. Ninguém nos ajudará. Somos apenas jovens que se amam. Quem se preocupa com isso? Pensa nisso minha ternura, minha essência pura, e tudo se enaltecerá!
- Confio em ti, na tua raiz celestial, matriz de amor imperial.

Kitulu sentiu-se num mar confuso, não lhe corria de feição. Como mangais que oprimem, atapetam a margem da alma marítima, da natural protecção. A juventude do seu corpo fortalecido, sempre adequado para saltar qualquer obstáculo, em maré de rosas sempre cuidada, regada, e que no esquecimento seca-se, sem rega. Mas que depois recebe a água da vida. Reergue-se e canta a ária do Coro dos Caídos. Não esquece a representação final ao Criador do amor. A flor com e sem dor, sempre feminina, uterina, apta para a fecundação.

Kitulu sentiu a sua jasminácea flor jasmim-manga murchar-se. Apesar de muito aromatizada não conseguia resplandecer. Lançou talvez o último pedido de socorro.
- Por favor… leva-me para a maternidade.
Hongolo não sabia como obedecer. O que fazer do e no tempo, o que pensar. Sentia o sol apagar-se. Mecanizou-se como adivinho talvez ao último desejo da amada nebulosa.
- Está bem… não deixes o jasmim da nossa primavera da vida murchar.
- Não! A tua fumbalelê nunca murchará. Está rejuvenescida… já rejuvenescia a ecologia. Sempre bem desperta… para ti aberta.
Gil Gonçalves

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