quarta-feira, 16 de julho de 2008

Sinais dos Tempos. Odebrecht


A existência de subsistemas profundamente diferenciados é claramente aparente no setor da construção. Particularmente significativo é o universo das grandes empreiteiras como Andrade Gutierrez, Camargo Correa, Mendes Júnior, OAS, Odebrecht e outras, especializadas em grandes obras de infraestruturas. Como este tipo de obras é em geral financiado por recursos públicos, já que se trata de mega-investimentos com retornos difusos e de longo prazo, estas empresas desenvolvem um sistema de apropriação dos mecanismos políticos de decisão, visando obter acesso privilegiado aos contratos. Não se trata aqui de uma particularidade do Brasil. Estimativas relativas ao México, por exemplo, avaliam em algo como um bilhão de dólares o que as empreiteiras transferem anualmente para os bolsos dos políticos.

No caso brasileiro, foi amplamente documentada a “folha de pagamentos” das empreiteiras, sustentando funcionários públicos, deputados e senadores, gerando na realidade um sistema paralelo de poder. Como as empresas estão estreitamente articuladas entre sí, praticando o rodízio de acesso a contratos, com regras do jogo bem definidas, as diversas proteções tradicionais como os mecanismos de licitação tornam-se inúteis. Os resultados práticos são obras cujos custos são onerados não por 10 ou 12% de dinheiro de propinas como acontece frequentemente nos próprios países desenvolvidos, mas por valores que frequentemente ultrapassam em 300 ou 400% o custo real da obra.
[1]

Os custos são absolutamente gigantescos. Para dar um exemplo, duas operações da Andrade Gutierrez com a Companhia de Energia do Estado de São Paulo, Cesp, resultaram numa dívida de US$11 bilhões: “Por trás de cada dólar que compõe essa dívida é possível encontrar histórias de relações incestuosas entre governantes, banqueiros e empreiteiros de obras públicas, pontuadas por suspeitas de corrupção, superfaturamento e privilégios negociais.”
[2] Exemplos como estes abundam nas diversas áreas, levando ao desvio de dezenas de bilhões de dólares. Os fantásticos recursos levantados permitem alavancar a nomeação de testas-de-ferro das próprias empreiteiras nos diversos departamentos do Estado, e a eleição de candidatos com campanhas milionárias, gerando um círculo vicioso extremamente difícil de se romper. E tratando-se, como neste exemplo, de uma empresa Estatal, buscar-se-á a sua quebra e ulterior privatização, gerando novos lucros.

In A Reprodução Social.
Ladislau Dowbor

[1] - Para dados sobre o México, ver Business Week, 13 de maio de 1996; as “folhas de pagamentos” e cerceamento de concorrência utilizados por empreiteiras no Brasil foram amplamente documentadas em numerosos artigos da imprensa, particularmente Folha de São Paulo.
[2] - José Casado, Arquivos mostram corrupção na Cesp, O Estado de São Paulo, 12 de maio de 1996
Sinais dos Tempos. Odebrecht. Por, Ismael Mateus.

De quando em quando, vemos o presidente da empresa Norberto Odebrecht ser recebido pelo presidente Eduardo dos Santos e, acto contínuo, falar na imprensa dos grandes projectos para Angola. O que espantou desta vez é termos ouvido muitas vezes a palavra ajuda e o anúncio de um grande investimento da empresa ao nosso país, passando-se aos menos atentos a ideia de que, na verdade, estávamos em presença de uma acção benemérita para o nosso país.

Certamente o presidente da Odebrecht terá pretendido falar de aplicação de capital em negócios que lhes permitirão ganhar o dobro, o triplo ou mais, o que nada tem a ver com a ideia passada de um investimento de 600 milhões de dólares pela grande amizade e ajuda a Angola.

Há um reconhecimento histórico que era devido àquela empresa brasileira pelo facto de se ter decidido a envolver em projectos quando todos tinham medo de cá vir. Capanda é disso exemplo. Porém, passados tantos anos e depois de tantos negócios oferecidos à Odebrecht, já não há dividas morais e o saldo financeiro e social é claramente favorável à Odebrecht.

Nestes mais de vinte anos, o nosso parceiro filantrópico galgou por mais de sete províncias do país e entrou por várias áreas de actividade, qualquer delas mais lucrativas que a outra: construção civil, diamantes, sector imobiliário, e prestação de serviços. Centenas e centenas de brasileiros fixaram residência em Angola com salários nunca imaginados no seu país ou em empresas brasileiras que prestam serviços à Odebrecht-Angola, melhorando automaticamente os seus lucros.

Em Angola, instalou-se a dúvida sobre a qualidade das obras. Centenas de postos de trabalho foram e são ocupados por estrangeiros durante anos a fio; os salários entre uns e outros que fazem o mesmo trabalho são largamente diferenciados; em mais de 20 anos nenhum angolano conseguiu pertencer aos quadros directivos da empresa e até os mais básicos produtos operacionais da empresa ou de consumo do pessoal vem do Brasil. Absolutamente tudo vem (leia-se compra-se) do Brasil, como se vê nos chamados malotes aéreos.

Os 600 milhões de “investimentos” serão mesmo uma ajuda? Quanto ganha a Odebrecht em Angola? Qual é a percentagem desse lucro gasto em responsabilidade social?

A visão filantrópica que se pretende impingir com a ideia de uma alegada ajuda a Angola é, na verdade, um insulto à nossa inteligência. Algumas das práticas da Odebrecht são armadilhas sociais e de custo não calculável. A durabilidade de algumas obras pode duplicar os custos, se tivermos em conta o tempo de vida inicialmente previsto. O sector petrolífero e empresas de maior porte internacional como a BP e com muito menos anos de Angola, conseguem dar sinais claros de angolanização, enquanto que a cada projecto da Odebrecht vêm mais cidadãos brasileiros. De que ajuda estamos afinal a falar, o essencial que é a aposta no homem, no seu know-how e na sua capacidade de se autonomizar não acontece com os quadros angolanos?

É inacreditável que, mesmo em ano eleitoral, ninguém acabe com essa farsa filantrópica de Emílio Odebrecht, e os nossos políticos. Já agora, não perguntem àqueles jovens operários vestindo fardas feitas no Brasil, se não gostariam de ser mestres de obras, directores de serviços ou directores gerais de uma empresa que já leva mais de 30 anos de chorudos negócios no nosso país.

In Ismael Mateus. Jornal, O Cruzeiro do Sul (Benguela, Angola). Ano III, Edição 135 de 21 a 28 de Junho de 2008.
Imagem: http://www.cpires.com/fotos_de_benguela.html
Gil Gonçalves

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