A crença na terrível feitiçaria e nos feiticeiros, apesar de enraizada na magia bantu, ganhou tais proporções e tornou-se tão obcecante, por causa das constantes acusações do adivinho que, se por um lado alivia, soluciona e inspira confiança, por outro, aumenta o terror da magia e mantém a sociedade em permanente insegurança. Basta recordar os frequentes e arbitrários ordálios.
Na África negra está muito generalizada a ideia de profetismo. O profeta negro sente que comunga com algumas das forças da pirâmide vital. Este contacto permite-lhe transmitir mensagens que podem esclarecer situações críticas. Assim se explica, de certo modo, o pulular por quase toda a África negra do profetismo-messianismo, origem dos Movimentos Profético-Salvíficos.
Os fundadores, a partir de uma visão ou êxtase em que lhes foi comunicada a sua eleição, mensagem e missão, julgam-se profetas escolhidos por Deus para salvar o seu povo, oprimido por qualquer tipo de violência.
Por exemplo, os habitantes de uma aldeia baconga têm de participar na preparação de «armas» contra os feiticeiros. Assim, ficam protegidos pelo feitiço e são controlados pelo adivinho, sempre atento à observância ritual que lhe é devida.
Nalgumas partes de Angola, destroem feiticeiros com a «arma de fogo da noite». Esta arma consiste num fémur humano, forrado ou cheio de terra do cemitério e de carne de algum cadáver. Quando o atiram ao feiticeiro, ele morre. Também se servem de armas de metal que disparam ossos de dedos humanos e bocados de metal. «Os homens das armas… não supõem, pelo menos alguns, que cometem um autêntico assassínio físico. Ao fazerem fogo contra a vítima, dizem: “Se és bruxo tens de morrer esta noite. Se não és, não deves morrer”… Acreditam misticamente que a pessoa, contra a qual dispararam, não sofrerá mal algum se não for culpada».
Também costumam apunhalar a imagem da pessoa acusada, reflectida num espelho ou na água de uma caçarola ou cabaça.
Têm, como os curandeiros, poderes parapsicológicos, às vezes notáveis e até dignos de admiração. Pessoas de confiança e testemunhas fidedignas contaram-me que alguns adivinhos colocam um boneco de madeira no chão e, depois de pronunciarem umas palavras esotéricas, o boneco começa a correr velozmente pela aldeia e só pára quando o mandam repousar a seus pés.
É quase certo que alguns praticam o hipnotismo, estão dotados para a telepatia, são ventríloquos e conhecem muitas aneiras de sugestionar e levar assembleias inteiras ao histerismo.
Usam truques, por vezes engenhosos, e uma prestidigitação eficacíssima. Como, às vezes, a consulta é feita na sua própria casa, um ajudante (ou aprendiz) ou mesmo o adivinho responde ao oráculo dentro de um subterrâneo aberto no chão. Também se esconde em troncos de árvore.
No entanto, há que distingui-lo do adivinho-feiticeiro, personagem real, conhecida e activa. Este actua livre e conscientemente. Fabrica feitiços malignos e serve-se deles nas suas actuações. Mistura veneno na comida e na bebida e assim vitima muitas pessoas. É movido por desejos de vingança e colabora na supressão dos inimigos dos seus clientes.
Acreditam que vive na comunidade, mas ninguém o conhece. Espalha um permanente medo que só o adivinho e o curandeiro podem enfrentar. O feiticeiro bantu é mito, lenda, suposição, figura, imaginação, símbolo, solução e necessidade psicológica, social e religiosa.
Nunca viram um feiticeiro, não assistiram ás suas reuniões, nunca presenciaram o seu desdobramento e metamorfoses nocturnas, mas a sua presença é uma exigência dos princípios fundamentais da cultura bantu.
Na sociedade bantu ninguém é feiticeiro, mas todos podem sê-lo. A explicação e a necessidade do feiticeiro estão no conhecimento e consciência que o bantu tem de si mesmo e da sociedade.
As palavras bantus mais comuns para o denominar são: «ndoki», «amulozi», «muloji», mloji», «moio», «ulogo», «bulozi», «buloji», «ulozi», «ndotshi», «moloi», provenientes do radical verbal «loa». Estes termos significam «malefício», «enfeitiçar». Noutras línguas dão-lhe o nome de «nganga» ou «onganga».
Este desdobramento de personalidade permite ao feiticeiro o dom da bilocação e até da multilocação. Uma parte do seu ser (o corpo) está fisicamente na cama, enquanto o seu doble (ou seu poder) actual em lugares distantes.
É este o fundamento da dura realidade, a razão que leva qualquer bantu a aceitar com resignação e passividade a acusação de ser feiticeiro, feita pelo adivinho e, então, submete-se docilmente aos ordálios. Quando estes indivíduos, inconscientes da sua maldade, são castigados, a justiça bantu subjectivamente considera-se, mas objectivamente é causa de lamentáveis injustiças, o acusado assume a responsabilidade, apesar de não ter consciência da sua maldade.
Entre ao Ambos, «aquele que quer receber esta faculdade encontra-se casual ou voluntariamente com quem a possui. Este, em determinado dia, dá-lhe “algo a comer”. Durante dois dias, o “mestre nada diz do que fez ao seu amigo noviço. Na terceira, depois de deitados, desperta-o repentinamente e confia-lhe a grande novidade:”Levanta-te, dei-te a ouwanga e quero que sejas meu amigo.” Em seguida, dá-lhe esta ordem formal: “Vai comer alguém da tua família.” E tem de cumprir esta ordem. Caso contrário, o “ouwanga” comeria o recalcitrante.
In Cultura Tradicional Bantu. Pe. Raul Ruiz de Asúa Altuna. Edições Paulinas
Gil Gonçalves
Na África negra está muito generalizada a ideia de profetismo. O profeta negro sente que comunga com algumas das forças da pirâmide vital. Este contacto permite-lhe transmitir mensagens que podem esclarecer situações críticas. Assim se explica, de certo modo, o pulular por quase toda a África negra do profetismo-messianismo, origem dos Movimentos Profético-Salvíficos.
Os fundadores, a partir de uma visão ou êxtase em que lhes foi comunicada a sua eleição, mensagem e missão, julgam-se profetas escolhidos por Deus para salvar o seu povo, oprimido por qualquer tipo de violência.
Por exemplo, os habitantes de uma aldeia baconga têm de participar na preparação de «armas» contra os feiticeiros. Assim, ficam protegidos pelo feitiço e são controlados pelo adivinho, sempre atento à observância ritual que lhe é devida.
Nalgumas partes de Angola, destroem feiticeiros com a «arma de fogo da noite». Esta arma consiste num fémur humano, forrado ou cheio de terra do cemitério e de carne de algum cadáver. Quando o atiram ao feiticeiro, ele morre. Também se servem de armas de metal que disparam ossos de dedos humanos e bocados de metal. «Os homens das armas… não supõem, pelo menos alguns, que cometem um autêntico assassínio físico. Ao fazerem fogo contra a vítima, dizem: “Se és bruxo tens de morrer esta noite. Se não és, não deves morrer”… Acreditam misticamente que a pessoa, contra a qual dispararam, não sofrerá mal algum se não for culpada».
Também costumam apunhalar a imagem da pessoa acusada, reflectida num espelho ou na água de uma caçarola ou cabaça.
Têm, como os curandeiros, poderes parapsicológicos, às vezes notáveis e até dignos de admiração. Pessoas de confiança e testemunhas fidedignas contaram-me que alguns adivinhos colocam um boneco de madeira no chão e, depois de pronunciarem umas palavras esotéricas, o boneco começa a correr velozmente pela aldeia e só pára quando o mandam repousar a seus pés.
É quase certo que alguns praticam o hipnotismo, estão dotados para a telepatia, são ventríloquos e conhecem muitas aneiras de sugestionar e levar assembleias inteiras ao histerismo.
Usam truques, por vezes engenhosos, e uma prestidigitação eficacíssima. Como, às vezes, a consulta é feita na sua própria casa, um ajudante (ou aprendiz) ou mesmo o adivinho responde ao oráculo dentro de um subterrâneo aberto no chão. Também se esconde em troncos de árvore.
No entanto, há que distingui-lo do adivinho-feiticeiro, personagem real, conhecida e activa. Este actua livre e conscientemente. Fabrica feitiços malignos e serve-se deles nas suas actuações. Mistura veneno na comida e na bebida e assim vitima muitas pessoas. É movido por desejos de vingança e colabora na supressão dos inimigos dos seus clientes.
Acreditam que vive na comunidade, mas ninguém o conhece. Espalha um permanente medo que só o adivinho e o curandeiro podem enfrentar. O feiticeiro bantu é mito, lenda, suposição, figura, imaginação, símbolo, solução e necessidade psicológica, social e religiosa.
Nunca viram um feiticeiro, não assistiram ás suas reuniões, nunca presenciaram o seu desdobramento e metamorfoses nocturnas, mas a sua presença é uma exigência dos princípios fundamentais da cultura bantu.
Na sociedade bantu ninguém é feiticeiro, mas todos podem sê-lo. A explicação e a necessidade do feiticeiro estão no conhecimento e consciência que o bantu tem de si mesmo e da sociedade.
As palavras bantus mais comuns para o denominar são: «ndoki», «amulozi», «muloji», mloji», «moio», «ulogo», «bulozi», «buloji», «ulozi», «ndotshi», «moloi», provenientes do radical verbal «loa». Estes termos significam «malefício», «enfeitiçar». Noutras línguas dão-lhe o nome de «nganga» ou «onganga».
Este desdobramento de personalidade permite ao feiticeiro o dom da bilocação e até da multilocação. Uma parte do seu ser (o corpo) está fisicamente na cama, enquanto o seu doble (ou seu poder) actual em lugares distantes.
É este o fundamento da dura realidade, a razão que leva qualquer bantu a aceitar com resignação e passividade a acusação de ser feiticeiro, feita pelo adivinho e, então, submete-se docilmente aos ordálios. Quando estes indivíduos, inconscientes da sua maldade, são castigados, a justiça bantu subjectivamente considera-se, mas objectivamente é causa de lamentáveis injustiças, o acusado assume a responsabilidade, apesar de não ter consciência da sua maldade.
Entre ao Ambos, «aquele que quer receber esta faculdade encontra-se casual ou voluntariamente com quem a possui. Este, em determinado dia, dá-lhe “algo a comer”. Durante dois dias, o “mestre nada diz do que fez ao seu amigo noviço. Na terceira, depois de deitados, desperta-o repentinamente e confia-lhe a grande novidade:”Levanta-te, dei-te a ouwanga e quero que sejas meu amigo.” Em seguida, dá-lhe esta ordem formal: “Vai comer alguém da tua família.” E tem de cumprir esta ordem. Caso contrário, o “ouwanga” comeria o recalcitrante.
In Cultura Tradicional Bantu. Pe. Raul Ruiz de Asúa Altuna. Edições Paulinas
Gil Gonçalves
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