terça-feira, 15 de julho de 2008

Especulação Imobiliaria (II)


Dói muito mais arrancar um cabelo de um europeu

que amputar uma perna, a frio, de um africano.

Passa mais fome um francês com três refeições por dia

que um sudanês com um rato por semana.

Fernando Correia Pina, poeta português
In Democracia Económica.
Ladislau Dowbor

Os especuladores imobiliários por onde passam, corrompem governos, titanicam nações. Conseguem corromper um centímetro de terra e lá construírem um minimercado.

O rei disse ao general:
- A nossa secreta informou-me que você está envolvido no roubo das terras. Tratarei disso depois. Peço-lhe que não atente contra a vida de Job.
O general baldou-se. Quando viu o luxuoso avião particular do rei desaparecer no céu, mandou alguns dos seus homens de confiança darem uma grande sova a Job, mas de maneira que não o matassem. O corpo de Job ficou macadamizado. Job apanhou uma folha de bananeira para limpar as feridas. Tudo à sua volta parecia uma chuva de cinzas. Sentou-se nos restos da madeira queimada. A sua esposa disse-lhe:
- Ainda gostas do rei? Depois do que o general dele te fez? És muito parvo!
- As mulheres não entendem nada destas coisas. Apesar de o general me roubar tudo o que tinha, devo obediência e lealdade ao rei.
- Eu é que trabalho na terra!.. o teu fanatismo é escravidão, não é lealdade! És um grande atraso de vida! Onde estão os teus amigos, em quem tanto confiavas?
- Hão-de vir... Hão-de vir!
E chegaram alguns amigos que confortaram Job. Um disse-lhe que a sua conta bancária estava em baixo. Os outros tristemente confessaram que também lhes roubaram tudo o que tinham. Que o mal era geral. Trabalhar de verdade não era possível, porque roubar é fácil. Ficaram uns dias a acalentá-lo e sentaram-se nas sobras de algumas cadeiras. Depois cansados foram-se embora. Um deles ao despedir-se reafirmou:
- O reino da fome está combalido.

Apareceram alguns grupos de esfomeados que aproveitaram as sobras. O local ficou igual a um deserto. Job bocejou, apetecia-lhe dormir. Falou para o vento cúmplice que arrastava as cinzas:
- Tantos e tantos anos de trabalho em vão. Não dá para trabalhar na terra, porque depois vem um general e fica com ela. Finge que a trabalha à espera que surja um sócio estrangeiro. Mas eles já não acreditam nisso, e a terra abandona-se. Fica para acampamento de refugiados. As trevas dominam este reino. O rei está sempre lá em cima sentado no seu trono. Raramente desce, sobe, ou sai. Adora rodear-se de pessoas, que mais parecem lâmpadas fundidas, que dão pouca luz, ou acendem de vez em quando. A minha terra contamina-se, nunca mais nela nada crescerá. Resta-me olhar para as nuvens e para os restos das árvores, que parecem fantasmas ao luar. Tantos anos em vão que trabalhei. Agora tudo ficou igual às noites escuras. Nunca mais perderei anos, meses e dias nestas coisas.
E Job sente-se como o programa de arranque, o sistema operativo corrompido que não inicia o computador.
- Ah! Não vou ficar aqui toda a vida a olhar para a noite. Ainda me sobrou um tocador de CD portátil. Escutarei umas músicas e dançarei uns bons bocados. Chorar não adianta. Lembro-me que os colonos quando fugiram, preveniram-me que não valia a pena trabalhar na terra, porque depois de estar tudo bem, apareceria alguém que ma roubaria. Não acreditei, agora dou-lhes razão. Fui e continuo muito parvo. Pedir um empréstimo bancário? Nem pensar! Só se for para importar cerveja. Os bancos não arriscam fazer empréstimos a longo prazo. Consideram que investir na agricultura não dá lucros. Porque quando chegam as chuvas as culturas ficam destruídas. Depois há que fazer novo empréstimo. O lucro tem que ser imediato, caso contrário… não deixam nada.

Gil Gonçalves
Inicialmente publicado em: Eugénio Almeida Malambas

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