segunda-feira, 3 de maio de 2010

A Ocidente do Paraíso (57). Na realidade ainda me sentia traumatizado pelos sintomas da guerra. Queria ficar só, e evitava falar com quem quer que fos


Numa manhã surgiram quatro helicópteros Alouette III e um helicanhão com efectivos pára-quedistas e comandos. Tratava-se de uma grande operação de forças combinadas, afim de aniquilar os redutos da guerrilha que teimosamente insistiam em ocupar posições antes perdidas.

Os relatos posteriores falaram que o célebre comandante Enfeso, da FNLA, sentindo-se perseguido fez uma manobra de diversão. Ele e os seus homens seguiram por um caminho, os carregadores por outro, deixando para trás pessoas a ocuparem as forças portuguesas. Quando deram pelo logro já Enfeso ia longe.

A nossa comissão de serviço chegou ao fim. Os meses passavam, e a companhia que nos substituiria tardava a chegar. Isto devia-se ao défice de jovens para ingressarem no exército. Os rumores eram constantes, de que no próximo mês, no dia tal seríamos rendidos. Apreensivo via o tempo a perder-se. Sairia da tropa com vinte e cinco anos, já velho. Pelos vistos teria que recomeçar a minha vida do zero, resignado com a tristeza da espera, sem saber quando acabaria este tormento. Que no próximo mês havia a certeza confirmada que partiríamos. Desta vez era verdade. Finalmente veio a rendição.

Já estávamos no Grafanil a aguardar embarque. Iríamos no avião dos TAM-Transportes Aéreos Militares. Entretanto, o meu pai indicou-me uma família amiga em Luanda para passar lá uns dias. Era no Bairro Salazar, também conhecido pela fronteira do Golf. Era uma vivenda espaçosa com um terraço a condizer. Propriedade de um casal com um filho e um irmão do esposo, uma prima e um idoso – o Avô – pai da esposa. Eram muito boas pessoas, porque no relacionamento inicial e posterior nunca lhes vi qualquer sintoma de maldade. Vivia como peixe na água. Assediavam-me constantemente, se me faltava isto ou aquilo, se queria mais disto ou daquilo. Depois do tempo e vicissitudes porque passei, sentia-me no paraíso.

Na realidade ainda me sentia traumatizado pelos sintomas da guerra. Queria ficar só, e evitava falar com quem quer que fosse. Apesar de tudo fazia um grande esforço para manter uma conversa, e sorria com dificuldade aguardando que a conversa terminasse rapidamente. Para quebrar a monotonia – entre críticas de que não saía de casa – o irmão do dono da casa convidou-me para assistir a uma partida de futebol de salão, num campo que se situava a três ruas de distância.
Fingia-me interessado pela disputa da bola. A certa altura um pormenor chamou-me a atenção. Um jovem negro sai das bancadas e atropela tudo e todos. Imaginei-o como um inimigo, apreensivo dramatizei:
- Olha, esse aí, vão-lhe dar na cara.
- Porquê?
- Da maneira que ele trata as pessoas, acho que não vai sair daqui vivo.
- És racista?
- Não, mas acho que é tamanha má educação, que se deveria chamar a atenção ao jovem.
- Aqui ninguém liga a isso, estamos habituados, em Portugal é tudo diferente. Nós temos uma convivência mais aberta. Até no aspecto sexual, quase que não temos tabus.
Fiquei a meditar e concluí:
- Esta sociedade deve ser muito violenta.

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