sexta-feira, 21 de maio de 2010

A Ocidente do Paraíso (63). De vez em quando olhava-me de soslaio, abria as pernas e mostrava-me o biquíni.




Mentalmente cantei a música, Scarborough Fair de Simon & Garfunkel, que me reanimava nos dias tristes, perdidos e jamais recuperados no Quixico.

«Você está indo à feira de scarborough?
Salsa, salvia, alecrim, e tomilho
Relembre-me a alguém que vive lá
Ela outrora foi o meu verdadeiro amor

Diga a ela para ceifar com uma foice de couro
(Foles de guerra, brilhando em batalhões escarlates)
Salsa, salvia, alecrim, e tomilho
(Generais ordenando seus soldados para matar)
E para colher tudo com um ramo de urze
(E para combater por uma causa que eles há muito esqueceram)
Então ela será o meu verdadeiro amor»
http://letras.terra.com.br/simon-e-garfunkel/36251/traducao.html

Quando alguém lhe perguntava sobre determinado documento, vasculhava a sua secretária – que era enorme – e demorava a encontrá-lo, porque eram montanhas de papéis por todo o lado. Daí ter a fama de grande desorganizado.
Um dia, enquanto se ausentou por dois dias, ocorreu-me a ideia de colocar todos os documentos em pastas, organizados por temas e em ordem alfabética. A secretária ficou completamente vazia. Quando regressou aterrorizou-se:
- Ena pá! Mas, e agora como é que vou trabalhar?!
- O senhor Figueira diz o assunto e rapidamente encontramos o documento nas pastas.
- Com esta não contava, nunca vi uma coisa destas… os meus parabéns.
Entretanto, admitiram uma jovem colega para os serviços mecanográficos. Bonita e com uma brutal mini-saia, dava-me voltas à cabeça, porque ocupava uma secretária mesmo à frente dos meus olhos. De vez em quando olhava-me de soslaio, abria as pernas e mostrava-me o biquíni. Isto passou a ser o meu tormento diário.

Ainda não estava completamente adaptado à vida civil. Continuava a perder a calma, e de me enervar por qualquer coisa. Até que me apercebi que todos os colegas acreditavam que era maluco. Os comentários depreciativos eram constantes. Até alguns colegas quando me aproximava deles riam-se. Figueira sentiu com tristeza que eu estava marginalizado. O administrador também concordava que havia um maluco nos serviços. Já não me sentia à vontade, não sabia mais o que fazer.
Figueira fez anos, e organizaram-lhe uma pequena festa de homenagem. Como não tinha dinheiro para lhe comprar uma prenda, decidi compor um poema e entreguei-lho:

Existe sempre um dia
o seu dia
Assim como existem anos
e também silêncios
Talvez que o nevoeiro do infinito
do tempo se dissipe
E o tempo se lembre de si

Existe sempre um dia

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