Pode-se dizer que o meu mês de férias terminou, acho que aprendi muita coisa. E como sempre acontece na nossa vida, acabamos por deslocarmo-nos de um lado para o outro. Regressei a Lisboa.
O meu pai estava radiante. O pai da Marta escreveu-lhe a prometer que semanalmente enviaria produtos da terra. Haviam algumas cartas atrasadas da Marta a que respondi. Até que chegou uma em que ela dizia que os seus pais estavam contentíssimos comigo, e para eu ir para junto dela. Nunca supus que retornaria a Angola.
Spínola lança o seu livro, Portugal e o Futuro. O ambiente está muito agitado. A qualquer momento aguarda-se algo. Vou ao café do Frederico para saber notícias dos meus amigos. Só vejo caras novas. Reconheço um ou outro com quem tinha pouca convivência. Mesmo assim despedi-me deles, deixando uma mensagem para o Quitério e Mota, que ia para Angola contribuir para a sua independência. Como tudo na vida tem um princípio e um fim, os impérios também.
CAPÍTULO V
A CONTINUAÇÃO DA GUERRA
Luanda, Angola, Janeiro 1974
A Marta tinha muitos conhecimentos. Arranjou-me um emprego na Aliança Industrial na montagem de rádiorreceptores. O meu trabalho era o alinhamento das frequências. Fazia sempre a mesma coisa, e sentia que não era grande futuro. Passei para a instalação de equipamentos de som em automóveis, enquanto a Marta me tranquilizava que era para eu não estar parado, que depois arranjaria coisa melhor.
Fui para os serviços administrativos da Guérin que representava a marca de automóveis Volkswagen, como terceiro escriturário. Figueira era o gerente, e responsabilizou-me pela emissão e controlo da facturação. Depressa notei a necessidade de estudar intensamente contabilidade. O dinheiro que ganhava ainda não era suficiente para comprar livros. Mas com esforço lá me ia safando. O Figueira tinha formação teológica, e devido a isso o seu nome foi publicado no Boletim Oficial. Mas foi afastado da igreja porque fez um filho. Como eu evoluía rapidamente promoveram-me a segundo escriturário. Tinha sob meu controlo o ficheiro de clientes a crédito que aumentava todos os dias. Já passava dos mil. Os automóveis importados da Alemanha antes de chegarem já estavam vendidos, porque eram de boa marca. A oficina para deixar sair um carro tinha que me contactar, para saber se o cliente tinha crédito. Respondia sem consultar o ficheiro. Figueira, desconfiado, perguntou-me como é que eu tinha a pretensão de saber tudo de memória. Em silêncio tirava as fichas e mostrava-lhas. E ele:
- Eh Pá! Sim senhor! Já vi que tem boa memória!
Imagem: http://www.custojusto.pt/images/9088901464-Antonio+de+Spinola+Pais+sem+Rumo.jpg
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