Parecia-me que momentaneamente as tormentas cessaram. Eu, assim a senti, era um desejo. Será que as noites de isolamento escureceram para sempre? O amor retornou? Seria ela o vento dos pinheiros da minha infância? O vento da profunda noite, que instintivamente fazia aproximar os nossos corpos, numa deliciosa felicidade rodeada de pinheiros. Depois, os pinheiros, desapareciam no céu. E a noite ficava muito escura. Como um piano abandonado.
A prima que habitava na casa chamava-se Marta. Tinha o cabelo curto até ao início do pescoço. Olhos muito claros, pequenos e profundos. Lábios pequenos, sensuais. Queixo ligeiramente arrebitado. Seios pequenos que se não fosse o soutien passariam despercebidos. Magra e de estatura mediana, com as pernas ligeiramente arqueadas. O seu semblante era duro, triste, mas esforçava-se em apresentar um sorriso.
Num fim de tarde estava no terraço a ouvir música, saboreando camarão e cerveja. O calor incomodava, mas a frescura da sombra era muito acolhedora. Marta aproximou-se e sentou-se:
- Boa tarde, ufa que calor.
- Muito boa tarde, aqui está muito fresquinho.
- Boa vida que você leva… quem me dera… como vão essas férias?
- Já passei um mau bocado… acho que mereço um bom descanso.
- Vou-lhe roubar alguns camarões e fazer-lhe um pouco de companhia. Fale-me um pouco da sua vida passada… nos matos.
- Desculpe, mas prefiro não falar disso.
- Porquê? Sente-se muito afectado?
Preferi responder com uma pergunta.
- O que é que você faz?
- Sou funcionária administrativa na Direcção dos Serviços de Agricultura e Florestas… tratamos dos animais.
Disse-o com um largo sorriso. Desculpando-se foi buscar um refrigerante.
O Aurélio era o filho do casal. Cumpria o serviço militar como furriel na guarnição de Luanda. Não participava em nenhuma operação militar. Era futebolista, jogava a extremo esquerdo na equipa do Asa. A sua equipa foi campeã nacional de futebol. Quando jovem, faltava aos estudos para jogar futebol. O seu pai vigiava-o e quando via que ele não estava na escola, ia ao campo de futebol, arrastava-o para casa e batia-lhe com um chicote. Mais tarde, Aurélio confessou que o seu pai fazia muito bem, e que se não fosse isso hoje não seria ninguém. O pai ofereceu-lhe um Ford Capri. Aurélio tornou-se um famoso mulherengo, ao ponto da sua mãe, quando a Académica de Portugal o pretendeu para jogador, barrou-lhe a ida alegando que se perderia com as mulheres.
Aurélio e a Marta chegaram abraçados. Ele segredou-lhe algo no ouvido que a fez dar algumas risadinhas. Aurélio acabou com o resto dos camarões e lançou-me uma piada.
- Este não faz mal a ninguém!
Referia-se que eu não andava atrás de mulheres. Marta afastou-se, disse que ia ajudar na cozinha.
Nos dias seguintes passei a ter a companhia diária do Avô. Fazíamos um lanche de atum com cebola, até se tornar num hábito. Toda a família me confessava que ele gostava muito de mim. Falava, falava e ria-se muito. De tal modo que passou a assobiar algumas melodias, o que não era habitual. Quando a Marta chegava do trabalho encontrava-nos sempre no repasto. Notei que o olhar e o sorriso tinham algo de misterioso, convidativos, sensuais. Interrogou-me:
- Sempre aqui sozinho… não sai porquê?!
- Gosto de estar só… acho que são as consequências da guerra.
- E não se aborrece?
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