Há sim senhor uma conjura mundial que nos governa, espolia e oprime. A Santa Igreja é o mais miserável de humano que existe desde sempre. Uma quadrilha disfarçada de homens eleitos por Deus. Como é possível esta gente viver no nosso seio, e ainda nos darem lições de moral? Banqueiros disfarçados de Igreja. Creio que não falta muito para a derrocada que se avizinha. Parece que já se pode entender bem a causa de tanta revolta ao longo da história.
Este é o mais hediondo poder que reside e nos escraviza no céu e na terra.
«ESTE LIVRO
As cartas secretas de um monsenhor importante
Um interminável arquivo de documentos confidenciais e inéditos (estratos bancários, cartas, relatórios confidenciais, actas do conselho de administração, balanços secretos do IOR*, cópias de transferências e referências «codificadas» a contas).
recursos.wook.pt/recurso?&id=1602664
Foi este o material que me permitiu penetrar nos segredos do Vaticano e aos quais tive acesso por vontade expressa do monsenhor Renato Dardozzi (1922-2003), uma das figuras mais importantes na gestão das finanças da Igreja, de 1974 até final da década de 1990. Durante mais de vinte anos, Dardozzi foi um dos poucos, pouquíssimos, monsenhores presentes nas reuniões confidenciais dos colaboradores mais próximos do pontífice sobre as delicadas tramas da Santa Sé.
Horas passadas nas saletas de portas duplas entre estuque trabalhado, veludo e alusões para pôr de pé arrojadas operações em nome da Igreja, desactivar autênticas bombas financeiras, abafar escândalos e afastar prelados sem escrúpulos apenas a um nível abaixo do santo padre. O caso dos acontecimentos ocorridos com o Ambrosiano nos tempos do arcebispo Paul Marcinkus parecia encerrado mas, de tempos a tempos, este regressa envolto, como sempre, sob um manto de silêncio. O Vaticano desenvolve os seus negócios na absoluta discrição, protegendo a delicada relação entre a teocracia que representa e o dinheiro.
As intensas actividades da holding da Santa Sé representam um dos segredos mais bem guardados do mundo. Até o balanço consolidado da Igreja, divulgado todos os anos em Julho, apresenta somente dados genéricos. Este silêncio é intencional e preservado todos os dias, a todo o custo. Apesar da discrição, esta ausência de informações, que fomenta os rumores, permanece todavia uma das regras de ouro dos banqueiros das sotainas compridas, os quais são bem mais reservados do que os seus esquivos colegas laicos. O silêncio protege toda a sua economia e, portanto, também os negócios mais discutíveis que caracterizam a vida financeira da Igreja Romana. O silêncio protege a relação de confiança com os fiéis, evitando assim os estragos do passado mais recente.
Enfim, o silêncio é indispensável para que o grupo de cardeais possa consolidar o poder que eles próprios representam, sobretudo depois dos escândalos da Banca Privata Italiana de Michele Sindona, do Ambrosiano de Roberto Calvi e do IOR com o arcebispo Paul Marcinkus. Escândalos que comprometeram a imagem da Igreja Romana e que ocuparam João Paulo II durante vinte anos numa cansativa obra de reabilitação depois de mortes misteriosas, como a de Albino Luciani, papa por trinta e três dias, e a do próprio Sindona, envenenado na prisão com uma chávena de café fumegante aromatizado com cianeto. E os homicídios por resolver, como o de Calvi, encontrado morto debaixo da Ponte Blackfriars, em Londres.
Escândalos que não deviam, nem devem, repetir-se para não ofuscar a relação de confiança que existe entre quem é crente e quem difunde a palavra de Deus. Se, pelo contrário, este silêncio fosse novamente quebrado, se as finanças do Vaticano se libertassem por um só momento do jugo da hipocrisia, por um lado, e do preconceito, por outro, as repercussões sobre a legitimidade do seu papel e utilidade seriam imprevisíveis, bem como os custos para a sua imagem. Assim, por detrás das paredes do Vaticano é o silêncio que impera sempre que as operações dos banqueiros do papa, arcebispos ou purpurados, fazendo uso do dinheiro dos fiéis, se tornam arrojadas, ou até ilegais. O IOR continua a ser um dos lugares mais inacessíveis e é a custo que o Vaticano admite a sua existência. Nas páginas oficiais da Santa Sé não se fala nisso, nem sequer é feita qualquer referência.
É como se as finanças do Vaticano não existissem.
Agora todos devem ficar a saber
O próprio monsenhor Dardozzi tinha feito do silêncio uma regra de vida. Nunca fez uma declaração, entrevista ou fotografia. Nem sequer uma citação. O seu interminável arquivo, que reconstrói, a partir de dentro, os acontecimentos financeiros mais inquietantes da Igreja Romana, não poderia ter sido tornado público antes. É somente depois da sua morte que Dardozzi abandona o caminho obscuro que traçou para si durante toda a sua vida. Eis a sua última vontade testamentária: «Tornar públicos estes documentos para que todos saibam o que aconteceu.» Perceber quem é Dardozzi torna-se indispensável para avaliar os mais de quatro mil documentos recolhidos em vinte anos de actividade no Vaticano.
Nascido em Parma em 1922, chega ao sacerdócio tardiamente. É apenas em 1973, com cinquenta e um anos completados, que descobre a sua própria vocação, é ordenado sacerdote e apresenta-se à Santa Sé com um currículo de prestígio. Licenciado em matemática, engenharia, filosofia e teologia, renuncia, em favor da Igreja, a uma brilhante carreira no grupo STET (telecomunicações), o qual já o via na direcção-geral da SIP e director da Scuola Superiore per le Telecomunicazioni Reiss Romoli. Dardozzi fala fluentemente cinco línguas, frequenta o jet set internacional e conhece o secretário de Estado Agostino Casaroli através do padre R. Arnou, abade teólogo com quem colaborou na feitura de várias obras.
A relação pessoal e o entrosamento total com Casaroli, dominus do aparelho do Vaticano nos anos de Karol Wojtyla, bem como as suas competências profissionais e a sua discrição, fazem com que venha a ter uma ascensão rápida. Dardozzi age sob delegação directa do ministério-chave do Vaticano, a Secretaria de Estado, o braço operativo do pontífice. É precisamente após o convite da Secretaria de Estado, em 1974, que começa a sua colaboração com a Santa Sé. Goza de livre acesso aos segredos do IOR.
Casaroli envolve-o, desde logo, nos negócios do Ambrosiano, confiando-lhe os cargos de controlo económico e financeiro, até que o leva a participar, como conselheiro, nos trabalhos da comissão bilateral, constituída juntamente com o Estado italiano, para a averiguação da verdade na derrocada financeira da banca de Calvi. Normalmente, à quinta-feira ao almoço despe o vestuário burguês, veste o talar preto e comprido e dirige-se aos aposentos do papa. É um dos poucos italianos convidados para a mesa de João Paulo II, o qual prefere comensais polacos.
A actividade de vigilância de Dardozzi prossegue também com o sucessor de Casaroli, o cardeal secretário de Estado Angelo Sodano. Em 1985 torna-se director da Pontifícia Academia das Ciências e chanceler em 1996. Alia assim o controlo dos negócios menos apresentáveis da década de 1990 ao compromisso do alto estudo científico, começando pelo estudo da Questão Galileana, por vontade do santo padre e que teve ressonância a nível mundial, e pressionando o então cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação da Fé, a aprofundar o conhecimento das cartas de Galileu. Para cada um dos acontecimentos financeiros que acompanha, Dardozzi recolhe documentos e toma notas, guardando-os em pastas de cartolina amarela criadas para o efeito, conservadas e entregues a mim pelas pessoas a quem o mesmo monsenhor as confiou, pessoas essas que hoje, pelas razões óbvias, preferem manter o anonimato.
Fazer regressar a Itália estas cartas e encontrar um lugar adequado para pôr a salvo este património de informações não foi tarefa fácil. A operação desenvolveu-se em duas fases. A primeira, mais trabalhosa, exigiu meses de deslocações para digitalizar todas as cartas, reuni-las em CD-ROM e trabalho de pesquisa; depois, carregar os documentos para a página que hoje é pública e acessível a todos (www.chiarelettere.it, na opção Vaticano S.p.A.). A segunda, mais perigosa, consistiu em fazer regressar os documentos originais a Itália: o arquivo encontrava-se em local seguro na Suíça, no cantão de Ticino, guardado por alguém que não sabia que o tinha, na vizinhança de um cruzamento de auto-estrada.
Parti de Milão numa madrugada no final do Verão de 2008. Duas malas Samsonite de quarenta quilos aguardavam-me além-fronteira. A entrega foi rápida. Um café com a aldeã idosa que para minha sorte nunca desce às caves das casas da sua quinta. Regressado a Itália, começou o trabalho. Este não é um livro contra o Vaticano; é um livro que relata os factos cometidos por homens que gozaram de uma confiança mal depositada. Pretende ser um testemunho relativamente a tudo o que acontece para lá da Colunata de São Pedro, para lá das divisas azul-cobalto da Guarda Suíça.
Pretende, sobretudo, relatar a realidade opaca da finança do Vaticano com base nos documentos de quem, entre as décadas de 1970 e de 1990, viveu na primeira pessoa todos os grandes acontecimentos que abalaram o Vaticano, a Itália e o mundo inteiro. Na primeira parte reconstitui-se a gestão das finanças do Vaticano passo a passo com base nas cartas secretas de Dardozzi. Uma vez fechado o arquivo de Dardozzi, na segunda parte, resultado de factos e de testemunhos inéditos, relata-se as operações financeiras arrojadas e que terão levado monsenhores e prelados a apoiar o nascimento de um novo grande partido do centro, depois da queda da Democrazia Cristiana, e até a reciclar dinheiro da Máfia.»
* Uma das instituições financeiras mais importantes do Vaticano. (NR)
Imagem: http://adignidadedadiferenca.blogs.sapo.pt/
Sem comentários:
Enviar um comentário