terça-feira, 18 de maio de 2010

A Ocidente do Paraíso (61). O pai da Marta pegou na caçadeira e farejou montanha acima à caça.


A correspondência com a Marta era intensa. Desabrochava, notava-se a sintomatologia das promessas ao amor. O namoro avançava, como o sol que quando nasce irradia a sua beleza festiva. Ela insistia-me para passar umas férias com os seus pais em Vila Nova de Tazém, na Beira Alta, pois já tinha combinado com eles. Queria que me conhecessem, e esperava que também gostassem de mim.

Fui de comboio. Quando cheguei o pai da Marta aguardava-me. Fazia muito frio. Fomos num automóvel de caixa aberta que lhe pertencia. Ao chegarmos mostrou-me o aposento em que ficaria instalado. Um quarto espaçoso, bem arejado, com muitas mantas na cama. Na sala de estar havia uma lareira acesa e foi para lá que me dirigi. A mãe da Marta serviu-me uma sopa de legumes, garantindo-me que fazia bem, e era óptima para o frio.
As mantas não chegavam para o frio das noites.

De manhã fui saudado com uma surpresa. O pai da Marta pegou na caçadeira e farejou montanha acima à caça. Quando me viu, mostrou-me com satisfação dois coelhos que seriam daí a pouco preparados e repastados. Foi com mágoa que lhe pedi desculpa, confessando-lhe que não gostava de comer coelho, frango ou aves. Desculpou-se com alguma tristeza e admiração, porque desconhecia tal incómodo. Revivi a situação da tropa, e lá vieram as batatas fritas com bife.

Os terrenos eram imensos. À velocidade de cerca quarenta quilómetros à hora de automóvel, percorremos durante mais de meia hora a via principal que os delimitava. Havia muita coisa. Campos de oliveiras, videiras, frutas, batatas, etc. Era um verdadeiro império que herdaria com a Marta.

Participei na campanha da azeitona. Toldos estendiam-se no chão. Varávamos nas ramagens das oliveiras e a azeitona caía. A que se mostrava mais teimosa, inacessível, ficava para depois com escadas, e os ramos mais escondidos ripavam-se. Havia muita azeitona, que mais tarde se preparava para alimentação e para a produção de muito azeite. Notava-se facilmente que o lavrador estava contentíssimo. Jubilava pelo ano de boa colheita. E das videiras viria a boa água-pé que não podia faltar. Dos porcos saíam apetecíveis lombinhos para assar, e do presunto defumado uma delícia.

O pai da Marta informou-me que enviou para os meus pais batatas e outros produtos, o que agradeci efusivamente, nomeando-me como membro, que eu já fazia parte da família. A apanha da azeitona terminara. O muito frio ainda continuava. Contentei-me, observei e vivi o suficiente com estas pessoas honestas, simples e trabalhadoras. Levantavam-se ao pôr-do-sol e, pode-se dizer, quase se deitavam quando ele se despedia até amanhã. Pareciam que estavam numa ilha, onde praticamente os contactos com o exterior não existiam. Quando tentava encetar um diálogo sobre a política salazarista, que evidenciava o ostracismo a que estavam votados, apenas sorriam, desculpando-se que não entendiam nada disso. Apenas queriam viver a sua vida simples, e passar o resto da sua velhice com os ganhos obtidos na região dos Dembos, em Angola.

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