quarta-feira, 21 de maio de 2008

A Guerra da Fome (IV)


Inicialmente publicado no Jornal O Observador

O LIVRO DO PRAGADOR

Existem apenas três democracias: Branca, Negra e Petrolífera.

Depois de tanto sofrimento nesta economia popular, ainda vou mais no inferno?

A fome é mais útil aos outros do que àquele que a possui
Aqui, o tempo e a sorte não pertencem a todos. Os sábios não têm direito a pão. De repente ou não, o mau tempo está sempre a cair-nos em cima. Em cima deles nunca cai. As redes malignas deles fizeram com que diminuísse o nosso peixe. Sábios aqui, não têm valor. Só é sábio quem tiver muito dinheiro. Nas províncias não há quase ninguém, fogem para a capital. Houve um polícia que levou um tiro nas costas em defesa da pátria. Há oito anos que está imobilizado. Ninguém se lembra, nem quer saber deste pobre homem. Aqui, a força vale mais que a sabedoria. Os sábios são desprezados, não têm valor. As palavras dos tolos são ruidosamente ouvidas. Com tanto barulho as palavras dos sábios não se escutam. As armas de guerra valem mais do que qualquer sabedoria. E um só atirador destrói os nossos bens.

A loucura da fome causa muitas desgraças
O lixo é tanto e por todo o lado, que até o perfume Coco Chanel número cinco de 1922 desconsegue ludibriar os maus cheiros. Os tolos têm dois corações: um à esquerda e outro à direita. Aqui, os tolos quando abrem caminho à força, gritam que são sábios. Quando alguém incomoda um governador, fica sem lugar. Cometem-se muitos erros e não há ninguém que os assuma. Os ricos e os tolos assentam-se em lugares altos. Os príncipes andam sempre em carros da cor do petróleo. Que brilham graças aos contratados dos diamantes. Os servos quase não têm por onde andar. Quem abre as covas está muito cansado. Os mortos da fome não tem conta. Alguns governantes já levaram chuva de pedras. Não há excelência na sabedoria para dirigir.
As cobras quando mordem alguém ficam envenenadas. As palavras dos tolos devoram-nos. As palavras quando caiem das suas bocas espera-se o pior. Por mais que as multipliquem o fim é sempre o mesmo. Nunca se cansam de falar. Os príncipes comem de manhã, à tarde, à noite. Estão sempre a comer. Os esfomeados lutam para conseguirem um pão. Eles conseguem refazer as forças depois do cansaço da comida. Quem não tem nada para comer, nunca se cansa. Os tectos das casas estão destruídos, a água goteja, ninguém se sente culpado. Passam a vida a fazer convites para festas. O vinho é demais. O dinheiro acaba depressa. Vida de esfomeado é assim. Eh! Não conheço ninguém que aqui não amaldiçoe os novos-ricos.

Não se perde nenhuma oportunidade para comermos. Daí as festas sem fim.
Não tendo pão para lançar sobre as águas, como o acharemos passados dias? Repartir com sete, ou com oito? Não temos comida. Como vamos repartir o que não temos? Quando um esfomeado cai, para o sul ou para o norte, no lugar em que cair ali ficará. Ninguém quer saber. Só nos resta olhar para o vento, porque não temos nada para semear. Queremos lá saber qual o caminho do vento. O que queremos é comida. Pela manhã não posso colher nada. Já disse que não tenho nada para semear. Atroz é a luz da fome, que provoca cegueira. Como podemos ver a luz do sol? Como viveremos muitos anos com a fome? A fome é alegria? Alegra-te jovem com as tuas bebedeiras, e anda pelos caminhos da destruição, de olhos nublados pela bebida. Não consegues remover o mal que está entranhado na tua carne. Quem o removerá?

A fome da mocidade prepara-a para a velhice e morte precoces
Para nós jovens, todos os dias são maus dias. Tudo escureceu. Quero lá saber dos conselhos. O que é que há aí para beber! Ando sempre bêbado. Ninguém quer saber de mim. Todas as portas que conhecia já se fecharam. Quando me embebedo não temo nada. A rua é a minha casa paterna, eterna. Quem se mete comigo, despedaço garrafas e rasgo, corto quem me chatear. Durmo no pó da rua sem espírito. E quanto mais bebo, mais sábio fico.

O dever do homem consiste em dar graças pela fome concedida e guardar os seus mandamentos
Por mais que tente, a bebida não me deixa encontrar palavras agradáveis.
As palavras da sábia bebida agarram-se a mim de tal modo, que não consigo retirá-las. Falar de livros são coisas inúteis. Prefiro aqueles que ensinam a beber. Uma coisa há que me incomoda muito: ficar sem bebida. Quer seja bom quer seja mau, o que interessa é que me faça perder o juízo. Especialmente o vinho a martelo, eternamente importado.
Há coisas que são intemporais e a previsão meteorológica diz que vai vir muita chuva, disto todos sabemos. E os nossos desgovernos sabem-no? Fingem… são países só com dirigentes, porque povo há muito que não existe. Uma coisa o esfomeado nunca sabe… o que irá comer amanhã?
Gil Gonçalves

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