segunda-feira, 5 de maio de 2008

MÃE


A Maria Fernanda Gil Barata. Uma mãe inesquecível. Imagem à direita: http://sol.sapo.pt/photos/francus/










Enquanto lavavas a roupa no ribeiro do Caldeirão, afastei-me de ti e aventurei-me pela margem como um explorador, na caça do saber onde nascia o ribeiro.
Não desbravei muito, porque uma muralha avantajada, um silvado, barreiras intransponíveis me venceram. Senti-me viajante do desconhecido aparvalhado, por uma viagem tão curta ter acabado.
Apanhei uma pedra e lancei-a para a água, que incomodada saltou e molhou a terra virgem, (os homens maus ainda não tinham inventado a poluição), marginada.
Vi peixes nadarem assustados, e isso deu-me uma ideia. Voltei a apanhar outra pedra e fiquei de atalaia. Quando os peixes retornaram à mansidão transparente da água, aproximei-me de mansinho e atirei-lhes com a pedra na direcção de um grandote. Ele atordoou-se, deixou de nadar e apanhei-o. Depois de várias tentativas de sucesso, e já quando a minha mãe me chamava, para irmos embora, consegui repetir a proeza com o disparo de ultima pedra, e eis mais um peixe aprisionado.
A minha mãe surpreendeu-se de contentamento e no outro dia disse-me:
- Foi a refeição da manhã do teu pai, antes de abalar para o trabalho.



Naquele tempo, o pai era caixeiro-viajante, e passavam-se muitos meses sem o vermos, e também passávamos fome porque o patrão não lhe pagava.
Em mais uma noite de valor acrescentado da fome, preparávamo-nos para acamar, os estômagos habituar. Era noite de forte trovoada, e a iluminação dos raios concorria com a luz minguada da frágil lamparina, originando vultos que me apavoravam. O sangue gelou-me quando ouvi uma voz vinda das trevas.
- Fernanda! Fernanda! Fernanda!!!
Rapidamente percebi que era a voz da minha avó materna. A minha mãe abriu a porta, a avó entrou e poisou na mesa uma panela com sopa de legumes fumegantes e disse para a minha mãe:
- Trago comida para os pequenos!



Acordo, oiço barulho, acho que deve ser mais ou menos meia-noite. É o meu pai que vem esbaforido, totalmente descontrolado, como se o diabo o perseguisse. São visíveis rastos de terror no rosto. A minha mãe inquieta-se, pergunta-lhe:
- Ó homem, parece que viste o diabo, ou coisa pior, nunca te vi assim!
- Ó mulher, cala-te, eu vi-as!
- Viste quem!?
- Elas, as bruxas, a dançarem nuas ao luar… reunidas… reunidos ao luar da meia-noite!
- Credo, meu Deus!
- Hoje, não é sábado!?. Vi-os todos, eles e elas, reunidos com Satanás. Quase que choquei com eles… e fugi a sete pés… acho que me viram… bom, temos que fugir daqui… não podemos ficar aqui mais tempo, vão-nos matar!




- Quando andávamos a vindimar, elas, as minhas colegas na hora do almoço, diziam umas palavras e uma delas ficava parada no ar.
- Mãe, isso é verdade?!
- É, então eu vi, estava lá!
- E como é que elas faziam isso?
- Não sei!
- Mãe, não te lembras das palavras que elas diziam?
- Não!
- Isso é mais um dos segredos do misterioso desconhecido!

Gil Gonçalves

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