quarta-feira, 14 de maio de 2008

O PRÉDIO DO PODER POPULAR (I)


Inicialmente publicado no Jornal O Observador

A juventude é ávida por álcool, porque não tem acesso ao petróleo.

Somente depois da última árvore derrubada, depois do último animal extinto, e quando perceberem o último rio poluído, sem peixe, O Homem irá ver que dinheiro não se come! (Provérbio Indígena) In Rosane Volpatto caradobrasil.com.br

Grande parte das dificuldades das organizações comunitárias nesta área resulta não da falta de vontade de fazer as coisas, mas das mais diversas manipulações jurídicas e políticas que sofrem, quando não de ameaças dos especuladores imobiliários.
In Políticas Municipais de Emprego. Ladislau Dowbor

O prédio caiado de branco, higiénico, era dos Brancos. Ocupei-o, ocupamo-lo nas prerrogativas da liberdade. Vida nova nos prédios que conquistámos. Não são mais do colono Pertencem-nos, tudo agora é nosso. Só meu! Só teu! Vou gozar bué a minha independência. Viva o socialismo! Viva o poder popular! Arrombei a porta, escrevi na parede à entrada, OCUPADO. Os Brancos deixaram coisas bonitas, são minhas, só minhas catitas! Deixaram o que nos roubaram. Colei um biquíni, mini-saia ultracurta, espelhei-me e pirei-me. Vou festejar, passear, tangar, bangar.

Não acabam, não acabem os festejos, são os meus desejos. O tempo passou, senti que algo…jamais voltou. De repente tudo acabou. Chegou o trunfo, triunfo do analfabetismo. Os prédios, o prédio, alagava na vontade soberana o desejo de se autodestruir. A água, a luz, o elevador, não foi terramoto ou ciclone que o danificou. Condutores eléctricos, interruptores, fusíveis, lâmpadas, foram-se das escadas para as mãos habituadas, suadas nestas andanças dos canibais ecléticos, eléctricos. No motor do elevador alojou-se morador, contente com casinha ao dispor. A cagar num papel, amontoando-o no convés da rua. A casinhota de serviço milimétrica forçada a acolher cinco gloriosos inquilinos inesperados, albergados. Novos donos intemporais do lixo que trespassam, iluminam a paisagem devastada do inumerável residual.

Degraus das escadas partidas, pelo arrastar das partidárias botijas de gás. No terraço alega-se construir um paço tradicional com arquitectura perfeitamente natural. Madeira, tábuas, chapas metálicas devaneadas por aí ao deus-dará, ou onde aprovar. As saídas das águas temporais ofuscadas, obrigadas decidem outro rumo: a catadupa no vizinho de baixo, e no seguinte. O do paço confrontado, desalmadamente invoca: «A culpa é da Natureza, não lhe mandei chover»

No quinto andar a meio da varanda plantada, airosa, orgulhosa desenvolve tronco obstinada árvore. O crescimento alonga fenda, buraco desnivelado A ramagem optimiza um estendal de roupa. Tiraram a vontade à água para subir, e a electricidade dificulta o luzir. Recomeça a escravidão da intensiva exploração infantil. As crianças alinham confrontadas com pelotão de fuzilamento. Carregar braçal, animal, o liquido térreo poderoso, oneroso nos seus corpos que desviará a tenra coluna vertebral. Novos tempos, novas arquitecturas. Pedantes inquilinos alcandoram-se. Recém chegados, promovem terramotos que desabam as paredes internas. Alternam estruturas, partir, desfazer, barulhar. O poder das cédulas metálicas consolida-se. Poderoso, majestoso senhorial encafua o gerador na base que era do elevador. Perdido na lei do seu quintal encontrará iluminado o seu oásis patusco.
Gil Gonçalves


Imagem: http://www.sanzalangola.com/galeria/album01/Cruzamento_Mutamba_Luis_de_Camoes_1973_Cedida_por_Caluanda

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