quarta-feira, 14 de maio de 2008

O PRÉDIO DO PODER POPULAR (II)




Inicialmente publicado no Jornal O Observador

No conjunto, a realidade é que a maior parte das terras agrícolas do país é utilizada como reserva de valor, por grandes proprietários que preferem imobilizar grandes áreas e esperar que se valorizem por efeito de investimentos públicos e privados de terceiros, do que desenvolver actividades produtivas. Esta situação é em geral mal disfarçadas pelo que se tem chamado pudicamente de "pecuária extensiva". In Reforma Agrária: Dados Básicos. Ladislau Dowbor

Entupiram as fossas nasais do esgoto, como uma baleia esguichou, marulhou, evacuou o lodo humano oprimido nas galerias tubulares. Deu à costa frontal do prédio. Ninguém se importunou com o habitat anormal, convivência sem regras. O perfume abjecto dita o paradigma da aceitação social, o lazer decisório impõe o retorno medieval, do cavar vala e escoar o fedorento nojo pela rua afora. E obram-se, comemoram-se festejos pelo feito alcançado, devidamente autorizados por quem de direito. A água da infiel estatal servidora abastece a horas incertas. No primeiro andar, torneiras coloniais, esgotadas pelos anos funcionais jorram minando os alicerces prediais, culminando na destruição precoce. Batem-se palmas e sorrisos por tais feitos nunca antes vistos.

No quinto andar acomodaram-se portas com bocados de lenha tétrica. Desesperadas, esperam a visita de Edgar Allan Põe. Lúgubres paredes invocam os espíritos antepassados. Repartem-se, aproveitam-se, sobram bocados. Na casa de banho dois buracos fétidos espreitam os necessitados. No chão fissurado que despeja, invade o tecto do quarto andar desfeito, que estóico nas restantes áreas, funda-se, desce, afunda submarinista.
Electricistas com instrumentos sofisticados: um alicate qualquer, na falta algo improvisado, puxam, repuxam cabos. A potência desordenada aumenta, os fusíveis restantes enfraquecem, adoecem sem remédio. Acabou-se, extinguiu-se a iluminação. Depois da reposição, algumas labaredas despertam o terror da erupção do vulcão eléctrico. É a fuga com risada para a plateia, pela gratuitidade da tragédia merecida.

Nas traseiras reforça-se a proeminência do poder. Grande, entre os grandes generais imperiais. Manda partir, evacuar paredes. Nascem intramuros, obliteram-se os escapes aguados, como um rio desviado do seu curso, nascem lagos, lagoas que não trazem coisas boas. Na calada da noite ou do dia a retaguarda predial é óptima, segura para passear, lixo amontoar. O calor é o réu da preguiça e demais acções dos humanos sempre cansados! Eternamente, habitualmente despreocupados! Importunados pelos mosquitos dos pântanos palustres e noctívagos comboios de ratos que activam a tubulação da reserva das cisternas de água suspensas. A ratada viaja à velocidade TGV nos carris PVC. Despertam a tribo bantu, táca, táca, táca, táca, infestam, epidemiam, divertem-se, comem, dançam com a peste negra. Batalham os despojos dos matrimónios semanais, esponsais. Tudo carcomido, como fendido por tremores de terra diários como se fosse zona mais sísmica mundial. Como árvores sem folhas, que são esqueletos, teias de aranha.

Juraram! Os prédios não morrerão de pé! De verticais serão homenageados horizontais. Tudo começa depois do nascer, e acaba antes de morrer. Que confuso!.. Não sei se a vida convida a morte, ou a morte abandona-a… abrigada no analfabetismo e na mais pura ignorância, destruindo, arrasando o que sobrou da estrutura arquitectónica colonial. Vitoriamos, universalizamos uma imensa pocilga com inenarráveis porcos.
Gil Gonçalves

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