segunda-feira, 26 de maio de 2008

A Guerra da Fome Petrolifera (VI)


O Livro Apócrifo de Job (II)

O futebolista tem a inteligência nas pernas, o sábio tem-na no cérebro.

O nosso leão velho está saudável. Os filhos dos petrofamintos andam dispersos, não sabem o que querem. O nosso segredo é fazermos tudo em degredo. Adormecemo-los com narcóticos poderosos. Quando acordam ficam cheios de visões. De vez em quando tentam espantar-nos com os seus temores. E acabam eles por estremecer. São apenas espíritos que se arrepiam nos seus devaneios. Já fomos mais justos que Deus, e assim queremos continuar, mas os tempos infelizmente estão sempre a mudar. Não confiamos no nosso povo, são muito falsos, traiçoeiros, são mais maldosos que o Petróleo.

Mesmo que lhes ponhamos boas escolas, boas casas, rebentam com tudo, depois dizem que foi o governo. Até se queixam de uma simples torneira estragada, que lhes inunda a casa. E que o governo não resolve nada, não nos ajuda. São muito sacanas. Um povo safado. Não procuram sabedoria, e quando se lhes fala nisso, inventam uma doença. Dizem que não têm tempo. A cabeça começa a doer quando se lhes dá um livro para ler. Mas são muito simples, muito humildes. Basta uma caixa de papelão vazia, alguns pacotes de bolacha, cigarros, umas bebidas, e já está o negócio montado. Não são muito exigentes. Não são empreendedores porque já chegam os problemas que têm. Para quê complicar as coisas?

Apelo aos esfomeados a que busquem o Petróleo
Vá, respondam. Para qual dos demónios se virarão? A ira é o nosso prazer; são tolos porque são famosos. Tentam construir casas; mas logo são amaldiçoadas. Parece que os vossos filhos estão a salvo; mas não há ninguém que os liberte. Os petrofamintos não têm nada para devorar; nem espinhos têm para comer; e os assaltantes estão sempre atentos. Da terra não sai nada; Só aflição. Nascem para trabalhar, o que não há; por mais que se levantem, estão sempre a cair. Buscarei sempre o Petróleo; não adianta contestarem. As coisas diabólicas são feitas pelo Petróleo; e são tantas que já lhes perdemos a conta. Terra com chuva a mais, as colheitas destruídas; esse é o dom do meu Petróleo. Só os nobres têm direito aos lugares altos; daí vêm a vossa salvação. Os mais espertos que nós são aniquilados; e as vossas mãos não carregarão nada. Não admitimos concorrência de sábios; os conselhos partem-se de nós.

De dia e de noite, sem luz, para que andem às apalpadelas. A minha mão forte pega na espada para castigar os prevaricadores. Esta é a esperança dos pobres. Bem aventurados os que o Petróleo castiga; nunca desprezem os nossos castigos. Porque as vossas chagas e feridas não serão curadas, é preciso ter sorte, que os hospitais tenham medicamentos. Das angústias não se livrarão, porque o Petróleo vos tocará. Nunca se livrarão da fome da morte; nem da guerra, nem da violência da minha espada. Por mais que fujam não se livrarão dos açoites; serão assolados por marchas forçadas. Não os temerei e da vossa fome rirei. Comerão as pedras e a terra dos campos. Tudo faltará nas vossas habitações; viverão sempre em tendas. Não terão sementes para multiplicar; a erva crescerá.

Nem sepulturas terão na velhice; nem tempo, nem trigo. Estamos fartos de os admoestar; oiçam e meditem o que o Petróleo vos diz.

Os petrofamintos não se podem queixar
Oh!.. se alguém conseguisse pesar a miséria que já causei; felizmente que não existem balanças para essa tarefa. Teria que ser mais pesada que o mundo; é por isso que os esfomeados não valorizam as minhas palavras. Todo o poder e o veneno do Petróleo estão comigo; os esfomeados tentam armar-se contra mim. Que se cumpram os meus desejos, e que o Petróleo me mantenha sempre no poder. Nunca mostramos compaixão aos aflitos; nem àqueles que temem o Petróleo. Envergonham-se porque confiaram em nós; andam confusos com tantos partidos. Não conseguem livrar-se do opressor; gostam dos tiranos. Calem-se; e nunca nos apontem erros. Nem tentem repreender-nos; cairá sobre vós um vento de metralha destruidor. Por mais que nos implorem nunca serão servidos; habituem-se às nossas mentiras. Voltai para junto de nós, porque a causa do Petróleo é justa.

O meu paladar vem do reino; e o vosso da sua miséria. Cansaram-se da guerra; finalmente a paz, que mais querem? O esfomeado espera ao sol, que lhe paguem o salário. Não consegue dormir, porque até de noite trabalha. Descomunais são as noites, o seu fim também. Não têm roupa para vestir, não podem comprar medicamentos. Morrem de doença porque não têm dinheiro. A esperança é a primeira coisa a morrer; por isso já a perderam.
Gil Gonçalves
Inicialmente publicado no
Jornal O Observador

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