quinta-feira, 19 de abril de 2012

Guiné-Bissau. Golpe de Estado tendencialmente em refluxo


Pesquisa e Análise. por  Xavier de Figueiredo, in África Monitor Intelligence
   
Lisboa (Canalmoz) - 1 . Está em acentuação uma tendência capaz de fazer fracassar o golpe de Estado de 12.Abril – desfecho configurado numa não materialização dos seus “objectivos” e regresso à ordem política anteriormente vigente: reposição em funções do PR interino, Raimundo Pereira, e do Governo; reatamento do processo eleitoral interrompido.
Factores imediatamente posteriores ao desencadeamento do golpe que gradualmente o privaram de condições suficientes para se impor:

- As múltiplas reacções internacionais (organizações e governos), consonantes no seu pendor de condenação/admoestação.
- O isolamento interno dos autores do golpe decorrente de atitudes consideradas de demarcação da parte de partidos que inicialmente tiveram posições de neutralidade ou de apoio; idem, em relação aos 5 candidatos às eleições presidenciais identificados como contestatários.
- Agravamento das divisões internas nas FA – em parte correspondentes à sua composição étnica; a ala não balanta, em que predomina uma sensibilidade contrária ao golpe, foi neutralizada ou está “confinada”, mas gerando mal estar; o Gen Mamadu Turé “Nkrumah”, mandinga, vice-CEMG e antigo comandante do Batalhão Pára-Comandos e o Gen Augusto Mário, mancanha, CEM do Exército, estão presos; outros oficiais, sargentos e praças, também não balantas, e em número descrito como “muito elevado”, foram desarmados e acantonados; ocorrem, também, acções improvisadas de alistamento de balantas.
- O ambiente de rejeição ou de indiferença da maioria da população em relação ao golpe, que uma já notória degradação das condições de vida tende a pronunciar.

A reacção internacional que o recente golpe de Estado no Mali suscitou também constituiu um elemento, correlacionado, suficientemente pertinente para conduzir o golpe na Guiné-Bissau a um retrocesso. O carácter enérgico/persistente da reacção ao golpe do Mali seria agora retomado em razão de factores considerados elementares:

- Conveniência de não quebrar a linha dita de “tolerância zero” face a golpes de Estado, cultivada por organizações internacionais e regionais – incluindo a CEDEAO.
- Oportunidade para uma repreensão à Guiné-Bissau, duplamente justificada pela sua má reputação internacional em termos de instabilidade político-militar.

Um eventual êxito do golpe de 12.Abril também ficou comprometido pela “inoportunidade política” resultante da sua coincidência temporal com o início da campanha eleitoral para a 2ª volta das eleições presidenciais, bem como pela falta de consistência das razões objectivas invocadas pelos golpistas para justificar a sua acção.

2 . Numa reunião com representantes de partidos, 15.Abril, militares implicados no golpe exibiram cópia de uma carta apresentada como subscrita pelo PR interino, R Pereira e pelo PM, Carlos Gomes Jr, na qual solicitavam a José Eduardo dos Santos (JES) o lançamento pela Missang de uma acção destinada a “controlar” as FA guineenses.
Na versão dos militares sublevados, entre os quais o seu porta-voz, Tenente Coronel  Dabana Na Walna, o lançamento do golpe teria sido uma espécie de prevenção face à ameaça constante da referida carta. Informações supletivas prestadas pelos militares acerca da referida ameaça:
- A missão militar angolana, Missang fora reforçada em efectivos e na técnica ao seu dispor (referências a blindados, equipamento de visão nocturna, coletes de segurança, etc,)
- Fora adquirida uma antiga unidade turística perto de Mansoa, UAC, para instalar o reforço da Missang; o local fora escolhido por se situar perto de uma ponte da estrada para Bissau, a qual seria sabotada para bloquear uma movimentação do Batalhão de Mansoa em missão de socorro.

Ante a observação de alguns dos representantes de partidos de que a carta apenas fazia menção aos nomes dos seus pretensos subscritores, sem ter apostas as respectivas assinaturas, os militares reagiram dizendo que em nova reunião dariam a conhecer uma nova cópia com as assinaturas.
A carta, que fontes habilitadas consideram apócrifa, constituiu, juntamente com a disseminação de informações adicionais alarmistas relacionadas com o seu conteúdo, mas igualmente não fundamentadas, o elemento emocional usado para mobilizar os militares para o golpe.
O episódio de uma alegada tensão entre o CEMG, General António Indjai e o embaixador de Angola, Feliciano dos Santos, foi explorado com o mesmo fim. O embaixador, conforme versão promovida, incorrera na “veleidade” de advertir A Indjai de que estava na posse de informações sobre preparativos para um golpe militar.
A Indjai e outros chefes/comandantes militares guineenses mantinham uma convivência considerada salutar e descontraída com os angolanos até há ca 2 meses. A Indjai, que numa viagem recente a Luanda recebera dinheiro para construir uma casa, gozava mesmo da confiança do comandante da Missang, General Guido de Carvalho.
A Missang, ca 260 h no total, permanece intacta em Bissau. Após o golpe as autoridades angolanas decidiram retirá-la – o que mereceu pronta aprovação dos
militares rebelados. Foram postos em marcha procedimentos para a operação se iniciar em 14.Abril, mas tal não se verificou até agora.

3 . Análises preliminares acerca do golpe indicam que o seu “objectivo principal” consistiu em comprometer a realização da 2ª volta das eleições presidenciais e, concomitantemente, evitar a eleição de Carlos Gomes Jr como novo PR – desfecho admitido nas expectativas, em geral.
A relação entre o golpe e a inviabilização da 2ª volta das eleições é considerada “vincada” em factos registados nos primeiros momentos da acção, como os seguintes:

- As casas do presidente da Comissão Nacional de Eleições, Desejado Lima da Costa e da presidente do Supremo Tribunal, Maria do Céu Monteiro, foram alvo de assaltos com saque de bens; ambas as instituições têm competências de natureza eleitoral – nos planos administrativo e jurisdicional.
- A sede de uma empresa de distribuição de combustíveis, Petromar, a que Carlos Gomes Jr está societariamente ligado, passando também por ser fonte de financiamento da sua campanha, foi igualmente assaltada (com roubo de um cofre de 1 tonelada).

A não eleição presidencial de Carlos Gomes Jr devido à não realização da 2ª volta das eleições, mas eventualmente também por via do seu desaparecimento físico (o emprego de armas pesadas no assalto à sua casa sugere esse fim), tinha para grupos e sectores locais, que o vêm como persona non grata, utilidade relacionada com aspectos da sua política tais como os seguintes:

- A sua postura anti-narcotráfico.
- A sua aplicação num processo de reforma das FA (sector de defesa e segurança, em geral).

As reservas em relação a Carlos Gomes Jr alimentadas por meios comprometidos com o narcotráfico e/ou com a manutenção do actual status das FA, recrudesceram recentemente por reflexo de informações (AM 653), segundo as quais estaria em vias de se acelerar a instalação no país de uma vasta força internacional, com mandato da ONU.

4 . Kumba Yalá, regressado ao país (vive habitualmente em Marrocos), para se candidatar às eleições presidenciais, é geralmente apontado como tendo tido um papel de instigação ou mesmo de implicação activa no golpe. Conjectura-se que a condenação pública que fez do golpe, 16.Abril, se destinou a “esbater” tal realidade.

Na linha do discurso de K Yalá como candidato presidencial (e também em atitudes como a recusa de participar na 2ª volta), esteve sempre presente a intenção de desqualificar/aviltar o processo eleitoral – fim consubstanciado em artifícios como os seguintes:
- Recorrentes chamadas de atenção para riscos de fraude, ostensiva ou subliminarmente implicando a candidatura de Carlos Gomes Jr.

- No dia seguinte à votação, em momento anterior à divulgação dos resultados oficiais, considerou as eleições “inválidas”, alegando ocorrência de fraudes

- Recusa de participar na 2ª volta baseada em argumentos de excessivo menosprezo do processo (intenção reiterada numa conferência de imprensa, 12.Abril, na qual usou linguagem considerada provocatória e ameaçadora).

É corrente a ideia de que K Yalá se move em “desespero de causa”. A popularidade e o carisma que no passado o identificaram estão, de facto, em declínio. Perdeu nas últimas eleições ca de 1/3 do seu eleitorado anterior – inclusive em zonas da sua tribo balanta. Era escassa a probabilidade de alargar o seu eleitorado na 2ª volta.
Apesar da erosão por que a sua imagem e o seu carisma passaram, ainda conserva aura e influências suficientes, especialmente entre os balantas, para alimentar ambições políticas e outras. Os balantas são predominantes nas FA e o ascendente de K Yalá sobre os chefes militares é considerado nítido.

5 . A Indjai, ascendeu a CEMG em resultado de um motim com que afastou o então titular do cargo, Almirante Zamora Induta. A atitude considerada “legalista” que adoptara, supostamente como forma de se redimir da conjura, começou a ser quebrada, com a chegada de K Yalá, do qual se aproximou.
Para isso contribuíram igualmente rumores segundo os quais o alegado plano para desmantelar as FA guineenses, envolvendo tropas angolanas, também visava repor Zamora Induta no cargo de CEMG (refugiou-se nas instalações da ONUGBIS depois do assassinato, na véspera das eleições, de um oficial que lhe era próximo, Samba Djaló).

6 . Pelo golpe de Estado de 12.Abril responde uma entidade denominada “Comando Militar”. Ninguém, individualmente, se apresentou como líder da acção. O facto, inédito, avolumou conjecturas segundo as quais K Yalá foi o seu instigador e A Indjai o seu executor, mas nem a ambos nem ao movimento interessa o conhecimento disso.
Nenhum deles transmitiria credibilidade ao golpe, prejudicando a sua aceitação. O balanço da actividade política e da vida pública de K Yalá não é abonatório para o próprio. A Indjai, para além da conspiração anterior, é alvo de suspeitas que põem em causa a sua integridade. Um golpe sem um rosto expõe menos os seus autores.
A Indjai é dono de uma “ponta” em Jugudul, perto de Mansoa. Fica próximo de uma longa recta da estrada para Buba, na qual, em passado recente, foi referenciada a aterragem de aviões ligeiros usados no narcotráfico. Em 14.Abril havia informações, de difícil verificação, segundo as quais ambos se encontravam na “ponta” de A Indjai.

(Xavier de Figueiredo, editor do África Monitor Intelligence, Lisboa 17 de Abril de 2012, com a devida vénia do Canalmoz/ Canal de Moçambique)
Imagem: ... porta de entrada virtual para este país Africano que é a Guiné-Bissau.
guinebissau.adbissau.org

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