Pesquisa e Análise. por Xavier de Figueiredo, in
África Monitor Intelligence
Lisboa
(Canalmoz) - 1 .
Está em acentuação uma tendência capaz de fazer fracassar o golpe de Estado de 12.Abril – desfecho
configurado numa não materialização dos seus “objectivos” e regresso à ordem
política anteriormente vigente: reposição em funções do PR interino, Raimundo Pereira, e do
Governo; reatamento do processo eleitoral interrompido.
Factores
imediatamente posteriores ao desencadeamento do golpe que gradualmente o
privaram de condições suficientes para se impor:
-
As múltiplas reacções internacionais (organizações e governos), consonantes no
seu pendor de condenação/admoestação.
-
O isolamento interno dos autores do golpe decorrente de atitudes consideradas
de demarcação da parte de partidos que inicialmente tiveram posições de
neutralidade ou de apoio; idem, em relação aos 5 candidatos às eleições
presidenciais identificados como contestatários.
-
Agravamento das divisões internas nas FA – em parte correspondentes à sua
composição étnica; a ala não balanta, em que predomina uma sensibilidade
contrária ao golpe, foi neutralizada ou está “confinada”, mas gerando mal
estar; o Gen Mamadu Turé
“Nkrumah”, mandinga, vice-CEMG e antigo comandante do Batalhão
Pára-Comandos e o Gen
Augusto Mário, mancanha, CEM do Exército, estão presos; outros
oficiais, sargentos e praças, também não balantas, e em número descrito como
“muito elevado”, foram desarmados e acantonados; ocorrem, também, acções
improvisadas de alistamento de balantas.
-
O ambiente de rejeição ou de indiferença da maioria da população em relação ao
golpe, que uma já notória degradação das condições de vida tende a pronunciar.
A
reacção internacional que o recente golpe de Estado no Mali suscitou também
constituiu um elemento, correlacionado, suficientemente pertinente para
conduzir o golpe na Guiné-Bissau
a um retrocesso. O carácter enérgico/persistente da reacção ao
golpe do Mali seria agora retomado em razão de factores considerados
elementares:
-
Conveniência de não quebrar a linha dita de “tolerância zero” face a golpes de
Estado, cultivada por organizações internacionais e regionais – incluindo a
CEDEAO.
-
Oportunidade para uma repreensão à Guiné-Bissau, duplamente justificada pela
sua má reputação internacional em termos de instabilidade político-militar.
Um
eventual êxito do golpe de 12.Abril
também ficou comprometido pela “inoportunidade política” resultante da sua
coincidência temporal com o início da campanha eleitoral para a 2ª volta das
eleições presidenciais, bem como pela falta de consistência das razões
objectivas invocadas pelos golpistas para justificar a sua acção.
2 .
Numa reunião com representantes de partidos, 15.Abril, militares implicados no golpe
exibiram cópia de uma carta apresentada como subscrita pelo PR interino, R
Pereira e pelo PM, Carlos
Gomes Jr, na qual solicitavam a José Eduardo dos Santos (JES) o
lançamento pela Missang de uma acção destinada a “controlar” as FA guineenses.
Na
versão dos militares sublevados, entre os quais o seu porta-voz, Tenente Coronel Dabana Na Walna,
o lançamento do golpe teria sido uma espécie de prevenção face à ameaça
constante da referida carta. Informações supletivas prestadas pelos militares
acerca da referida ameaça:
-
A missão militar angolana, Missang fora reforçada em efectivos e na técnica ao
seu dispor (referências a blindados, equipamento de visão nocturna, coletes de
segurança, etc,)
-
Fora adquirida uma antiga unidade turística perto de Mansoa, UAC, para
instalar o reforço da Missang; o local fora escolhido por se situar perto de
uma ponte da estrada para Bissau,
a qual seria sabotada para bloquear uma movimentação do Batalhão de Mansoa em
missão de socorro.
Ante
a observação de alguns dos representantes de partidos de que a carta apenas
fazia menção aos nomes dos seus pretensos subscritores, sem ter apostas as
respectivas assinaturas, os militares reagiram dizendo que em nova reunião
dariam a conhecer uma nova cópia com as assinaturas.
A
carta, que fontes habilitadas consideram apócrifa, constituiu, juntamente com a
disseminação de informações adicionais alarmistas relacionadas com o seu
conteúdo, mas igualmente não fundamentadas, o elemento emocional usado para
mobilizar os militares para o golpe.
O
episódio de uma alegada tensão entre o CEMG, General António Indjai e o embaixador de Angola, Feliciano dos Santos,
foi explorado com o mesmo fim. O embaixador, conforme versão promovida,
incorrera na “veleidade” de advertir A Indjai de que estava na posse de
informações sobre preparativos para um golpe militar.
A
Indjai e outros chefes/comandantes militares guineenses mantinham uma
convivência considerada salutar e descontraída com os angolanos até há ca 2 meses. A Indjai, que
numa viagem recente a Luanda recebera dinheiro para construir uma casa, gozava
mesmo da confiança do comandante da Missang, General Guido de Carvalho.
A
Missang, ca 260 h no
total, permanece intacta em Bissau. Após o golpe as autoridades angolanas
decidiram retirá-la – o que mereceu pronta aprovação dos
militares
rebelados. Foram postos em marcha procedimentos para a operação se iniciar em 14.Abril, mas tal não
se verificou até agora.
3 .
Análises preliminares acerca do golpe indicam que o seu “objectivo principal”
consistiu em comprometer a realização da 2ª volta das eleições presidenciais e,
concomitantemente, evitar a eleição de Carlos Gomes Jr como novo PR – desfecho
admitido nas expectativas, em geral.
A
relação entre o golpe e a inviabilização da 2ª volta das eleições é considerada
“vincada” em factos registados nos primeiros momentos da acção, como os
seguintes:
-
As casas do presidente da Comissão Nacional de Eleições, Desejado Lima da Costa
e da presidente do Supremo Tribunal, Maria
do Céu Monteiro, foram alvo de assaltos com saque de bens;
ambas as instituições têm competências de natureza eleitoral – nos planos
administrativo e jurisdicional.
-
A sede de uma empresa de distribuição de combustíveis, Petromar, a que Carlos
Gomes Jr está societariamente ligado, passando também por ser fonte de
financiamento da sua campanha, foi igualmente assaltada (com roubo de um cofre
de 1 tonelada).
A
não eleição presidencial de Carlos Gomes Jr devido à não realização da 2ª volta
das eleições, mas eventualmente também por via do seu desaparecimento físico (o
emprego de armas pesadas no assalto à sua casa sugere esse fim), tinha para
grupos e sectores locais, que o vêm como persona non grata, utilidade
relacionada com aspectos da sua política tais como os seguintes:
-
A sua postura anti-narcotráfico.
-
A sua aplicação num processo de reforma das FA (sector de defesa e segurança,
em geral).
As
reservas em relação a Carlos Gomes Jr alimentadas por meios comprometidos com o
narcotráfico e/ou com a manutenção do actual status das FA, recrudesceram
recentemente por reflexo de informações (AM 653), segundo as quais estaria em
vias de se acelerar a instalação no país de uma vasta força internacional, com
mandato da ONU.
4 . Kumba Yalá, regressado ao país (vive habitualmente em Marrocos), para se
candidatar às eleições presidenciais, é geralmente apontado como tendo tido um
papel de instigação ou mesmo de implicação activa no golpe. Conjectura-se que a
condenação pública que fez do golpe, 16.Abril,
se destinou a “esbater” tal realidade.
Na
linha do discurso de K Yalá como candidato presidencial (e também em atitudes
como a recusa de participar na 2ª volta), esteve sempre presente a intenção de
desqualificar/aviltar o processo eleitoral – fim consubstanciado em artifícios
como os seguintes:
-
Recorrentes chamadas de atenção para riscos de fraude, ostensiva ou
subliminarmente implicando a candidatura de Carlos Gomes Jr.
-
No dia seguinte à votação, em momento anterior à divulgação dos resultados
oficiais, considerou as eleições “inválidas”, alegando ocorrência de fraudes
-
Recusa de participar na 2ª volta baseada em argumentos de excessivo menosprezo
do processo (intenção reiterada numa conferência de imprensa, 12.Abril, na qual usou
linguagem considerada provocatória e ameaçadora).
É
corrente a ideia de que K Yalá se move em “desespero de causa”. A popularidade
e o carisma que no passado o identificaram estão, de facto, em declínio. Perdeu
nas últimas eleições ca de 1/3 do seu eleitorado anterior – inclusive em zonas
da sua tribo balanta. Era escassa a probabilidade de alargar o seu eleitorado
na 2ª volta.
Apesar
da erosão por que a sua imagem e o seu carisma passaram, ainda conserva aura e
influências suficientes, especialmente entre os balantas, para alimentar
ambições políticas e outras. Os balantas são predominantes nas FA e o
ascendente de K Yalá sobre os chefes militares é considerado nítido.
5 .
A Indjai, ascendeu a CEMG em resultado de um motim com que afastou o então
titular do cargo, Almirante
Zamora Induta. A atitude considerada “legalista” que adoptara,
supostamente como forma de se redimir da conjura, começou a ser quebrada, com a
chegada de K Yalá, do qual se aproximou.
Para
isso contribuíram igualmente rumores segundo os quais o alegado plano para
desmantelar as FA guineenses, envolvendo tropas angolanas, também visava repor
Zamora Induta no cargo de CEMG (refugiou-se nas instalações da ONUGBIS depois
do assassinato, na véspera das eleições, de um oficial que lhe era próximo, Samba Djaló).
6 .
Pelo golpe de Estado de 12.Abril
responde uma entidade denominada “Comando Militar”. Ninguém,
individualmente, se apresentou como líder da acção. O facto, inédito, avolumou
conjecturas segundo as quais K Yalá foi o seu instigador e A Indjai o seu
executor, mas nem a ambos nem ao movimento interessa o conhecimento disso.
Nenhum
deles transmitiria credibilidade ao golpe, prejudicando a sua aceitação. O
balanço da actividade política e da vida pública de K Yalá não é abonatório
para o próprio. A Indjai, para além da conspiração anterior, é alvo de
suspeitas que põem em causa a sua integridade. Um golpe sem um rosto expõe
menos os seus autores.
A
Indjai é dono de uma “ponta” em Jugudul,
perto de Mansoa.
Fica próximo de uma longa recta da estrada para Buba, na qual, em passado recente, foi
referenciada a aterragem de aviões ligeiros usados no narcotráfico. Em 14.Abril havia
informações, de difícil verificação, segundo as quais ambos se encontravam na
“ponta” de A Indjai.
(Xavier de Figueiredo, editor do África Monitor Intelligence,
Lisboa 17 de Abril de 2012, com a devida vénia do Canalmoz/ Canal de
Moçambique)
Imagem: ... porta de entrada virtual para este país
Africano que é a Guiné-Bissau.
guinebissau.adbissau.org
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