Da dedicação e desempenho na concepção das ideias da
manifestação, legalização e frontalidade para com as autoridades na comunicação
oficial e divulgação, ao sacrifício no cumprimento corajoso da promessa ao povo
da realização do protesto “Chega de chacinas em Angola” aos 27 de Maio de 2014,
foi de certeza um percurso desafiador e heróico, que mereceu a ironia de sermos
desumanamente capturados diante da estátua de António Agostinho Neto no Largo
da Independência em Luanda, para sermos atirados à escassos metros do Centro
Cultural António Agostinho Neto em Catete, na Província do Bengo.
Neste texto, quero expor a minha experiência
sobre o acto, que para ser breve focalizo-me somente no dia 27 de Maio de 2014,
deixando em parte as dificuldades que enfrentamos para a aprovação da proposta
de manifestação do nosso Núcleo Revolucionário do Município de Belas ao
colectivo do Movimento Revolucionário Angolano (MRA), dos desafios para a
inclusão das outras alas na realização do acto e as consequências que surgiram
com esta atitude inclusiva, as investidas do regime do MPLA em várias frentes
com a finalidade de inviabilizar ou abortar a manifestação.
Bastidores
Uma situação extremamente preocupante foi o
facto de que o próprio MRA, faltando apenas dois dias para o protesto, boicotou
a manifestação por escrito, desvinculando-se da mesma (boicote proveniente dos
Núcleos Revolucionários do Sambizanga, Viana, Cacuaco e alguns “manos” do Belas
e Cazenga), “Pelo facto de alguns manos do BELAS organizarem a referida
manifestação em coluio com os autoexcluidos” deste modo, suspendendo
Pedrowski Teca, Adolfo Campos e Rosa Mendes em sanções aplicadas para “tempo
indefinido”, coagindo estes “A não convocarem reuniões alargadas e
outras actividades em nome do MR” e “A não abordarem assuntos do MR, com
os autoexcluidos e outras entidades em nome do MR”.
Esta acção prepositada do órgão Colegial do MRA,
sancionando sem auscultarem os visados, baseou-se no infantilismo, ciúme, visão
curta e inveja da fotografia que publiquei no meu perfil do Facebook,
descrevendo que tive uma reunião com o activista cívico Luaty da Silva Beirão,
o que levou muitos membros do MRA a me chamarem de “traidor”, e o facto
de Adolfo Campos ter convidado para a manifestação o jovem Manuel Nito Álves e
seus, e os manos da União dos Activistas das 18 Províncias (UA18P).
O que seria da reputação do Movimento
Revolucionário Angolano, se Pedrowski Teca, Adolfo Campos e Rosa Mendes
aceitassem o boicote da última hora, inclusive de um dos subscritores da carta
dirigida ao Governo Provincial de Luanda, e faltando dois dias para 27 de Maio,
anunciassem que estava abortada a manifestação convocada? A decisão e o boicote
do Órgão Colegial do MRA cheirava a mão invisível do regime do MPLA e reflectia
visivelmente a carta distribuida pelos agentes dos Serviços de Inteligência
Nacional e Segurança do Estado (SINSE) pondo os membros do MRA contra Pedrowski
Teca, Adolfo Campos e Rosa Mendes, um acto que repudiamos e condenamos no
momento, afirmando que a manifestação sairia com ou sem o MRA. Lembro-me de ter
dito ao Belenguete Kawelele Weza de Viana: “amigo é amigo, filho da puta é
filho da puta, e tu és o segundo”.
Dito e feito, realizamos a manifestação com os
poucos manos do MRA, como o Alex Chabalala, Afonso “Feridão”, António Caquienze
“Duke”, Manuel Pedro Kioza “Steven”, Sampaio Kimbamba e outros do Cazenga; o
Buka e outros do Belas, que não se deixaram convencer pelas sanções mal
cozinhadas do Órgão Colegial (uma entidade que criamos no final de 2013 para
governar o MRA, mas que nunca teve ou realizou sequer uma única ideia ou
actividade e estagnou-nos nestes últimos meses). A árvore é conhecida pelos
seus frutos. É de reconhecer o contributo importantíssimo de Manuel Nito Álves,
Raul Lindo Mandela, Emiliano Catumbela, David Saley e outros manos de Viana e
de outros municípios, e a cobertura noticiosa da Central Angola e muitos manos
e manas que aderiram à manifestação. IMENSOS AGRADECIMENTOS!
E para todos que lutaram para o boicote da
manifestação: muito obrigado!
O dia 27 de Maio de 2014
No dia anterior, dormi preocupado porque numa
clara indicação de que haveriam de reprimir a manifestação, a Polícia Nacional
de Angola vedou o Largo da Independência, e quando acordei, as notícias e
comentários nas redes sociais, principalmente no Facebook, transmitiam medo e
covardia pelo forte aparato de agentes da polícia, PIR, SINSE, milícias e
agentes à paisana fortemente armados e ordenados a reprimirem qualquer
concentração de pessoas no local.
Tive que reiterar no Facebook que aquela não era
a primeira vez que aquilo tivera ocorrido connosco e que sem falta estaríamos
dentro do Largo da Independência às 15 horas e ponto.
Cedo, o meu mano Adolfo Campos ligou-me propondo
que nos desdobrassemos já para fazer o reconhecimento da área, para além do
“team” que já estava no local desde as primeiras horas do dia. Horas depois,
estavamos no Primeiro de Maio e rondamos cerca de duas vezes em volta do Largo
da Independência, indo depois para a zona do Mercado do São Paulo.
Realmente o forte aparato policial no Largo da
Independência era de arrepiar cabelos mas para um revolucionário, promessa
feita, é promessa cumprida.
No São Paulo, estacionamos o carro e também deu
para notar agentes à paisana (milícias?), o que nos forçou a desviar do
percurso até encontrarmos um “cybercafé”, onde denunciamos a tentativa de
aliciamento dos agentes do regime que tudo faziam para abortarmos a
manifestação, e postamos o seguinte: “Foi com grande choque que um tal de
senhor Jelson, usando o número +244 946 387 495 ligou-nos dizendo que há VAGAS
na SONANGOL para os membros do Movimento Revolucionário que falam as línguas
inglesa e francesa. Acrescentou que o salário a ser pago será de U$D15.000.00 à
U$D18.000.00 (quinze à dezoito mil dólares) por mes (…)”.
Passada uma hora no cybercafé, voltamos ao carro
pensativos sobre onde iriamos guardar o carro, sendo que de certeza seriamos
detidos por um periodo que nos era incerto. Fomos ao centro da cidade onde
encontramos um amigo do Adolfo Campos, com quem decidimos deixar o carro, mas
antes, ele teve que nos levar até o Largo da Independência para a manifestação.
O jovem Manuel Nito Álves vinha do Município de
Viana com o seu grupo e ligava constantemente para saber onde estavamos e se
assegurava de que estaríamos no local às 15 horas e ponto.
Após ter feito um compasso de espera pela hora
da manifestação, demos umas voltas e quando faltam cerca de 20 minutos,
começamos a nos dirigir em direcção ao Largo, quando notamos que a polícia de
trânsito esteve a impeder com que todos os táxis se aproximassem do local da
manifestação. Concluimos que as autoridades pensavam que os manifestantes
viriam de táxis e que impedindo-os, evitaria a chegada dos mesmos ao Largo, e
se arriscassem a descer pelo menos à 100 metros do Largo, os agentes à paisana,
milícias e policiais iriam prontamente actuar contra eles.
Não se permitia que as pessoas parassem, muito
menos se aglumerassem nos arredores do Largo da Independência, e todo jovem que
carregava pastas era revistado, na tentativa de se encontrar qualquer material
de propaganda de protesto. Os álvos fáceis eram os jovens que vestiam tshirts
conotados com os manifestantes.
Chegamos ao Largo da Independência e fizemos
quatro voltas ao mesmo enquanto esperavamos pelo grupo do Manuel Nito Álves que
vinha de um mini-autocarro em direcção ao local. A situação estava extremamente
tensa e felizmente os agentes da polícia e outros estavam a procura de
manifestantes peões e nem sequer deram conta do carro onde estavamos, que fez
quatro voltas ao Largo, e graças aos semáforos que nos auxiliaram no compasso
de tempo.
Eu ficava desesperado e queria logo sair do
carro e invadir o Largo mas o Adolfo Campos pediu que eu tivesse calma e minutos
depois, isto na quarta volta ao Largo, Manuel Nito Álves confirmou que haviam
chegado e que podiamos agir em conjunto.
O assalto ao Largo da Independência
O clima estava muitíssimo tenso no Largo e a
tensão e as expectativas aumentavam quando eram 15 horas porque era a hora
marcada para a concentração.
Tendo se esgotado a minha paciência, com a
confirmação da chegada dos manos de Viana, mandei parar o carro em direcção ao
braço direito da estátua de Agostinho Neto. Numa total distração da Polícia Nacional
e outros agentes da segurança, Adolfo Campos e eu saímos do carro e pulamos o
certo, entrando assim no Largo da Independência. Trouxemos connosco um
megaphone e pedi ao Adolfo para que usásse-o para chamar o chefe daquela
operação policial no local.
O nosso rompimento da barreira policial no Largo
da Independência conduziu todas as atenções à nós, desde os peões aos
automobilistas. Muitos admirados e outros gritando pela nossa coragem em
desafiar os agentes da Polícia Nacional, que por sinal eram fisicamente mais
altos e grandes que nós.
As primeiras palavras de Adolfo Campos no
megaphone atraiu a atenção do “Comandante Frank” da Polícia de
Intervenção Rápida, que é um agente que marca sempre presença nas
manifestações, veio correndo ao nosso encontro, dando sinal aos seus
colegas para que lhe auxiliassem a nos retirar do Largo. Enquanto o Frank
aproximava-se de nós, eu gritei para ele que estavamos na paz e que queriamos
falar com o chefe da mesma operação. Frank chegou perto pegando Adolfo e eu dizendo:
“olha, podemos conversar mas tem de ser fora do Largo”. Enquanto insistiamos
que não iriamos sair do Largo para conversarmos, o grupo de Viana de Manuel
Nito Álves invadiu o Largo a partir do lado da mão esquerda da estátua de
Agostinho Neto, e do mesmo modo, muitos agentes da polícia e não só, cairam
violentamente por cima de nós. Seguramo-nos uns aos outros enquanto eles
batiam-nos com porretes (bastões) e havia trocas de palavras enquanto muitos de
nós gritavam: “violência não! violência não!”.
Foi naquele primeiro ataque violento da polícia
que o nosso mano David Saley (na foto) sofreu um golpe brutal nas
costelas e que o impossibilitava daí em diante a mobilidade normal.
Após cerca de 10 minutos de resistência
pacífica, enquanto a polícia brutalmente nos espancava, fomos arrastados com
purretes, pontapés, socos, chapadas e todo tipo de agressões físicas possíveis,
para dentro de um carro da Polícia de Intervenção Rápida (PIR) de marca IVECO.
Empurraram-nos para dentro do carro e eramos 15 jovens. Pela janela, vimos
outros jovens a serem espancados, inclusive o jornalista da Rádio Despertar que
estava a fazer o seu trabalho no local. Dentro do carro, gritavamos palavras de
protesto quando um outro grupo de jovens invadiu o Largo gritando: “libertem os
nossos irmãos”, mas que também foi brutalmente expulso.
Era desnecessário e impensável o uso de gás
lacrimogênio ou mesmo de armas ou pistolas num espaço que se pareceu pequeno
pelo número elevado de agentes da segurança que se misturaram com os jovens
manifestantes e os populares que apenas assistiam a cena passando. Mas um
policial disparou gás lacrimogênio no veículo em que nos encontravamos. A
situação parecia sair fora de control e deram ordens para que nos levassem para
longe do Largo. Assim sendo, asfixiados com alguns policiais de intervenção
rápida naquele IVECO fechado, fomos levados até à Unidade da Polícia de
Intervenção Rápida. Ao longo do caminho, gritamos pelas janelas atraindo
pessoas: “Zé Dú fora”. Postos dentro da unidade da PIR, começassamos a
gritar: “a polícia ganha mal, UGP (Unidade da Guarda Presidencial) ganha
bem”.
Sessão de tortura na unidade da Polícia de
Intervenção Rápida
Estavamos inconsoláveis e revoltados. Gritavamos
e discutiamos com os policiais, repudiando a violência com que fomos submetidos
e da ilegalidade das detenções. Com ameaças e mais espancamentos, tentavam em
vão nos fazer calar. O jovem Raúl Lindo Mandela acabou por desmaiar dentro do
carro. Vendo isso, gritavamos que precisavamos de água para ressuscitar o
companheiro. Notando o jovem desmaiado, vi o medo na cara dos policiais da PIR,
que negaram providenciar água. Ouvi um deles a dizer que por estarmos
asfixiados, o jovem iria piorar caso o atirássemos água.
Eu estava de pé trocando palavras com o policial
motorista que simplesmente afirmava que apenas estavam a cumprir ordens.
Sentado atrás do motorista, estava o David Saley reclamando das costelas,
dizendo que estavam partidas pela imensa dor que sentia e que mal conseguia
sentar.
O carro onde estavamos tivera estacionado
exactamente frente à uma parada de aproximadamente 300 ou mais agentes da PIR
em pronta prevenção. Pelas janelinhas vimos eles a nos observarem. Haviam
fileiras de polícias de choque (anti-manifestações), caninas, polícias montados
a cavalos e outros que em prenvenção na unidade, aguardavam ordens para sairem
às ruas e reinforçassem a segurança monstruosa que já se encontrava no Largo da
Independência para reprimir a manifestação. Perguntamo-nos como é que jovens
indefesos e pacíficos eram tão temidos por um regime que tem tudo para
elimanar-nos num piscar de olhos.
Estando no carro, de repente surgiram novas ordens
superiores para nos retirarem os telemóveis. Subiram ao carro vários agentes da
PIR que obrigaram-nos com chapadas e purretadas a entregarmos os telemóveis,
insistindo primeiro que retirássemos as baterias. Feita a recolha dos
telemóveis, decidiram revistar os bolsos de todos, retirando tudo. Após a
revista dos bolsos, sempre com purretadas e bofatadas, decidiram que deviam também
revistar os nossos calçados, meias e as partes íntimas. Alguns sem darem
importância, pisavam e revistavam o Raúl Mandela que se encontrava caido dentro
do carro. David Saley angustiadamente se contorcia de dores e viu-se revistado
brutalmente e lançou algumas palavras aos agentes que sem pena começaram a
golpeá-lo enquanto eu tentava impedi-los defendendo que ele estava com as
costelas partidas. Não tive êxitos e os agentes da PIR investiram vários golpes
directamente nas costelas de David Saley. Terminada a revista, sairam do carro,
trancando-nos naquele sufoco e indo se reunir no lado de fora, recebendo mais
ordens superiores pelo telefone. Enquanto isso, eu insistia na troca de
palavras com o motorista e os outros jovens discutiam com os agentes que estavam
por fora do carro.
Passados alguns minutos, vieram chamar o motorista,
que alegou que não devia sair do carro porque ali haviam duas armas.
Disseram-lhe para pegar as armas e foi juntar-se aos seus colegas. Uma equipa
de agentes civis nos filmavam e tiravam fotografias.
Após a saída do motorista, começaram a fechar
todas as janelas e portas do carro e apercebemo-nos que iriam nos intoxicar com
gás pimenta.
Vieram dois agentes com frascos de gás pimenta e
aproveitando-se de algumas aberturas na porta traseira do veículo, começaram a
nos intoxicar. O outro abriu a janela na lateral, de onde eu estava e pôs-se a
esvaziar o gás em nós. Começamos a gritar, chorar e tossir enquanto eles
fechavam a porta e as janelas para que ninguém apanhasse ar fresco. Para além
de causar tosse, o gás pimenta ardia nos olhos e na pele, principalmente por eu
estar em contacto com raios solares que reflectiam do vidro da janela fechada.
O jovem Manuel Nito Álves teve a ideia de que
deviamos urinar em nossas camisolas e inalar o cheiro da urina, cujo ácido iria
neutralizar o efeito do gás pimenta. Alguns seguiram o conselho e outros mais
tarde vestiram as máscaras de gás que os agentes haviam abandonado dentro do
carro.
Diante de gritos e choros, os policiais olhavam
para nós pelas janelinhas do carro proferindo ameaças de que seriamos
fuzilados.
O efeito do gás pimenta começou a passar mas o
calor era infernal e os nossos olhos ficaram avermelhados enquanto
transpirávamos no sufoco. O gás pimenta serviu para nos neutralizarem.
A porta traseira do carro, onde nos
encontravamos, estava danificada a ponto que havia sempre um agente da PIR a
forçá-la a fechar. Notamos que trouxeram um outro carro idêntico e deduzimos
que a intenção era de nos transferir para aquele carro que tinha uma porta em
melhores condições. Estavamos errados porque logo que abriram o carro,
trouzeram duas pessoas barbaramente espancadas e com os rostos vendados com as
suas próprias camisolas. O primeiro foi trazido à pancadas e forçado a entrar
no carro com os olhos vendados. Assim que retiraram-lhe a camisola do rosto,
alguns reconheceram-lhe como sendo um jovem do braço juvenil (JPA) da coligação
política CASA-CE. O segundo a ser trazido foi o mais velho Manuel de Vitória
Pereira, dirigente do partido político, Bloco Democrático.
Consternados, gritavamos para pararem de bater
neles e de rosto vendado, o mais velho Pereira não conseguia subir no carro à
porrada, de modos que os agentes decidiram dar-lhe choques eléctricos
sucessivos até que alguns jovens que estavam perto da porta traseira do carro
decidiram pegar os braços do mais velho e auxiliá-lo a entrar no carro.
Gritavamos: “vão matar o mais velho! Não façam isso, ele é doutor”. Nem
com isso eles pararam a tortura.
Lamentei e me questionei como era possível o
mais velho ser detido e confundido com jovens manifestantes pela segunda vez.
Ele foi detido e julgado connosco aos 19 de Setembro de 2013 quando tentamos
realizar uma manifestação “contra as injustiças sociais em Angola”, um
dia antes do começo do Mundial de Hóquei em Patíns em Angola (Luanda e Namibe).
Voltaram a trancar a porta e com o rosto
desvendado, o jovem da JPA informou-nos que estava simplesmente a passar
quando, indo buscar o carro dele nas bombas, os manifestantes invadiram o Largo
e foi espancado e detido por tentar fotografar o acto de violência.
A viagem forçada para Catete, Província do Bengo
Depois de terem trazido os dois detidos, o
número aumentou para 17 pessoas. A sessão de torturas na PIR durou quase duas
horas e finalmente decidiram levar-nos para um outro local.
Pensavamos que seriamos levados para uma das
comarcas penitenciárias ou para sermos fuzilados, quando trouxeram um caminhão
da PIR coberto com uma lona azul. Fizeram com que o caminhão estacionasse
reversamente em direcção à porta traseira do veículo onde nos encontravamos.
Munidos de purretes (bastões), vários agentes da PIR abiram a porta do veículo
e forçaram-nos a sairmos um-por-um para subirmos ao caminhão.
Com insultos e ameaças, obrigaram-nos a sair do
carro, e cada um que saía tinha de se apressar a subir no caminhão porque
naquele pequeno trajecto, os agentes da PIR brutalmente batiam-nos até
conseguirmos subir ao caminhão. A distância era pequena mas tornava-se longa
pela “surra” dada pela PIR. Alguns sofreram mais porque estavam gravemente
magoados.
Dentro do caminhão, obrigaram-nos a deitar no
chão com barrigas e rostos para o chão afim de não identificarmos os agentes
que nos estavam a bater. O sol que fazia aquecia a lona azul do caminhão e o
sufoco parecia ter piorado porque desta vez, obrigaram-nos a nos amontoar uns
por cima de outros como se fóssemos cadáveres.
Foi desumano viajar para uma outra provincial em
tais condições e imposições desumanas. No caminho, fizeram várias paragens.
Voltaram a nos revistar os bolsos e encontraram alguns dinheiros. Receberam até
os aneis, afirmando que onde iamos, aquelas coisas não seriam necessárias.
Por ordens superior, o mais velho Pereira foi
abandonado com os seus pertences na ”Ponte Amarela” do Município de Viana,
enquanto nós fomos levados para a outra província (Bengo).
Um dos aspectos mais marcantes na negativa foi
que ninguém devia ousar tossir, caso contrário era espancado com purretes e
pontapés. Um dos manifestantes que estava gravemente golpeado, insistentemente
pedia água e batiam nele a ponto de ele afirmar que “podem me matar mas eu
quero água”. Disseram nele para urinar nas mãos e beber o seu próprio
“mijo” para saciar a cede. Eu estava deitado ao lado de um dos agentes que
passou a viagem toda com os pés (botas) pisadas nas minhas costas e a cerca de
cada dez minutos batia-me nas costas com purrete.
Houve várias paragens e um outro grupo de jovens
manifestantes foi acrescido ao nosso pelo caminho e ficamos mais de vinte
jovens detidos.
Chegando em Catete, a PIR chamou a polícia
local. Ainda de barrigas e rostos para baixo, tentaram nos contar mas não
conseguiam porque estavamos amontoados uns-aos-outros, a ponto que nos
obrigaram, na mesma posição, levantarmos as mãos para uma nova contagem.
Terminada a contagem, mandaram-nos sair
um-por-um e fomos novamente fotografados e filmados cada um com a sua camisola
ou material de propaganda de protesto. Receberam todas as camisolas de protesto
e decidiram devolver-nos os nossos telemóveis mas não conseguiram fazer a
devolução do dinheiro apreendido.
O nosso abandono pela PIR em Catete foi chefiado
pelo Comandante “Pombal”, o mesmo agente da Polícia Nacional que me havia
detido na marcha que pretendiamos realizar a partir do Cemitério da Sant'Ana,
em Luanda, aos 30 de Março de 2013. Coincindentemente, voltamos a nos encontrar
no funeral do nacionalista Uanhenga Xitu em Calomboloca, Bengo, onde
convencidamente tentou me influenciar a deixar de participar em manifestações,
alegando que alguém nos pagava e mandava-nos protestar.
Sem sabermos o paradeiro do nosso dinheiro, o
comandante Pombal, já com pressa para regressar para Luanda, incumbiu a
responsabilidade de anotar as queixas à um dos oficiais da Polícia Nacional de
Catete. Gesto que achamos desnecessário e perda de tempo.
Abandonados às 20 horas, fomos até às bombas de
combustível de Catete onde uma senhora solidarizou-se connosco e comprou-nos
algumas garrafas de água.
Ligamos os telemóveis e começamos a fazer
chamadas para o nosso auxílio. Graças à Deus apareceu um senhor que conduzia
uma carrinha, e que resolveu nos levar até Luanda.
Em Luanda, fizemos os contactos e levamos o mano
David Saley, que se encontrava muito grave, reclamando sobre fortes dores nas
costelas e não conseguia andar. Fomos em várias clínicas mas não tinham como
ajudar porque não haviam os serviços de ontologia (?) para a realização de
raio-x ao paciente. Felizmente dirigimo-nos para uma clínica nos Congolenses
onde o David Saley foi assistido com urgência e recuperou de maneiras que já
conseguia caminhar sozinho após cerca de duas ou três horas.
Para socorrer o David, tivemos o apoio da
liderança da JPA e da CASA-CE pela pessoa de William Tonet, que ouvindo o nosso
apelo, dirigiu-se ao nosso encontro.
Enquanto na clínica, os manos Mabiala Kienda,
Carbono Casimiro, Rui Manuel “Shorty” e Mona Dya Kidi compareçeram com farneis
para os manifestantes.
Assim sendo, desdobramo-nos na transportação de
todas as pessoas até as suas residências, e eu apenas cheguei em casa quando já
passavam das duas horas da madrugada do dia 28 de Maio de 2014.
O
nosso companheiro David Saley contorcendo-se de dor nas costelas causada pela
brutalidade policial. Foto: Maka Angola
Sem comentários:
Enviar um comentário