terça-feira, 3 de junho de 2014

Vamos Lá Pensar! (Manif 27 de Maio 2014) José Eduardo Agualusa


Vi, no Facebook, as fotografias de Manuel Victória Pereira com as costas marcadas pelas agressões que sofreu no passado dia 27 de Maio, na sequência de mais uma manifestação falhada. Tais imagens não suscitaram grande indignação, nem dentro nem fora do país. Isso – infelizmente – não me surpreendeu. A prática de abortar manifestações e de surrar os manifestantes tornou-se entre nós algo rotineiro. Aceitamos a violência do Estado como sendo inevitável: “quem anda à chuva, molha-se.”
Os próprios manifestantes sabem que irão ser presos e espancados. Sacrificam-se, enquanto a esmagadora maioria da população desvia os olhos e finge não ver.

http://www.redeangola.info/opiniao/vamos-la-pensar/

A única forma de quebrar um ciclo de violência é através da não-violência activa. A não-violência tem como principal objectivo fazer com que o agressor se confronte com a estupidez do seu acto e renuncie a ele. Ou seja, o principal objectivo da não-violência é o de trazer o agressor para o nosso campo – para o campo das ideias, para o campo da inteligência. As manifestações pacíficas são apenas uma das estratégias da não-violência. Não são as únicas. Creio que chegou o momento de reflectir sobre outras estratégias.
Os jovens (e alguns não tão jovens, como Manuel Victória Pereira ou Filomeno Vieira Lopes) que ao longo dos últimos anos têm saído às ruas, em pequenos grupos, reivindicando mais democracia, mais justiça social, mais respeito pelos direitos humanos, demonstraram / demonstram uma coragem enorme, e merecem o respeito de toda a sociedade.
Creio que há nestes pequenos grupos mais revolta, uma justíssima revolta, do que reflexão. É preciso somar pensamento à indignação. O ideal seria reunir esta juventude em fóruns alargados, que contassem com a participação de personalidades que se têm distinguido, a nível internacional, em combates semelhantes, na Tunísia, no Egipto, na África do Sul, e também no Brasil, na Índia, nos Estados Unidos e na Europa. Estes Fóruns deveriam ser inclusivos, chamando ao debate representantes dos partidos políticos angolanos, incluíndo o partido no poder, pois o que está em causa é, afinal, o destino de todo o país.
A violência em Angola não é de hoje. O nosso país foi construído através da violência. Primeiro da violência colonial, com destaque para a instituição de um sistema escravocrata, que, ao longo dos séculos, exauriu o campo e as sociedades tradicionais, ao mesmo tempo que dava origem a uma sociedade urbana profundamente injusta e arrogante; veio depois a independência e a guerra civil. Na violência de hoje há um eco doloroso desse passado de horrores. Não será fácil romper com o ciclo da violência, tão prolongado, tão enraizado, instituindo um novo tempo, no qual todos os conflitos possam ser resolvidos através do debate. Mas não há outro caminho. Nenhum angolano pode ficar de fora de tal processo.

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