"O
calar das armas foi conseguido a duras penas, numa altura em que novas guerras
já se perfilam no horizonte imediato do país, sendo a crescente criminalidade
urbana um dos sintomas mais preocupantes da explosão social latente (...)"
http://morrodamaianga.blogspot.com/
Esta constatação
saiu-nos da lavra há 9 anos, mais exactamente em Agosto de 2005, quando nos
associamos ao 10º aniversário da AJECO, para falar do jornalismo e dos desafios
económicos e sociais de Angola.
De lá para cá,
como é fácil de concluir, as coisas, pelo menos em Luanda onde vive mais de um
quarto da nossa população, só se têm estado a agravar.
A tendência é
preocupante o que quanto a nós deve atirar a nossa atenção antes de mais, para
os resultados do modelo económico que está a ser implantado em Angola.
Não estabelecer
este relacionamento é o primeiro sintoma de um "autismo" que já faz
morada entre nós, onde alguns "cientistas sociais" se confundem
muitas vezes com "militantes sociais", o que também não tem ajudado
muito o país a identificar problemas e a definir prioridades.
Valorizando na medida do possível todas as abordagens sociológicas sobre as causas da criminalidade em tese e na prática, algumas das quais tivemos a oportunidade de acompanhar no último "Debate Livre" da Zimbo, não temos qualquer dúvida em identificar, no caso angolano, a pobreza/miséria/exclusão social como sendo a principal.
Valorizando na medida do possível todas as abordagens sociológicas sobre as causas da criminalidade em tese e na prática, algumas das quais tivemos a oportunidade de acompanhar no último "Debate Livre" da Zimbo, não temos qualquer dúvida em identificar, no caso angolano, a pobreza/miséria/exclusão social como sendo a principal.
A algumas milhas
ficam todas as outras, que não devendo ser ignoradas, têm de ser
necessariamente colocadas no seu devido lugar, sob pena de estarmos a confundir
os alhos com os bugalhos.
A causa principal do aumento da criminalidade mais violenta em Angola está devidamente localizada e de nada adianta estarmos a pintar a manta ou andarmos as voltas com outras "minudências".
A causa principal do aumento da criminalidade mais violenta em Angola está devidamente localizada e de nada adianta estarmos a pintar a manta ou andarmos as voltas com outras "minudências".
Por este trilho,
até podemos conseguir amealhar uns pontos no debate e melhorar a nota na
consideração de quem nos observa.
Em abono da
verdade, esta recusa em olhar de frente, e com olhos de ver, para a dura
realidade circundante não vai resolver nada por isso é que as coisas se estão a
agravar.
A questão da
ausência da família como pilar da sociedade ou da sua desestruturação, é ela
própria já uma consequência da fragilidade sócio-económica que caracteriza o
quotidiano da maior parte da população que vive na capital.
Como é que um
pai pode exercer a sua autoridade familiar sobre a sua prole, se ele não
consegue nem suprir as necessidades básicas dos seus filhos, que são cada vez
mais exigentes, como consequência de toda a informação que absorvem sobre a
"dolce vita" cá dentro e lá fora.
Neste contexto e
como opção, resta-lhes a delinquência.
Oficialmente e no âmbito da actual estratégia de comunicação, tem-se estado
a dar algum destaque às estatísticas que apontam para uma melhoria dos
preocupantes índices do nosso raquítico desenvolvimento humano (IDH),
como o aumento da esperança média de vida, a redução da taxa de pobreza e da
mortalidade materno-infantil.
Do lado das
autoridades policiais e no âmbito da mesma estratégia, a utilização das
estatísticas que supostamente reflectem uma redução da taxa da criminalidade,
parece corresponder apenas a necessidade de contrariar politicamente o desgaste
que a imagem do Executivo tem estado a sofrer com o noticiário mais
"sangrento".
Nos últimos dias
este noticiário voltou a chocar a sociedade luandense e muito particularmente a
extensa comunidade católica com o violento assalto registado segunda-feira na
Igreja de Santo António de Kifangondo do qual resultou o ferimento do pároco
local e o roubo de todos os valores que os peregrinos haviam deixado por
ocasião da romaria anual feita ao santuário.
No âmbito desta
estratégia, a comparação da realidade angolana com o que se passa noutros
países é um outro recurso muito utilizado pelas fontes policiais e todos os
"spin doctors" de serviço, quando se trata de tentar desdramatizar a
realidade do crime violento em Angola.
O problema de todas estas estatísticas, é que elas acabam por ser de facto
"autísticas", porque têm por base apenas as ocorrências/participações
registadas pelas esquadras e outras instituições similares.
Como é evidente,
a maior parte das ocorrências/incidências deste "mercado" que está
quase a virar "industria", segundo o sociólogo João Paulo Nganga, não
chegam ao conhecimento de quem de direito, pelo que acabam por não ser
reflectidas e muito menos traduzidas.
Esta evidência
repousa, entre outros aspectos, na limitada cobertura policial de uma cidade
que todos os dias engorda mais umas "casas" e todos os meses cresce
mais uns "bairros".
Por outro lado
há um conjunto muito substancial de incidências que muito dificilmente podem
ser reflectidas nas estatísticas, mas que contribuem e de que maneira para o
crescimento deste "mercado" feito de muito medo, muita
insegurança e muita improdutividade.
Quando as
pessoas dizem que há recolher obrigatório no bairro provocado pela
criminalidade, quando o comércio tem de fechar mais cedo, quando os transportes
desaparecem, estes são "invisíveis correntes" que a estatística
oficial não quer saber ou não quer valorizar devidamente na avaliação da
criminalidade, mas que pesam e como pesam nas contas finais.
Por isso vivemos numa situação de bicefalia, com dois países a coabitarem no mesmo território.
O país oficial e o país real. O primeiro todos conhecemos mais ou menos bem. Do segundo todos temos uma ideia mais ou menos vaga.
NA-Texto publicado no "PAÍS/Revista Vida/Secos e Molhados (20/06/14)"
Por isso vivemos numa situação de bicefalia, com dois países a coabitarem no mesmo território.
O país oficial e o país real. O primeiro todos conhecemos mais ou menos bem. Do segundo todos temos uma ideia mais ou menos vaga.
NA-Texto publicado no "PAÍS/Revista Vida/Secos e Molhados (20/06/14)"
Imagem: autor desconhecido
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