quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Desmobilizados da Segurança do Estado revoltados com o regime


Os antigos funcionários da Casa Militar dizem que foram usados e descartados por Joaquim Chissano e Armando Guebuza

Maputo (Canalmoz) – Antigos funcionários da Segurança do Estado estão revoltados com o regime. Em causa está a falta de pagamento de salários em atraso, referentes a um período de seis anos e a criação de um programa de enquadramento social para os cerca de três mil funcionários da Segurança do Estado que estiveram afectos à Casa Militar, Regimento de Protecção, Contra Inteligência Militar e Serviços de Informação e Segurança do Estado.
Estes dizem-se abandonados “ao Deus dará”. Entretanto, são obrigados a apresentarem-se todos os dias, sob ordens superiores, no vulgo “Quartel da Coop”, na cidade de Maputo. “Estamos a viver um drama. Somos obrigados a caminhar a pé todos os dias para aquele quartel, onde permanecemos o dia inteiro sem nada para comer”, disse Fernando Alberto, um dos membros deste grupo.
Estes desmobilizados da Segurança do Estado, que durante muito tempo trabalharam na protecção de altas figuras do Estado, não querem ser confundidos com os desmobilizados de guerra. Exigem um tratamento especial e acusam o antigo chefe de Estado moçambicano, Joaquim Chissano, de tudo ter feito para lhes destruir a sua juventude.
Falando à nossa reportagem em representação do grupo, Fernando Alberto contou que a maioria destes ex-desmobilizados, enquanto ainda estudantes, foi recrutada em diversos pontos do país, durante o período da guerra civil, com promessas de serem formados no exterior e posteriormente servir os interesses da nação.
“Muitos de nós aceitamos este recrutamento porque pensámos em aumentar os nossos conhecimentos académicos. Mas chegados à cidade de Maputo, fomos enviados para o regimento onde éramos treinados. A nossa missão era guarnecer e proteger as altas figuras do Estado”, disse o representante do grupo.
Conta ainda Fernando Alberto que, neste caso, por volta de 1986 e 1987, o seu grupo, depois de treinado, foi enviado para a região de Maleice, província de Gaza, terra natal do ex-chefe do Estado, Joaquim Chissano, com a missão de proteger os seus familiares, incluindo a população local, das acções da guerra.
“O presidente Chissano acabava de ser nomeado. Foi em Maleice onde fomos afectos e onde perdemos a nossa juventude”, disse a fonte que estamos a citar acrescentando que os militares formados no regimento de Magoanine, de que fazem parte os três mil ex-desmobilizados de Segurança do Estado, só eram enviados para a zona natalícia de Joaquim Chissano, apesar de, na altura, o país estar em guerra.

Mau agradecimento

“Perdemos a nossa juventude a defender o presidente e seus familiares. Foi um duro sacrifício durante esse tempo”, enfatiza o nosso interlocutor. Entretanto, continuou dizendo que chegado o momento da assinatura do Acordo Geral de Paz (AGP) a porca torceu o rabo. “Ao invés de nos exprimirem louvor pelo trabalho prestado e, como desmobilizados criarem-se condições de regressarmos às nossas terras de origens, para uma efectiva reinserção social, fomos aquartelados”, conta a fonte. Acrescenta que, sem nada terem reclamado, ficaram surpreendidos numa noite dessas, com a presença de um batalhão fortemente armado que começou a disparar.
“Muitos dos nossos companheiros, apanhados em contra pé, foram mortos nessa noite e enterrados de qualquer maneira lá no regimento. Nós que sobrevivemos fomos imediatamente encaminhados para a Brigada Operacional, vulgo BO”, e daquele local de volta às nossas regiões de proveniência, isto por volta 1996. Até aqui nunca houve uma explicação dos motivos de tal chacina. E nós não sabemos o que teríamos cometido”, disse Fernando Alberto.
Acrescentando, afirmou ainda que volvidos alguns anos, isto no ano 2004, após a tomada de posse do actual presidente, Armando Guebuza, o grupo destes desmobilizados foi de novo solicitado pelo Estado, para voltar a exercer as funções anteriores.
“Isto acontece numa altura em que nós tínhamos conseguido, através dos nossos meios, a reinserção social. Por exemplo, eu era um motorista numa empresa de segurança. Alguns colegas que já tinham conseguido emprego, tiveram que deixar ou mesmo perder os seus postos de trabalho, na perspectiva de serem reintegrados de novo na Segurança do Estado, o que não está a acontecer, sendo este o sétimo ano”, disse a nossa fonte.

Carta a Guebuza

A fonte disse que após terem sido chamados de volta ao quartel, já passam seis anos que o grupo não está a ser reintegrado.
“Todos os dias apresentamo-nos no quartel, mas sem funções. Não temos dinheiro de transporte, pelo que temos que ir a pé. Permanecemos no quartel todo o dia sem nada para comer”. “Este assunto é do conhecimento do gabinete do Presidente da República, Armando Guebuza; do gabinete da Primeira Dama e também do ministro dos Antigos Combatentes”.
Para sustentar as suas afirmações, apresentou-nos uma carta enviada ao gabinete do chefe de Estado, Armando Guebuza, cuja cópia está em nosso poder, com o número de entrada 2324, de 14 de Maio de 2009, em que os ex-funcionários da Segurança do Estado manifestam a sua insatisfação com a demora “para a concretização dos objectivos que levaram o Governo à reintegração dos ex-funcionários da Segurança do Estado (Casa militar, Regimento de Protecção, CIM e SISE”.
Na carta que estamos a citar, os referidos funcionários revelam ao chefe de Estado estarem a viver “ neste momento um clima de inquietação, dúvidas e perguntas sem que haja quem os esclareça” e pedem ainda ao chefe de Estado uma audiência para esclarecimento da “iniciativa do tal “rechamamento”; seu objectivo; ou se ainda há, de facto, vontade da parte do governo de solicitar os que outrora serviram fielmente ao Estado e que foram abandonados sem se olhar nos seus direitos”.
“Devido ao tempo excessivamente longo em que os ex-funcionários estão acantonados, há consequências sociais dramáticas, destruição de lares, despedimentos nos locais de trabalho devido ao facto de os visados deslocarem-se todos os dias para o quartel, na expectativa de um dia verem o problema resolvido e são muitos os que fazem esse sacrifício a pé”, lê-se na carta em nosso poder, assinada também por Moisés Marcelino; Gabriel Luciano Ferreira e Joaquim Zefanias Gulube.

(Alexandre Luís) 2011-01-06 06:57:00

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