Um mês de revolta derruba duas décadas de ditadura
O novo Governo, de “Unidade Nacional” promete organizar eleições livres e multipartidárias em 6 meses. Ontem já se demitiram quatro ministros do novo governo
Maputo (Canalmoz) - Com recurso a paus, pedras, pneus incendiados e barricadas nas estradas, o povo tunisino disse basta a 23 anos de ditadura encabeçada pelo então presidente Zine al-Abidine Ben Ali. Desde 1987, que Ben Ali estava no poder na Tunísia quando tomou o poder a força ao presidente Habib Bourguiba que dirigia o país desde a independência (1956). Foram precisos 29 dias de manifestações violentas e mortíferas para o regime cair.
Tudo começou a 17 de Dezembro do ano passado (2010), quando um jovem vendedor ambulante de nome Mohamed Bouazizi se imolou pelo fogo em Sidi Bouzid, pequena cidade do Centro do país, em protesto por ter sido expulso pela Polícia Municipal da rua em que vendia vegetais. A imagem do jovem que se incendiou em protesto ao custo de vida e a intolerância das autoridades, chocou a Tunísia inteira e fez esgotar a paciência de um povo há muito oprimido.
Desde Dezembro até o presente momento, pelo menos mais 5 tunisinos suicidaram-se durante os protestos.
O presidente deposto, Zine al-Abidine Ben Ali optou por oprimir os manifestantes, ordenando que a Polícia disparasse contra o povo manifestante. A presença da polícia violenta nas ruas irritou ainda mais os tunisinos e as manifestações espalharam-se um pouco por todo o país e no exterior, onde há emigrantes tunisinos.
O desemprego, o elevado preço de pão, são as principais razões que levaram o povo tunisino a perder o medo do homem que governou pelo medo.
As contas dos mortos ainda estão por fazer, mas até a semana passada aproximavam-se a uma centena.
A fuga para Arábia Saudita
Perante o alastramento das manifestações, Zine al-Abidine Ben Ali, viu-se obrigado a prometer que não se recandidatava mais à Presidência da República, assegurando que iria promover reformas democráticas e o fim da censura. Mas cansado de promessas não cumpridas durante mais de duas décadas, o povo Tunisino continuou a se manifestar.
Na sexta-feira seguinte, saíram à rua em Tunes, a capital do país, dezenas de milhares de manifestantes. Em resposta, Ben Ali demitiu o Governo. Mas afinal seria ele próprio a ser demitido. Pouco depois, o Governo anunciava que o general estava “temporariamente incapacitado de exercer as suas funções”. Foram mais ou menos os termos usados por Ben Ali há 23 anos, quando afastou Habib Bourgiba no que ficou conhecido como “golpe de Estado médico”.
Ben Ali viu-se obrigado a procurar refúgio na Arábia Saudita. Na mesma sexta-feira chegou a Jiddá, na Arábia Saudita.
A queda do regime de Ben Ali na Tunísia tem um valor histórico no mundo árabe. É a primeira vez, na história recente, que um povo árabe desmonta um regime ditatorial e exige democracia e respeito pelas liberdades fundamentais.
A notícia da fuga de Ben Ali foi recebida efusivamente em muitos países árabes, principalmente pelos estudantes, jovens e defensores de direitos humanos.
“É a primeira revolução pós-colonial no mundo árabe!”, escreveu no Facebook Mona Eltahawy, investigadora e comentadora egípcia.
“Mostra, em todo o caso, que as revoluções de veludo são possíveis no mundo árabe”, disse, em entrevista ao jornal "Le Monde", Larbi Chouikha, politólogo e membro da Liga Tunisina dos Direitos Humanos.
Por sua vez, o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, aplaudiu “a coragem e a dignidade do povo tunisino” e pediu a realização de “eleições justas”.
Enquanto isso, na França, Itália e Suíça, países com considerável número de emigrantes tunisinos, pessoas saíram às ruas para comemorar a queda de Ben Ali que durante 23 anos foi governando sob capa de uma democracia manipulada.
A história de um ditador camuflado de democrata
Zine al-Abidine Ben Ali é um militar de carreira. Governou de modo absoluto a Tunísia nos últimos 24 anos. Construiu o seu regime “sobre um equilíbrio entre a mão-de-ferro e a prosperidade que finalmente se rompeu”, escreve a agência francesa AFP.
Nascido numa família modesta, em 1936, na cidade de Hammam Sousse, Ben Ali recebeu formação militar em França e nos Estados Unidos da América, depressa chegou a general. Foi embaixador, chefe da segurança do Estado após os motins de 1984 e tornou-se ministro do Interior no ano seguinte.
Em Outubro do 1987 é designado primeiro-ministro e no mês seguinte assume a chefia do Estado, depois de médicos terem declarado Bourguiba incapaz de governar, naquilo que ficou conhecido por “Golpe de Estado Médico”. Na altura, Ben Ali prometeu modernizar e democratizar a Tunísia, mas parece que ainda que “sem precipitação”.
Em 1999 organiza as primeiras eleições do país a que condiciona a candidatura dos líderes da oposição. Ganhou as mesmas eleições com 99,45% de votos a favor. Até hoje, as promessas de democratização mantêm-se na gaveta.
Ben Ali devia ter-se retirado em 2004, mas mudou a Constituição dois anos antes e permitiu três mandatos consecutivos. Em 2009 foi designado chefe de Estado pela quinta vez, em contestadas eleições que lhe atribuíram 89,62 por cento de votos favoráveis.
Ben Ali começou então a governar com ditadura. Com base em repreensão das liberdades individuais. Em 2008, o Polícia reprime motins na região de Gafsa e nas últimas semanas repete a receita. O que acabou por ser-lhe fatal.
Constituído um Governo de Unidade Nacional
Após a fuga de Ben Ali para Tunísia, foi formado um Governo de Unidade Nacional de transição que promete organizar eleições multipartidárias livres e justas, em seis meses. Mas o processo de formação deste Governo não está a ser fácil.
O primeiro-ministro cessante, Mohammed Ghannouchi, chegou a ser nomeado, na sexta-feira, para o lugar de Zine al-Abidine Ben Ali, depois da fuga do Presidente. A indigitação foi feita ao abrigo do artigo 56.º da Lei Fundamental do país. Mas ficaria em aberto um eventual regresso de Ben Ali ao poder. A pedido do próprio Ghannouchi, o Conselho Constitucional da Tunísia veio a declarar a “vacatura definitiva” da Presidência, nomeando para o lugar cimeiro da República o presidente do Parlamento, Fouad Mebaza.
A decisão do Conselho enquadra-se no artigo 57.º da Constituição, segundo o qual o eleitorado da Tunísia terá de ser chamado a pronunciar-se em eleições presidenciais e legislativas dentro de um prazo máximo de 60 dias. Ao prestar juramento como Presidente interino, Fouad Mebaza deixou a promessa de que “todos os tunisinos” terão uma palavra a dizer no processo político. Prometeu também respeitar a Constituição e cimentar a democracia.
O Governo Interino já deu os primeiros passos para a formação de um Estado democrático. O primeiro-ministro interino, Mohammed Ghannouchi, promete, dentro de seis meses, a libertação de presos políticos, legalização de todos os partidos políticos, liberdade de informação para os medias, e abertura para a formação de organizações da sociedade civil.
Estas medidas foram anunciadas pelo primeiro-ministro depois de comunicar ao país a composição de um Governo de Unidade Nacional que para além dele, integra outros 8 ministros do regime deposto. O Governo da Unidade inclui ainda líderes da oposição e membros da sociedade civil.
Porém, há contestação a este Governo, alegadamente porque as pastas chaves foram ocupadas por ministros vindos do regime deposto. Em disputa estão os ministérios da Defesa, Interior, Finanças e Negócios Estrangeiros. Ontem demitiram-se quatro ministros.
(Redacção) 2011-01-19 04:48:00
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