terça-feira, 11 de janeiro de 2011

OS PRISIONEIROS DO TEMPO. Gil Gonçalves


Manos! Já viram o que é lutar uma vida inteira para no fim de trinta e cinco anos, ver, sentir no íntimo dos nossos corações e das nossas mentes, que tudo foi inglório, e em vão?
E deste barco naufragado restam destroços espalhados por toda a costa angolana. Destroços petrolíferos e diamantíferos que continuam a embaraçarem, a darem à costa.
A EPAL, Empresa Provincial de Água de Luanda, fez uma manobra de antecipação e em nome do colectivo governativo luandense, acaba de nos brindar um Natal feliz, horrível. Há dois dias que estamos sem água. E a nossa energia do futuro, a nossa Terra Prometida, como já é de tradição e em alusão à quadra festiva, a EDEL-Empresa de Distribuição de Electricidade de Luanda, deseja-nos um horrendo Natal e ano-novo sem energia eléctrica. E a EPAL, associando-se à EDEL, promete uma colaboração exemplar, como sempre, tudo seco como num deserto. Luanda, o irreparável demónio com petróleo na irremediável selva.
E a nossa oposição serve muito bem para enfeitar a nossa nova democracia.
Pelos acontecimentos da Costa do Marfim, facilmente se adivinha o nosso destino e o de Angola, claro. É que na Costa do Marfim está a continuação da nossa luta.
O sábado angustiado pela chuva acompanhava a banda desordenada dos jovens Sem Futuro, que carregando potentíssimas colunas para a festa improvisada que se anunciava. Instalaram o equipamento e começaram as experiências sonoras até que conseguiram o som ideal, de rebentar. Cerca das vinte horas arrancaram com a festa que vomitava o mais potente barulho até agora alguma vez conseguido. A festa era beber e mais beber, misturar cerveja com uísque. Faziam a guerra no terraço das traseiras do primeiro andar, dos demais degradados prédios, onde por todos os andares, são cinco, existem fios eléctricos espalhados por todo o lado que convidam os incautos à morte prematura. Assim, conforme a bebida lhes entrava pelo cerebelo, o som aumentava até aos prédios próximos, onde as janelas acompanhavam a batucada dando a impressão, ou melhor, preocupação, pânico, que se desconjuntariam… até as paredes vibravam. Acredito que decerto alguém ficou com os vasos sanguíneos do cérebro rebentados. A esganiçada barulheira ouvia-se na parte frontal que dá para a rua, como se a festa fosse lá. A destruição acabou às quatro da manhã. Não satisfeitos, no domingo fizeram mais festa no passeio. Na rua, instalaram outra aparelhagem menos potente, mas mesmo assim muito estridente. E das dezasseis horas até às vinte e três parasitaram e cambalearam na bebida. O incrível é que ninguém se queixou, aceitou pacificamente a refrega como se fosse coisa normal de todos os dias. Esta batalha musical aconteceu em frente à ANGOP, a nossa Agência Angola Press. Polícia?! Onde?! Alguém ligou para o 113, mas não funcionou, não resultou. O epílogo destas hostilidades levam-me a interrogar: mas que povo é este? Mas que gente é esta?! Este é o prenúncio de que a seguir ninguém conseguirá viver com esta implantação de selvajaria legalizada. E depois virá o isolamento, o ostracismo, o tombo da morte, o desejo mórbido da autodestruição. Para que lado vamos? Para nenhum.
E assim o mwangolé passou de ancestral dono da terra, a um incómodo alienado permanente que interessa afastar e escorraçar, porque se perdeu na noção do que é viver com o outro, com o vizinho. Está uma monstruosidade implacável, de meter dó. Não sabe mais como fazer para se safar do desejo mórbido da autodestruição.
Mas como é que se pode travar a catástrofe universal, se os mesmos que a provocaram continuam teimosamente no poder, e dele não desejam sair, como se nele estivessem chumbados.
«Se não estão dispostos ou preparados para irem às instâncias judiciais internacionais limpar a imagem do País, pelo menos façam-nos um favor: publiquem já tudo o que foi assinado sobre Cahora Bassa com José Socrates – o amigo de Armando Vara que agora está ligado aos brasileiros no Corredor de Nacala que substituíram a INSITEC na SCDN.» In canalmoz/Canal de Moçambique
Os gritos generalizaram-se, são lancinantes, são os gritos da Angola em agonia.
Deixamo-nos conduzir como ovelhas mansas para os dezoito matadouros do número 18, porque já não existe ninguém que nos defenda (?). E como serão os próximos dias? Ó estertor da grande tragédia final, onde opositores políticos, de opinião, não bajuladores: a intolerância e a Bastilha esperam-vos!
Que o sonho e a perseverança iluminem a tua mente e o teu coração. Enquanto vivemos há sempre a recordação que nos persegue uma vez por ano. Vivemos muitos momentos, mas há um que nos é sempre querido: um feliz Natal. Os anos somam e seguem e nós também. Apenas recordamos isso quando fazemos anos. E fazer anos é envelhecer o corpo e rejuvenescer a mente. Depois de tantos anos passados, vividos, recordamos a nostalgia do tempo prevendo o futuro. Qual é a empresa de saneamento que limpa o lixo humano da História?
A nossa vida no mundo concedeu-se para nos edificar uma melodia eternamente maravilhosa. Entretanto, surgiram monstros que destruíram tudo o que levantámos, e nem uma réstia de amor nos querem deixar. Em breve, do nosso futuro e da humanidade não restarão mais aniversários.
Os tempos mudam, nós não. Creio que permanecemos teimosamente iguais.
Creio que não gostamos das plantas mas das flores que elas nos dão. É como as pessoas que apenas as olhamos externamente, mas contudo no seu interior têm incontáveis jardins celestiais perfumados de intenso amor, ainda não descobertos.
A diferença fundamental que existe entre os seres humanos é a seguinte: uns são muito perseverantes e convictos das suas aspirações que os conduzem para a vitória. Outros vivem na sombra, traindo e destruindo o muito trabalho que os perseverantes fazem. A sua palavra de ordem é a inutilidade.
É com imensa amargura que vejo o nosso viver como um rio que secou, a desaparecer. Querem-nos secar os nossos desejos e roubar-nos a nossa esperança. O que nos resta é o reforçarmos cada vez mais o amor, essa arma invencível que tudo vence e convence.
Muito fácil é dominar e espoliar um povo analfabeto, porque o dinheiro do petróleo utiliza-se na destruição de Angola, e na compra no estrangeiro de activos supérfluos, na demonstração de um falso poder, e de uma falsa riqueza. Todo o dinheiro mal gasto acaba na miséria moral e social, ou ainda muito provável, no Tribunal Penal Internacional, desbravando o caminho da grande confrontação final. Mesmo que não existisse a discórdia do petróleo, os efeitos perdulários e destruidores surgiriam. Basta ver o exemplo muito significativo de Moçambique. A opressão domina a África e condu-la para a inevitável catástrofe. Há apenas a principal preocupação de agendar a promoção de novos-ricos. É um retrocesso no tempo da escravatura que já não impressiona a comunidade internacional. Muito pelo contrário: quantos mais escravos houverem, muito fácil é o enriquecimento. É bom relembrar que a acumulação mundial fez-se com a escravatura dos povos conquistados. A História repete-se com os novos reconquistados. Sempre com a mente no desespero, se hoje teremos luz, água e Internet. Empregos e algo para comer, contrariamente ao que a Igreja apregoa, nem Deus sabe.
As motorizadas dos jovens Sem Futuro continuam cada vez mais pavorosas. Perante tanta impunidade nada mais nos resta que é o assistir ao destino final. Lares desfeitos onde já se perdeu a noção do que é uma família. Elas dizem que apenas querem um filho, mas não querem nada saber de homem, do pai. E que: «ninguém me quer, ninguém gosta de mim.» Torna-se impossível manter uma conversa com os jovens, porque simplesmente não sabem conversar. Pudera, sem leitura, sem livros, extrema-se a possibilidade de sobrevivência de uma sociedade. A energia eléctrica e a água há trinta e cinco anos que adormecem incipientes. Mas insiste-se na promoção de imóveis e reservatórios de água por todos os locais livres, e onde não os há, inventam-se. O trânsito está constantemente engarrafado, e paralisará definitivamente parecendo um filme de ficção científica. Os preços sobem sem explicação, revelando claramente interesses de um grupo partidário, e não há ninguém que reponha a legalidade. Continua-se com o lançamento de baldes de água de limpeza, das cozinhas e de lixo para as traseiras dos prédios. Os fiscais (?) que sistematicamente, na sua exclusiva ocupação de roubar os pobres haveres de honestos vendedores de rua que tentam sobreviver, perante a recusa dos únicos senhores do petróleo, que agora abusam no pagamento dos salários, isto é: deixaram de pagar. Mas é claro, o escravo não tem direito a recebimento de qualquer espécie. Apesar das promessas de que tudo era do e para o povo.
E ainda as habituais torpes mentiras. Ferozes inimigos, as personagens que antes diziam que o MPLA e o seu Presidente, José Eduardo dos Santos, eram imprestáveis, fundamentalistas comunistas, que Angola não sobreviveria, hoje fazem exactamente o contrário. Que o MPLA e o seu Presidente são os melhores exemplos a seguir pelo resto do mundo, e o seu povo alcançou a plena felicidade e desenvolvimento, e que em Angola não existe miséria, porque são sabiamente dirigidos por competentíssimos governantes.
A guerra do espaço está ferocíssima. Qualquer espaço livre é imediatamente espoliado. Como recentemente aconteceu no bairro Kassenda, em Luanda, onde os inquilinos foram despojados dos seus espaços, que passaram a parques de estacionamento privativos made Odebrecht.
O medo ainda vive, subsiste: Quando atendemos o telemóvel sentimos um frio gelado no nosso corpo, pode ser a secreta deles, ou alguém que contrataram par nos amedrontar ou liquidar. Os que desviam os milhões de dólares não são julgados, muito pelo contrário: são bajulados e jubilados. Esta é uma fossa não asséptica que inunda, chafurda e afunda a nação na podridão criada pelos túmulos vivos da intempérie humana. Como os abutres que esperam os restos das carnificinas. Nunca se viu uma coisa como esta: um país que na realidade a população vive como numa prisão, e não tem direito a reclamar ou se manifestar. E têm cães ferozes que vigiam os movimentos suspeitos (?) da população. Falta colocar câmaras de vigilância de metro a metro, e no interior dos lares. Nesta Angola e Luanda ingovernáveis, no lugar de resolverem os problemas da falta de energia eléctrica e água, não senhor, perseguem e prendem opositores políticos.
E a Igreja conta-nos uma história maravilhosa, quando Jesus Cristo apareceu defensor dos espoliados. E alguém inventou que ele é o filho de Deus enviado à Terra para nos salvar. Esta invenção de um deus pai é o que caracteriza o ser humano: a invenção de um deus para dominar, como na ditadura do proletariado: Estaline é o Deus e o Politburo é o Jesus Cristo.
Continuamente tudo gira à volta de mineiros nas minas de petróleo, e exploradores de minérios pessoais e intransmissíveis. É assim esta porção da África moderna. Uma África de vulgares ditadores. Há quem persista no ordenar das ilegalidades e destruições. Quer dizer que a população nasceu na ilegalidade e deve ser demolida. Mas mesmo assim eles insistem na afirmação de que a população devasta as leis, quando na realidade, eles são os prevaricadores das normas mais elementares da sã coexistência social.


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