Maputo (Canalmoz) - O caso do Sudão acaba de entrar na ordem do dia ao mesmo tempo que abre um precedente em África que pode alterar um dos preceitos mais sólidos da carta da Unidade Africana desde a fundação da organização continental cujo propósito inicial foi: promover a luta contra o colonialismo. O povo do Sudão votou há dias, em referendo, a favor da divisão do País em duas partes. O Sul vai separar-se do Norte e vai tornar-se um outro país.
O Sul, rico em recursos mas até aqui sem poder e marginalizado em termos de desenvolvimento sócio-político, acaba de dizer BASTA, ao Norte, pobre mas que concentrava o poder político, desprezando o Sul.
No Sudão, pelo meio das desavenças que se foram sucedendo com as mais variadas motivações, o factor religioso, com o Sul cristão e o Norte islâmico, só deu o pretexto necessário para justificar o conflito armado entre forças pró-independência do Sul, e o grupo nortista que se supunha a si mesmo, senhor absoluto de tudo e de todos que se sentia. E se opunha ainda à descentralização efectiva do Poder e da riqueza num contexto de Estado unitário, embora fosse fazendo alguns exercícios que não passaram afinal de manobras de distracção de cidadãos que ingenuamente se foram deixando iludir até que, finalmente, “meterem os pés à parede” e assumiram que, realmente, BASTA.
No Sudão uma sucessão de factos acabou por forçar o Referendo e, nele, os cidadãos acabaram por votar massiva e esmagadoramente pela separação do Sul, rico, cristão e farto da exploração da riqueza por um grupo sediado noutra região, sem que durante anos fosse capaz de perceber que a riqueza e o poder económico não podem estar concentrados numa oligarquia insaciável e obcecada pela oportunidade que a história lhes proporcionou. Acabou, assim, o grupo que se arvorava com Poder Político, por ceder aos que menos podiam. A persistência de uns acabou vencendo os teimosamente obcecados pela ideia de que o Poder seria seu eternamente.
No Sudão, a região rica, que foi subalternizada relativamente àquela onde se instala o poder político formal, vai agora constituir-se num novo País.
No Sudão, a riqueza política e económica, não tendo sido distribuída a tempo, acabou por dar no que deu. O Sudão vai-se dividir formalmente, este ano, por vontade dos cidadãos que participaram no Referendo, e em África vai surgir assim mais um novo País.
Trata-se do primeiro processo de redefinição de fronteiras em África, pós descolonização. Mas, nas últimas décadas, tem-se visto o mesmo noutros continentes. Vários casos semelhantes poderiam ser citados. Todos eles com motivações análogas. Sempre a má distribuição da riqueza política e económica a suscitar as clivagens. Sempre o factor étnico e religioso como pretexto. Sempre grupos no Poder sem capacidade de compreenderem as dinâmicas sociais, económicas e políticas que estão a acontecer nos países sob sua liderança. Sempre grupos que se pretendem eternizar no Poder e tudo fazem para subverter o que faz da Democracia “o menos mau de todos os sistemas políticos existentes” na Humanidade, como, sensivelmente assim, dizia, em meados do século passado, Wilson Churchill – o visionário britânico que chegou a primeiro-ministro de Inglaterra.
O caso do Sudão não é o único em África. Há razões mais do que suficientes em vários países para que, mais dia menos dia, as coisas se encaminhem para cenários semelhantes ao do Sudão. Há muitos mais casos que não vamos aqui citar para não corrermos o risco de nos esquecermos de alguns. Mas um dos mais gritantes, será, talvez – à parte a Nigéria – o caso de Cabinda, que nunca foi sequer uma colónia portuguesa, mas, sim, um dote, à semelhança, aliás, do que foi Macau, território que a própria China e Portugal sempre insistiram que não se tratava de colónia, quando preparavam o mundo para o retorno de Macau à soberania da China.
O caso do Sudão pode suscitar a partir de agora outros casos de ruptura de estados até aqui unitários, se determinados governos insistirem na sua miopia e continuarem a esquecer-se que a riqueza de um País tem de ser distribuída de forma equitativa, embora se admitam as devidas diferenças naturais e a necessidade das zonas mais ricas serem solidárias, no contexto do Estado, com as mais pobres.
A obcecação de certos governantes pela riqueza faz os países correrem riscos e pagarem facturas desnecessárias. É por isso conveniente travar esses senhores antes que seja tarde demais. No Sudão as coisas chegaram ao extremo.
O esforço para se evitar a “sudanização” do continente africano, passa, a partir de agora, de ter de estar na agenda dos governos. A exigência de boa governação, se até aqui já era uma grande prioridade, agora não é só uma enorme prioridade. Deve passar a ser a agenda número um de qualquer governo que realmente tenha como propósito manter unido o Estado que governa.
O Sudão poderia ter ido para uma solução federal. Agora já é tarde. Não quer dizer que, quando os algozes se forem, os povos que já foram unidos e agora se desunem, voltem a decidir abraçarem-se num novo projecto unitário. A Alemanha é um exemplo disso. Não só há muito admitiu o federalismo como uma forma saudável de organização do Estado, como depois de se dividir em dois estados, um Federal e outro do Leste, foi capaz de se redimir dos erros do passado e unir-se.
O caso do Sudão mostra bem o quanto é preciso cuidar-se bem dos povos das regiões de onde provém as riquezas e o quanto errado é acreditar-se que “capturando” um ou outro nativo dessas regiões, e enchê-lo de benesses, se pode eternamente entorpecer e anestesiar os que se mantiveram nas suas zonas e não imigraram das suas zonas de origem para as cercanias de onde está instalado o poder político e económico.
O centralismo e a arregimentação de “figurões” para os promover a elite, que tem sido prática de certas “ceitas” políticas formadas por “habilidosos” de uma determinada região de um país, para que um punhado no Poder se governe até não haver mais para os outros seus concidadãos, por vezes é insuficiente para se manter a unidade do Estado, principalmente quando outros pressupostos de maior prioridade já foram vencidos, como em África foi o caso do fim do colonialismo e, na Europa e outros continentes, foi o fim da Guerra Fria.
Quando deixam de existir certos álibis, as coisas mudam repentinamente.
É tempo de reflectir. É urgente!...
Se certos governantes não forem capazes de perceber que a elite não pode ser só formada por quem está concentrado na capital; se não forem suficientemente perspicazes para entenderem que o seu ciclo histórico terminou, o caso do Sudão pode detonar novas agendas.
Será mesmo que o caso Sudão se vai ficar por ali?
(Canalmoz / Canal de Moçambique) 2011-01-28 05:51:00
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