quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Angola, o suicídio ou os sequestrados da Constituição (2)


E a vida no laboratório da Belita expandia-se, sentia-se como peixe na água, que crescia, remexia, renascia. Preocupada, mas sempre muito romantizada, como se dos seus lábios nascessem torrentes de jasmins, e o seu perfume incinerasse o seu amado num lago de lágrimas de amores-perfeitos. E insistia desfeita no paraíso do seu amor:
- Abelzinho, beneditino, bendito, meu bento amor… não me sinto bem. Acho que estou com paludismo.
- Vou procurar ajuda.
- Não vale a pena. Com esta Constituição ninguém nos ajudará. Somos apenas jovens que se amam algures num reino perdido do Golfo da Guiné. Quem se preocupa com isso, com jovens? Ainda se de nós jorrasse petróleo! Pensa nisso minha ternura, minha essência pura, e tudo se enaltecerá!
- Confio em ti, na tua raiz celestial, matriz deste amor ainda sob o jugo imperial.

Belita sentiu-se navegar num mar confuso que não lhe corria de feição. Como mangais que oprimem, atapetam a margem da alma marítima da natural protecção. A juventude do seu corpo fortalecido, sempre adequado e programado para saltar qualquer obstáculo, em maré de rosas sempre cuidada, regada, e que no esquecimento se seca, sem rega. Mas que depois recebe a água da vida. Então reergue-se e canta a ária do Coro dos Caídos. Não esquece a representação final ao Criador do amor. A flor com e sem dor, sempre feminina, uterina, apta para a fecundação.

Belita sentiu a sua flor jasmim-manga murchar-se. Apesar de muito aromatizada não conseguia resplandecer. Lançou talvez o último pedido de socorro.
- Por favor… leva-me para a maternidade.
Abel não sabia como lhe obedecer. O que fazer do e no tempo, o que pensar. Sentia o sol apagar-se. Mecanizou-se como adivinho talvez ao último desejo da amada nebulosa.
- Está bem… não deixes o jasmim da nossa primavera da vida murchar.
- Não! A tua fumbalelê nunca murchará. Está rejuvenescida… já rejuvenescia a ecologia. Sempre bem desperta… e para ti aberta.

Chegou na maternidade e entregou-se aos cuidados intensivos. Suspirava, procurava a vida que lhe faltava, e do único que a amava. No exterior, Abel aguardava impaciente. Talvez fosse apenas mais um daqueles trejeitos, um daqueles sintomas que normalmente as mulheres sentem durante a gravidez. O tempo passava, e as notícias, ele sentia, eram desconfortáveis. Sentiu uma faísca no cérebro.

Como se alguém lhe estivesse a enviar uma mensagem. Que estranho... era a primeira vez que sentia tal no seu pensamento. Parecia um pesadelo. Despertou sobressaltado. Não esperou, correu pelas escadas empurrando, não se importando com quem lhe aparecia à frente. Sabia onde ela estava. Estacionou e perguntou desordenado:
- A Belita…
O semblante da médica augurava que o ser de crer não se amoldava. Sentiu-se deslocar para a época glacial. A geografia física entonteceu-o com os seus fenómenos físicos, biológicos e humanos. A médica conseguiu descartar-se:
- Faleceu!

Imagem: Luanda e as promessas das miragens dos revolucionários de acabarem com a miséria das populações

Sem comentários: