sábado, 20 de fevereiro de 2010

A Ocidente do Paraíso (7). O meu tio insistia que a língua Esperanto deveria ser a língua universal.


«O Tramagal é uma terra privilegiada. A paisagem envolvente é duma extraordinária diversidade e é sem dúvida uma mais valia, que bem aproveitada, poderá ter uma enorme importância para o desenvolvimento económico da Vila.» In tamagal.blogspot.com/

Quando me aproximei da saída da floresta ouvi alguém gritar pelo meu nome. Era a minha avó que decerto preocupada com a minha ausência temia o pior. Receoso respondi ao seu chamado e quando se aproximou de mim pegou-me pelas orelhas e quase me arrastou. Tirou um dos tamancos e bateu-me bem até quase se cansar. Fui-me deitar com o rabo bem dorido.

De manhã, a minha mãe e a minha avó muito preocupadas disseram-me para nunca mais ir para esse local, para brincar apenas ao pé de casa, porque mais para longe lá na floresta era muito perigoso, e que as outras pessoas também tinham medo. Falei-lhes do que vi na clareira, lá muito no fundo da floresta. Olharam uma para a outra, e limitaram-se a responder que nunca mais fosse para esse local, porque aí era morada do demónio. Por mais que tentasse saber nos dias seguintes o que ali se passava, nunca ninguém me explicou nada, mantinham-se sempre no silêncio.

Já tínhamos mais algo para comermos, porque a minha avó começou a vender tremoços, e como sempre nunca se esquecia de nós.
Durante este tempo, o meu pai andava por Lisboa a tratar de arranjar melhores condições para nós. Depois de chegado levou-nos de visita ao meu tio no Tramagal. Era proprietário de uma barbearia, e pelo caminho o meu pai dizia que ele era um grande comunista, e que tinha muito medo de falar com ele, porque arriscávamo-nos a sermos presos. Nunca consegui saber se era militante ou não, apesar de o meu pai dizer que mantinha reuniões com os comunistas na sua casa.

Mas pelos diálogos que mantinha, notava-se que tentava aumentar os adeptos do Partido Comunista Português. Chegados à barbearia fomos recebidos pelos meus tios e pela minha prima Belita. Enquanto o meu pai se sentava na cadeira para o meu tio lhe cortar o cabelo, ele de imediato diz-lhe que ouviu na Rádio Moscovo que os comunistas de todo o mundo deveriam unir-se para acabar com a exploração do homem pelo homem. E que Salazar deveria deixar o poder porque Portugal estava muito atrasado. O meu tio insistia que a língua Esperanto deveria ser a língua universal. Assim o comunismo seria mais facilmente entendido em todo o mundo. Tentou oferecer um exemplar impresso em esperanto ao meu pai que o recusou de modo brincalhão:
- Nunca mais chove!

Enquanto a minha mãe conversava com a minha tia, os meus anseios eram para a minha prima Belita. Subi as escadas e encontrei-a a estudar. A primeira coisa que fiz foi pegar nos seus livros e fugir. A perseguição dela, os gritos e depois o choro nervoso alertaram os meus tios. Devolvi-lhe os livros cheio de prazer por a ver sofrer.
Não demorámos muito tempo, despedimo-nos enquanto o meu pai anunciava que iríamos brevemente para Lisboa. Terminou com a sua habitual frase:
- Nunca mais chove!
Durante mais uns tempos permanecemos no Crucifixo, sempre com a fome na nossa companhia. Até que o meu pai finalmente chegou e fomos para Lisboa.

Imagem: tramagal.blogspot.com/

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