quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A Epopeia das Trevas (118). O problema da fome já está resolvido, vão-nos eliminar e não terão mais despesas para nos suportar


O amor perdido é como a fome. Quando conseguimos comida
saciamo-lo. E acreditamos que ele está próximo, que voltou
A comida voa sem retorno, as asas do amor também
Quando da fome me libertar, prometo amar
o amor
Até lá adquiri a certeza, tenho o direito de me revoltar
porque não me deixam alimentar. Quase meia centúria
mal conduzida
Para o trânsito proibido dos tubarões onde não se pode amar
Nem o trigo nos deixam semear. Os campos estão lavrados
armas neles vão plantar. O problema da fome já está resolvido
vão-nos eliminar e não terão mais despesas para nos suportar
Têm muito tempo para dispararem, para nos matarem
Nem um segundo para amarem
Grande parte do tempo da nossa vida é gasto em eleições
E sofremos com estas desilusões
Porque não há um partido político do amor

Se critico a Igreja, sou excomungada, herética hierarquizada
Se blasfemo o Islão, espera-me a Jihad, a intifada, a cimitarra
Se ouso opor-me ao comunismo, enviam-me para um gulag
Se luto contra o capitalismo, prendem-me porque persigo o marxismo
Se exijo a parte do rendimento do petróleo que me pertence prendem-me
ou assassinam-me por incitação à violência
Se faço uma manifestação contra a corrupção, premeiam-me com seis meses de prisão
Se denuncio as democracias ocidentais que repartem os biliões de dólares com os seus amigos petrolíferos, eliminam-me, acusam-me de nacionalista
Se exijo emprego e pão, dão-me o sarcasmo da fome
Se não sou militante do partido do governo, espancam-me
Se há muita fome e miséria surgem muitas frentes de libertação nos enclaves Se há um só Deus porque existem guerras religiosas?!
Se há tiroteio depois das eleições, é porque o partido que governa é o melhor, insubstituível, imperdível
Se o petróleo está sempre primeiro, a fome está sempre no último lugar
Se me emprego na prostituição, o único emprego que há e onde a concorrência é tão elevada, desleal, que obriga a preços muito baixos... prendem-me porque sou debochada, sem carácter
Se as iluminadas, ortodoxas, peculiares… igrejas teimam, queimam-nos com o sol das teocracias. São estas, a subserviência das democracias
Se não tenho luz e água, um qualquer arauto tranquiliza-me: «a revolução ainda não terminou»
Se sai um colonizador entra outro
Se não tenho direitos, perdi a existência, a minha defunta independência, não sou ser humano! Perdi-me!
Onde está a minha liberdade?!
No próximo movimento de libertação!

Fui às compras na cidade próxima
Não tive sucesso. As mulheres fugiam muito preocupadas,
perguntei-lhes: fogem porquê?!
«Estávamos muito bem, de repente sentimos chicotadas nas costas»
Sabem quem foi?
«É um jacaré, um espírito. Toda a gente está a fugir com medo
Ninguém consegue escapar-lhe»

Imagem: campo de concentração de Luanda

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