quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A Ocidente do Paraíso (8). Junto à nossa barraca, havia outra também de madeira que servia de mercearia.



CAPÍTULO II
LISBOA

Ficámos alojados numa barraca de madeira. Para entrarmos tínhamos que subir uma escada também de madeira com alguns degraus a ameaçarem ruir. Não demorou muito tempo que caísse nelas. O pulso direito ficou com uma entorse que a minha mãe curou com água quase a ferver e sal durante muitos dias. Banhava-me o pulso, depois colocava uma moeda no osso e uma ligadura para obrigá-lo a voltar ao seu lugar.

Junto à nossa barraca, havia outra também de madeira que servia de mercearia. Os clientes na sua maioria tinham direito a crédito, e passavam os tempos livres a beberem. Via-se que o local fazia parte de uma montanha porque para chegar tínhamos que subir por uma rua íngreme.

Quase a um quilómetro de distância, no início da montanha ficava a rua principal onde existiam algumas casas de tijolo. Havia também uma mercearia com paredes de tijolo que tinha televisão. A cem metros à esquerda uma barbearia que tinha muitas revistas onde passava a maior do tempo a lê-las. Como eram quase todas de caubóis li-as rapidamente. Para ler mais consegui fazer amizade com o filho do barbeiro e esgotei a leitura… não havia mais nada para ler. Quando chovia muito as ruas ficavam enlameadas o que nos dificultava o caminhar.

O meu pai conseguiu emprego na Tap-Transportes Aéreos Portugueses, como empregado de limpeza nos aviões. Começou a trazer várias coisas que eram utilizadas a bordo, especialmente comida e bolos. A fome finalmente acabou para nós. Na televisão passava o filme Danger Man. Para conseguir entrar na mercearia tinha que ser muito sorrateiro, porque o proprietário não queria que ocupássemos espaço em vão. Das poucas vezes que conseguia ver um bocado desse filme de espionagem, quando regressava a casa e como não havia luz, amedrontava-me imenso com as sombras que pensava serem espiões que me queriam matar.

As nossas condições de habitação melhoraram porque o meu pai conseguiu que fossemos morar para as vivendas que estavam bem próximas. Estas já eram de tijolo e as condições de higiene muito melhores. Mas não seria por muito tempo, porque o proprietário ia proceder à sua demolição para construir prédios. Entretanto o meu pai comprou um rádio portátil, o nosso primeiro rádio. Foi uma festa. Até se construiu uma prateleira de propósito só para ele, e a minha mãe fez-lhe uma cobertura de tecido para o proteger. Era tratado como um tesouro do outro mundo.

Soube que a localidade onde vivíamos tinha o nome de Prior Velho. Era um local onde ainda existiam muitas oliveiras. Devido ao êxodo rural, muita gente como nós vinha para os arredores de Lisboa, e as oliveiras a pouco e pouco desapareciam, dando lugar a construções por todo o lado. Mudámos outra vez de casa e fomos para um grupo de três vivendas situadas num cume próximo à mercearia de tijolo.

O proprietário era o mesmo de todas as residências próximas, e já construía mais um prédio junto delas, mas estas também seriam demolidas para construir mais um prédio. O homem apesar de já estar rico, era muito austero. Não bebia, não fumava, comia pouco, andava com roupas pobres, não tinha mulher, apenas uma criada, porque conforme confessava não queria gastar dinheiro com mulheres, e dormia nos prédios inacabados para poupar.

Imagem: construção da igreja do Prior Velho
http://www.paroquia-sppv.pt/fotos/construcao_igreja/Foto_06.jpg

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