quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A Ocidente do Paraíso (5). Oh Meu Deus!.. Tu viste as bruxas ao luar (?!)


Chegados a casa, o meu pai ausenta-se rapidamente, e como eu queria ir no seu encalço, paralisou-me:
- Vai-te embora, vou escrever uma carta ao Salazar!

As horas passavam expectantes, a noite chegou e insistia para o sono. Eu e a minha mãe aguardávamos impacientes que ele chegasse, e como tardava fui-me deitar. A minha mãe ansiosa ficou de atalaia.
Acordei com o barulho. Era o meu pai com a voz cheia de terror, quase que não conseguia falar. Ouvi a minha mãe admoestá-lo de tão preocupada:
- Chegas depois da meia-noite porquê?! E estás assim tão cheio de medo, pareces que vistes o diabo à tua frente!
- Oh Mulher! Oh Mulher!
- Credo homem!
- Oh Mulher! Oh Mulher! Temos que sair daqui… eles viram-me e não me vão perdoar com medo de que eu me queixe deles!
- Mas eles quem?!
- As bruxas… eu vi as bruxas!
- Oh Meu Deus!.. Tu viste as bruxas ao luar (?!)
- Sim, como hoje é lua cheia eu vi-as, mesmo aqui ao pé de nós, naquele pequeno descampado… acho que estavam todas nuas. Eles e elas parece que a fornicarem… quando me viram pararam, fizeram-me gestos ameaçadores, e sabes que eu não quero nada com essas coisas do Diabo. Acho que reconheci algumas pessoas… a nossa vizinha, a sua filha, o marido, muita gente estava lá. Temos que sair daqui!
- Tens razão, temos que sair daqui, porque gente do demónio acabará por nos matar.
Ainda com todos os acontecimentos bem gravados na minha memória, no outro dia todas as pessoas que via ficava com medo, porque os meus pais diziam que as bruxas eram demónios que viviam na Terra para nos matarem, e depois beberem o nosso sangue, e assim sobreviviam. Como os meus pais eram muito religiosos – era tudo religioso – começaram a rezar o terço muito concentrados e com muita intensidade. Depois a minha mãe chamou a minha avó para ajudar nas preces a Deus, para que nos livrasse dessa terrível bruxaria.

Numa carroça de bois que o meu pai conseguiu arranjar, transportámos os nossos parcos haveres e rumámos para uma aldeia próxima de nome Crucifixo. A habitação era pequena mas servia-nos bem. Tinha também um pequeno espaço de terra em frente, e quase no centro uma figueira. Haviam algumas habitações idênticas contíguas que lembravam uma imensa carruagem de um comboio. Eram as habitações típicas dos mais pobres e miseráveis.

Em frente havia um vasto pinhal que se espaçava para muito além, e no seu mais profundo nascia uma verdadeira floresta.
A fome continuava a assolar-nos, de tal modo que nem um pouco de pão havia para comer. A minha avó conseguiu edificar um pequeno forno e começaram a sair os primeiros pães de milho, grandes e pesados. Trazia-nos alguns, e durante meses foram a nossa única alimentação. Crianças para brincar eram raras e assim continuei sozinho. De vez em quando ouvia a minha avó falar com a minha mãe de que tinha havido uma grande guerra, mas eu não fazia ideia do que isso era.

Imagem: Tramagal. O Rio Tejo navegável em 1942
http://tramagal-geocaching.blogspot.com/

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