quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Os Banqueiros da Nossa Fome. (I)


Os Banqueiros da Nossa Fome. (I)

21.10.2008 - 23h42 - Anónimo, Almada - Portugal
Com 66 anos de vida não há paciência que aguente.Só oiço falar em solidariedade mas a verdade é que não sei onde existe. Já corri seca e meca à procura mas não a encontrei. Alguem me informa onde para? É que o meu marido recebe 480 euros de pensão de invalidez. A renda da casa que era de 250 euros, em poucos anos já vai e 320 euros com os sucessivos aumentos. Compramos medicamentos para ele, porque foi operado ao coração. Eu como sofro de artrite reumatoide, sofro as dores porque não podemos pagar taxas moderadoras e comprar medicamentos nem fazer fisioterapia. Na Caixa Nacional de pensões dizem-me que não tenho direito a reforma, pois só tenho 7 anos de contribuições e precisava de 15. A assistência social diz que não tenho direito porque o meu marido ganha mais que três salários mínimos, segundo umas contas que fizeram. Então como é que fazemos para pagar a comida, a luz, a água. Já não falo em roupa e calçado porque os caixotes do lixo estão sempre às ordens, bem recheados, porque graças ao bom Deus ainda há quem faça vigílias ou grevas e sempre vai conseguindo ganhas uns bons euros. Segundo dizem os direitos e os deveres do casal são iguais, mas como posso cumprir?
In Público última hora


A maldade de todas as fomes terrestres
Maldade de maldades! Dizem os Banqueiros, maldade de maldades! É tudo maldade. Que vantagem tem o esfomeado, depois do trabalho que fez e não recebe o seu salário? Uma geração de esfomeados perece, e outra, e mais outra, e ainda outra perecerá pela fome; mas as terras dos ricos enriquecem-se cada vez mais.

E nasce petróleo, e põe-se o petróleo, renasce e volta sempre para o mesmo dono. A fome ia sempre para Sul, agora já não finge no Norte. Continuamente o pião da fome vai girando, e os seus círculos alargam-se, apertam-se, e a fome volta sempre cada vez mais célere. Todos os esfomeados procuram refúgio no mar e contudo ele não se enche; então, para onde eles vão?! Sempre para o mesmo sítio.

São tantos os esfomeados que ninguém ousa contá-los: os olhos e os ouvidos dos ricos fartaram-se deles. Sempre foi assim, mas agora é demais. O que antes fizemos, tornaremos a fazer: de modo que lhes arruinaremos mais fome. Mas, isto é novo?! Não, não é nada de novo, já o foi e cada vez mais piorará. Parece que ninguém já se lembra. Alguém não quer ter lembrança. Nos tempos próximos, quando todos morrerem à fome, ninguém se lembrará. E fizemos com que as nossas mentes maldosas aumentassem os caudais de esfomeados.

Que existem por cima e por baixo da Terra. A ocupação da fome é a principal instrução dos filhos dos esfomeados, para receberem os primeiros ensinamentos. Atentámos para todas as obras que os esfomeados fizeram sem receberem um salário digno. E eis que tudo era magnanimidade. O que nasce esfomeado, sempre assim permanecerá. Não havendo nada para comerem, facilmente faremos cálculos. Falámos para as nossas mentes maldosas. Eis que enriquecemos com a fome que provocámos. Somos os mais maldosos, os mais ricos, e assim teimaremos, continuaremos, e nenhum houve antes de nós.

E contemplámos com grande contentamento os estragos que causámos. E aplicámos as nossas mentes maldosas a conhecerem as loucuras que ainda faremos. E viemos a saber que existe tal infinidade delas, que a todas utilizaremos. Quantos mais sofrimentos provocarmos, mais nos exultarão. Porque na nossa maldade nunca há cansaço. E o que aumenta em fome, não aumentará em trabalho.

Os prazeres e as riquezas dão imensa felicidade aos maldosos
Dissemos na nossa maldade. Venham, que lhes provaremos com a tristeza. Portanto, gozai a nossa maldade. É tudo de má vontade. Dos famintos dissemos: estão com fome; de que serve a alegria a quem não tem nada para comer? Buscámos na nossa maldade como os nossos cérebros ficariam depois de uma grande enxurrada de vinho. E vimos nisso grande sabedoria e grande elogio à loucura. Achámos que era o melhor para os esfomeados. Para todos os dias da sua vida. Obrigámos todos os esfomeados a trabalharem para nós. E obtivemos grandes riquezas.

Construímos casas e outras obras magníficas. Insistimos nos lançamentos dos restos das nossas comidas para o lixo, jamais as daremos aos pobres. Mas, os famintos recolhem-nas, festejam-nas como grandes banquetes, e ainda nos glorificam. E ousaram-nos fazer uma grandiosa manifestação, porque não lhes pagamos. Mandamos-lhes a polícia em cima e depois obrigamo-los a construírem jardins e a plantarem árvores frutíferas. E sem direito a nada. Apenas um, a fome!
Gil Gonçalves

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