terça-feira, 26 de outubro de 2010

Dois deuses. Um no céu e outro na Igreja do Nosso Santo Petróleo


«Em 1755 soube do terramoto em Lisboa, onde morreram umas trinta mil pessoas. Ficou revoltado ao saber que os franceses consideravam aquilo castigo divino. Lamentou a desgraça do destino dos vivos em um poema. Voltaire sempre lutou contra o preconceito e as superstições, preferindo em lugar delas a razão e a cultura elucidativa. A adoração a um Ente Supremo e a submissão às suas leis eternas, sem conhecê-las por completo, resulta em rituais que não fazem sentido, não tem eficácia. Os preconceitos, para Voltaire podem ser maus, medíocres, ou ter um fim útil, como amar o pai e a mãe. Preconceito é uma opinião desprovida de julgamento.» In Voltaire, 1694-1778.
A agitação das ondas marítimas arrasta estas margens que nos desfalecem, mas se renovam pelo incessante temporal. É assim a vida de todos os nossos dias e de todos os tempos.

Choveu, as pessoas refugiaram-se, silenciaram. As árvores, parece que compraram novas vestes intensamente verdes. Estão da cor mais agradável que a Natureza nos oferece. Amainou, e as intempéries humanas regressaram ao ruído, à barulheira habitual, infernal, como que afirmando que é apenas o que sabem fazer.
Durante toda a nossa vida lutamos para não perdermos os momentos que passam por nós velozmente. Mais tarde vemos com angústia que não conseguimos recuperar nenhum.
E tudo ao nosso redor contempla o sonho da independência ainda não realizado. Sim! Esse sonho que ainda recorda a beleza da tua paisagem, e aguarda ansioso que regresses e outra vez o despertes. E nesse sonho segui as tuas pegadas. Sente-se a tua terna nostalgia, desejo forte que regresses, porque tudo está tão descontinuado, acho que sem esperança. Que voltes com a vela da tua alma e que nos ilumines. Ah! Como é encantador o teu silêncio, tão revelador do segredo das esfinges egípcias.
Mesmo assim encanta-me sempre acordar pela claridade diurnal e ouvir a ópera pardal. Levanto-me e contemplo o que resta do verde ainda não destruído pela democrática especulação imobiliária.
Insistimos no caminhar desta estrada que nos conduz sempre ao mesmo destino, porque ainda não divisamos, aprendemos a construção de outra via alternativa que nos liberte.
Normalmente antes de nos deitarmos lamentamos que lá se foi mais um dia. Como se apenas vivêssemos para isso. Parece que perdemos a coragem para dizer: tantos devaneios vividos nestes dias perdidos e tão corrompidos.
Quanto mais avançamos no tempo rumo ao futuro, mais ferozes destruidores nos mostramos. Creio que é isto a que ainda chamam de civilização. Receio que estejamos a destruir definitivamente o amor.
Sonhamos muito que voamos, o que nos dá imenso prazer e liberdade. Mas quando acordamos verificamos frustrados que tudo não passou de mais um sonho. Ao dormirmos outra vez, não desistimos do sonho de voar.

Vejo o desplante da bajulação dos nossos bispos ao deus do céu e da nossa terra silenciosa dos desventurados em geral e da espoliação desenfreada em particular
Enquanto as sem pátria soterradas pelos escombros da vida, do viver ainda não independente, porque essa coisa da felicidade tão apregoada revelou-se a mais atroz mentira de toda a História de Angola e também do mundo. Pois, elas continuam ainda prisioneiras na mina do sofrimento que se chama Angola. São as mulheres nas ruas que já perderam o destino, as mamãs, as zungueiras soterradas pelos escombros da luta de libertação nacional da espoliação na selva capitalista que se chama Angola. Porque num regime verdadeiramente democrático a existência de banqueiros é absurda, bizarra, porque junto aos supermercados abundam eleitores nos caixotes do lixo para conseguirem sobreviver nas sobras da democracia.
Custa a acreditar mas é verdade: duas carrinhas dos fiscais da Ingombotas seguem em cortejo tido como geralmente fúnebre. O que segue em frente impõe o ritmo da velocidade. Segue com meia dúzia de caixas de gasosa das espoliadas dos rendimentos não petrolíferos, mortíferos. Mas é impressionante: um dos fiscais vai em pé com a AK empunhada ao alto. Começou outra espécie de guerra não declarada contra a população?! Lentamente ou rapidamente aproximamo-nos da Somália?!
E onde ainda houver um quinhão de terra apetecível ou não, a FAMÍLIA lá estará, lá espoliará. Já não há povo, isso era naquele tempo inventado da luta pela independência, e agora duramente subjugado, vigiado e discriminado política e socialmente pela grandiosidade dos comités de especialidade.

O silêncio teológico dos nossos bispos comunga-se, comunicativo: como o governo nos apoia no Santuário da Nossa Senhora da Muxima que será canonizado na romaria mundial da Maria, faremos e apoiaremos a cem por cento os nossos crentes fervorosos governamentais para instituírem, decretarem em novos moldes que: Angola é e será para sempre um soberano santuário mundial. A população será subvertida – não quer nada com a Igreja, daí o caminharem massivamente para a ancestral feitiçaria usurpada – obrigada à submissão, à escravidão divina do dízimo obrigatório. Deus agradece e retribui imenso o gesto altruísta do poder actual, nosso irmão na fé de Cristo. Com Deus nos nossos corações, Angola é e será sempre sem vontade própria trincheira firme dos santuários em África e no mundo.
E já ninguém perde mais tempo com discursos de qualquer governante, porque já se sabe de antemão que são mais mentiras. Estas são tantas que já não existe mais lugar onde as colocar. E a população em uníssono brada: «Eles roubam-nos para manterem os seus negócios ilícitos, e nós roubamos para sobrevivermos do total abandono a que estamos submetidos.»
Eis o navio angolano a navegar sob o vulcão dos tumultos dos espoliados petrolíferos. E os aliados estrangeiros apoiam, que o PIB está na estratosfera.
Angola, pelas suas características peculiares divide-se em dois PIBs. Um petrolífero e palaciano. E outro sem petróleo, o das massas populares mais favorecidas pela miséria. Ou melhor dito, um PIB para estrangeiros, externo. E outro interno, ou para mwangolés. Acho que a economia é a ciência do ilusionismo. E os economistas, claro, são exímios ilusionistas, porque fabricam carradas de ilusões. São máquinas que nos distorcem a realidade, logo não são reais, são virtuais.

Ao menos se os nossos (?) bispos da Igreja reivindicassem, nos apoiassem, esta nossa outra vez miséria já se teria evaporado. E a nossa política da oposição atira-nos de vez em quando com um comunicado, e o poder ri-se, e os também outra vez inglórios escravos repetem-se: «Ah! este petróleo da negra escravatura.» Mas, a quem interessa Angola ser o principal produtor de petróleo da África se não consegue fornecer energia eléctrica e água. Estas ociosas coisas estão tão tiranizadas.
Declaração bispal: lutaremos, faremos de Angola mais um etéreo santuário mundial, onde vamos mergulhando neste paraíso à beira de poços petrolíferos petrificado. Como bem sabem, isto é Angola… e contudo ela não se move.
Será que finalmente se conseguiu o tão mais esperado feito histórico… o governo mundial de idiotas?! Este é o tempo em que os idiotas finalmente conseguiram tomar o poder. Estão em tudo… e por todo o lado. É só ver o que se passa na actividade bancária. E creio que puseram qualquer coisa na água para tornar os povos dóceis, como cãezinhos de trela.
Sinto-me na Bastilha, sentado ao lado do meu Voltaire. Estamos perdidos neste espaço, dos paços deste tempo com ausência total de gravidade, sem os pés no chão e com as cabeças no ar. E neste asteróide falta-nos tudo. A sabedoria da miséria, nada disto nos falta. Os novos navios negreiros estão encalhados porque as potentes promessas de navegação provocaram-lhes rombos nos cascos das proas que estão indirigíveis. Carregavam a bordo o crescimento económico dos fardos das roupas usadas. Os vendedores das ruas não conseguirão vender as sobras do PIB que aguardam sair do inconsciente subdesenvolvido. As correrias da fome dos dragões perseguidores transformam as ruas em campeonatos de atletismo. E sem oposição o poder eterniza-se em palácios que mais parecem cemitérios abandonados. A vida faz-se a andar, mas para caminhar é necessário um rumo.

O crescimento acidental afecta o visual da nossa falsa existência. Existir para servir o mais distante, nunca o mais próximo. A democracia é para pensar, não para imitar. E nada muda, estão todos nos mesmos lugares. Ainda não teclamos nas máquinas, martelamos-lhes porque a isso nos obrigam. Apesar dos enfeites superficiais ainda não atingimos a profundidade abissal desejada. As vozes repetem-se em cascatas cantadas. É este o pão que os santos amassaram. Os patriotas dos casebres desalojados cumprem o mandato da democracia mural, ainda não rural, marginal. E os ratos: «Não há sobras para ninguém! Estamos isentos porque perdemos o prazo da validade do viver.»
A Rádio Mais (?) e a censura a Rafael Marques, 15 de Outubro de 2010. Movido talvez por um impulso misterioso, deu-me para escutar a Rádio Mais. Como o noticiário da BBC das vinte e uma trinta horas não demorava, faltavam dez minutos, aguardei. A locutora de serviço da BBC falava do discurso do Presidente, Senhor, José Eduardo dos Santos, na sua pioneira intervenção na Assembleia Nacional, onde dissertou sobre o Estado da Nação. Fiquei muito surpreso, confesso que não queria acreditar, quando a locutora anuncia que Rafael Marques vai tecer comentários sobre os números apresentados pelo Presidente. De repente, a emissão desaparece, talvez pela intromissão na frequência de algum disco voador. O silêncio inexplicável continuava. Surge um comentador qualquer com um tema a despropósito para entreter a audiência, mas do Rafael Marques nada. Acho que foi abduzido por algum extraterrestre. Nem uma palavra se ouviu para justificar o corte de tão inóspita censura. Mas que regresso vertiginoso ao colonialismo. Esta continua a ser a democracia do fingir. Quem nunca foi democrata, por mais vestes e disfarces que use, nunca o será. Não são pessoas que nos governam, são deuses. Entretanto as forças progressistas da FRELIMO desejam impor o tempo dos mastodontes, os campos da morte da reeducação.

Houve uma oportunidade soberana para acabarem com a escravidão, perderam-na, agora e futuramente é expressamente difícil dela fugirem.
«O telemóvel está desligado ou fora da área de cobertura.»




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