Pai e filho olham para o nocturno céu angolano sempre estrelado. O filho pergunta-lhe: «Pai, em Angola não existem governantes inteligentes?!» «Não meu filho, só nos outros países.» (texto adaptado)
As línguas dos bajuladores são mais macias do que seda na nossa presença, mas são como punhais na nossa ausência. In Textos Hindus
O homem que lisonjeia o seu próximo estende uma rede sob os seus passos. In Provérbios 29,5
Se todos os homens recebessem exactamente o que merecem, ia sobrar muito dinheiro no mundo. In Millôr Fernandes
Se não conseguem prover o bem-estar da população para os dias das tormentas da Natureza ou humanas, então não vale a pena governarem.
Insistimos no caminhar da estrada que nos conduz sempre ao mesmo destino, porque ainda não divisamos, aprendemos a construção de outra via que nos liberte. Angola é muito grande, mas contudo reside na pequenez da minúscula bajulação.
Promover a bajulação é o caminho certíssimo para se conseguir umas boas massas monetárias ou um lugar de destaque no aparelho governativo. Vai daí, outro movimento carregadíssimo de espontaneidade desalmada, assentou na promoção de uma espécie de top dos mais queridos da bajulação. Logo os seus proponentes arregaçaram os olhos estuporados de avidez pela garantia de mais uma vitória certa. E até conseguiram um lema: se queres viajar e o poder alcançar tens apenas que bajular. Logo de imediato conseguiram sem esforço algum, claro, garantias de apoio em todas as frentes, províncias e nos países mais representativos como ainda se repetem, da arena mundial. Sempre invocando e glorificando o chefe, naquela que se não nos apoiarem o chefe não vai gostar, anotará e mais tarde sancionará o desplante de tal oposição, de tão péssima educação. Sim, porque mesmo sendo da FAMÍLIA, se não bajular é considerado elemento pernicioso, passado para a oposição e como tal gado para abater no inventário.
E criou-se a designação empresarial para tão olímpico Zeus: Comité Único Principal Especializado na Bajulação, CUPEB. Mesmo a correrem os trâmites para a sua legalização, o CUPEB já facturava rios de dinheiro. Para quê legalizar o que já está legalizado? Quem comanda somos nós e sem oposição não mandamos, ordenamos. Tudo em nós é leal, legal, o resto é ilegal. Seguiram as primeiras cartas, cartadas pelos tarefeiros do costume a rogarem, mas na verdade a exigirem, a ameaçarem veladamente... senão… às empresas, embaixadas, bancos, órgãos partidários e apartidários, e até a elementos pessoais e a partidos políticos da oposição. Para bem facturar há que caminhar e nestas lides vale tudo. Apareceram não se sabe como (?) autocarros, aviões, toda a parafernália necessária e desnecessária para assegurar as deslocações dos participantes ao grandioso concurso. A logística estava bem garantida, para isso recorreu-se aos patrocinadores habituais, que são em número descomunal, e importou-se muita tralha porque não dá para confiar na produção nacional, isso é só para períodos eleitorais. As comissões diluviavam e nunca lhes chegavam, queriam, querem sempre mais e mais, como um atleta a bater sempre o seu recorde pessoal.
E os bajuladores, militantes da sempre vanguarda revolucionária, começaram a chegar, a desembarcar às dezenas, às centenas, aos milhares. «Sim senhor, isto é que é militância.» jactanciou-se um elemento da direcção. A propósito: era impossível saber a quantidade dos componentes da direcção. Sabia-se que existiam vários administradores, directores-gerais e adjuntos, chefes de departamento, de sector, de secção, trabalhadores não os havia. Alguém dizia zombeteiro que era uma cópia do Exército da Guiné-Bissau que só tinha oficiais superiores. Para os serviços braçais recorriam aos que se amontoavam nas ruas como porcos na esperança do surgimento de algum trabalho. E quase não gastavam nenhum dinheiro, pois estes desgraçados eventuais contentavam-se com qualquer coisa. Choviam anúncios na imprensa estatal e nalguns órgãos amigos a publicitarem o evento. Na imprensa privada não, esses são do contra, reaccionários, só sabem é falar mal do chefe e das nossas revolucionárias instituições nacionais. Mas esses gajos têm os minutos, as horas e os dias bem contados, muito controlados. Aqui só há lugar para o nosso partido da vanguarda da classe operária. Isso da democracia… também há com cada um com cada ideia. Nós… é que lutámos, oferecemos a independência ao nosso martirizado povo, Angola é nossa e o petróleo e os diamantes também. Democracia é quê?! Calem mas é essas bocas seus parvalhões invejosos. Aquando da luta de libertação vocês estavam onde, hem! Falam à toa! A nossa Angola está sabiamente dirigida pelo nosso timoneiro. Só há lugar para um. Onde é que já se viu um navio comandado por mais de um comandante e um imediato?! Vocês querem é anarquia, mas nunca lhes permitiremos.
E vieram as bandeiras acompanhadas de quinquilharias para a propaganda que mais parecia de outro partido político. A propaganda garrafal que se embandeirava mais notória era: BAJULAÇÃO É O ORGULHO DA NAÇÃO. O NOSSO LÍDER É INIMITÁVEL. TODOS OS CAMINHOS DA BAJULAÇÃO LEVAM À GOVERNAÇÃO.
Um bajulador aproveitou-se muito bem da situação e bajulava que procurava alguém que o ensinasse a escrever um livro a bajular a gesta do nosso insigne mestre.
A oposição comunicava as habituais redacções saídas das confrarias maçónicas. Continuava no esconderijo muito afastada das massas, das suas panelas sem tampas. Mas mesmo assim não se escusavam, ó facto inédito, conseguiam, ainda lutavam, criticavam, criavam factos políticos: «Actualmente a China é o principal país mundial exportador de escravos. E os chineses quando lhes pagam os dólares ficam muito contentes e exclamam: «Chinês recebeu, tem dólares.» A China é uma falsa potência económica mundial, é o império mundial da poluição e da escravidão. A China não respeita regras internacionais. Pretende impor-nos o regimento do homem das cavernas. Um mundo sem lei nem ordem. Exemplo? Em Angola tudo o que se compra made in China é a maior vigarice nunca até agora comprada. Qualquer ditador que se preze buscar mais permanência no poder, implora, cede o seu país ao poder chinês. Escravos a apoiarem escravos. Mais analfabetismo, mais colonialismo, mais miséria para a África.» E salientavam, finalizavam de modo panfletário: «O poder destrói o poder, porque este é o tempo dos dinossauros idiotas. Se este governo não funciona, é porque não existe. Então, para quê continuar com ele? E quanto mais tempo no poder, mais as consequências de instabilidade social se azedam, até à irreparabilidade do seu final. Quem não sabe o que é governar, desculpa-se com a conjuntura internacional. A quem interessa Angola ser o principal produtor de petróleo africano se apenas consegue fornecer ocasionalmente energia eléctrica e água? Este mundo está tão tiranizado.»
As delegações convidadas, norte-coreana, cubana, chinesa, Myanmar e outras das mais retrógradas, desembarcadas logo paralisaram por completo o que restava do transito na caótica cidade (?) de Luanda e logo bajularam: «É com incontido orgulho que saudamos o carinhoso, o heróico povo angolano que continua a sua luta eterna contra a escravidão imperialista dos Estados Unidos da América, o principal inimigo dos nossos povos. Em nome das outras delegações saudamos o actual condutor dos destinos da nação angolana e do seu povo. Desejamos-lhe longa vida para que ele continue a lutar incansavelmente por mais melhorias de vida das suas populações que já atingiram os patamares internacionais das exigências do milénio. Trazemos fraternais abraços de luta contra a reacção interna e externa que tentam mais uma vez conduzir-nos para a miséria e escravidão. Mas os nossos partidos, governos e povos estão vigilantes e as forças imperialistas serão rechaçadas de vez para o túmulo da História. Pátria ou morte, unidos venceremos!
Notável foi a delegação dos especuladores nacionais e internacionais que começaram a actuar de imediato. Nas redondezas já se viam nuvens de pó provenientes de demolições. Houve um tremendo erro sanado a tempo. É que o Palácio dos Congressos escapou de demolição, já estavam os habituais monstros metálicos bem assestados para o demolir. Não fosse a intervenção do mais Alto Magistrado e Mandatário da Nação nada restaria de pé. É que a delegação dos especuladores imobiliários vinha investida de plenos poderes dos biliões de dólares. E como o petróleo ainda bate bem, conluiados com a pseudo banca angolana, já tinham vastíssimos campos ao ar livre para neles concentrarem o que resta da populaça angolana.
E logo começaram as moções, que no contexto apodrecidas não destoavam, como a exemplificada pelo auto proclamado coordenador dos comités de especialidade da bajulação;
MOÇÃO
Considerando a gesta do nosso herói, incansável lutador pela causa justa do nosso maravilhoso povo que hoje lhe deve a independência, o seu bem-estar e felicidade conseguidos com tantos sacrifícios.
Considerando a infalibilidade dos destinos desta nossa portentosa Angola, tão sabiamente conduzida por timoneiro tão imaculado.
Considerando as extraordinárias capacidades morais e intelectuais que o elevam aos mais altos cumes da magnanimidade humana.
Considerando a sua contribuição para a estabilidade económica e social de Angola e do mundo.
Considerando as suas capacidades de trabalhador incansável para que nada nos falte, e assim engrandecer Angola e os angolanos.
Que a partir deste momento seja considerado canonizado como santo apesar de ainda vivo, conforme os ritos sagrados das sagradas Escrituras da nossa afiliada Santa Igreja.
E por aclamação espontânea surgiu o vencedor do Primeiro Concurso Nacional da Bajulação:
O nosso pai imortal da Nação que ele reconstruiu, o apaziguador de espíritos, o iluminado, o insigne estadista, o arquitecto de Angola e do Universo. O brilhante construtor de casas, moradias, prédios, torres, condomínios, estradas, pontes, aeroportos, escolas, universidades, novos bairros requalificados, aquedutos, etc, etc, tudo de acordo com as normas mais elementares dos direitos humanos. Enquanto a oposição só fala, e não faz mais nada, nem um passeio reparam. Tudo, tudo para o nosso deus vivo, ele que resolva. Se o nosso país está assim tão bonito a ele se deve. Ele é o maior, e merece o nosso respeito, admiração, terna e eterna gratidão.
Dono de uma cultura e intelecto inigualáveis, ele é divino porque foi Deus que o enviou, conforme já testificado por alguns dos nossos beatos sacerdotes. Ele é um Santo e a sua imagem, conforme depois se decretará, será postada em todas as igrejas para que os nossos milhões de crentes e descrentes a ele rezem, lhe implorem para que as vidas melhorem. E já um santuário nasce, se lhe dedica, se edifica para perpetuar o seu santo nome. Aos nossos detractores lembramos-lhes que tenham muito cuidado quando soltam as vossas línguas carregadas de veneno. Porque não respeitam, odeiam a quem obra. Vamos afastá-los do nosso glorioso caminho. Em Angola só existe e sempre existirá um só líder. E por isso mesmo exigimos o prémio Nobel da bajulação para contemplar o mais esplendoroso, magnificente soberano que ao longo da História ninguém até agora se lhe compara, o ultrapassa em clarividência.
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