sexta-feira, 29 de outubro de 2010

População destrói florestas à caça de ratazanas para comer


Os meios de sobrevivência estão cada vez mais escassos. A população comete actos que legalmente constituem crime punível com cerca de doze anos de prisão (Código Penal, art. 464 - Fogo posto em lugar não habitado), à procura de ratazanas para comer.

Quelimane (Canalmoz) – A luta pela sobrevivência mostra-se cada vez mais complicada e difícil de ser vencida pelas populações da província central da Zambézia. Tudo vale quando é para garantir a alimentação, sobretudo às crianças e idosos que não têm capacidade de praticar agricultura de subsistência, com a qual vive a maioria da população desta província e do país.
Nas zonas rurais, a população desprovida de qualquer abastecimento de produtos de primeira necessidade, recorre a meios locais para conseguir algo comestível e, no caso particular, recorre a queimadas descontroladas para conseguir carne de ratazanas com vista a assegurar proteína animal para a alimentação, pese embora esta prática seja um crime de acordo com o Código Penal moçambicano.
No último fim-de-semana, a nossa reportagem escalou alguns distritos daquela província, por sinal a segunda mais habitada do País.
O mais recente estudo de avaliação da pobreza em Moçambique, da autoria do Instituto Nacional de Estatística, deixou claro que a província da Zambézia é a mais carenciada do país, onde o número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza aumentou nos últimos 6 anos. Por isso procurámos ver como vivem algumas comunidades.
Nos distritos de Mopeia, Murrumbala, Nicoadala, Namacurra, Mocuba, Ilé, Alto Molócuè e Gilé, atravessados pela Estrada Nacional Número 1 (EN1), notámos claramente que a população queimou quase toda a vegetação. Por detrás das queimadas está uma razão de sobrevivência: “caça de ratazanas para alimentação”.
Entrevistámos alguns cidadãos. Na primeira versão, ainda sob um olhar desconfiado, suspeitando que éramos agentes da Polícia, disseram-nos que queimavam as matas para aumentar as áreas de cultivo. Mas, ao longo da conversa, certificados que somos profissionais de comunicação social, abriram-se e contaram a verdade.
“Não temos comida, a terra não produz nada (como produzir sem fertilizantes?) queimamos as matas à procura de ratazanas para comer, nossos filhos estão a abandonar a escola por causa de fome”, disse Carlos Mucupua, residente no Posto Administrativo de Mugeba, distrito de Mocuba.
“Todos os anos quando chega esta fase, passamos muito mal para conseguir comida e por isso todos vão à caça”. Como é difícil ver onde ficam os animais, queimamos as matas para pegá-los com facilidade”, explica.
É neste processo de caça que a população perde o controlo do fogo que se alastra pelas matas, destruindo a vegetação indiscriminadamente e, por vezes, queimando casas, culturas nos campos agrícolas e animais domésticos.
Já no famoso cruzamento de Nampevo, parámos para interagir com a comunidade. Apurámos as mesmas dificuldades. A população produz numa determinada época, mas por falta de sistema de armazenamento é obrigada a vender tudo para que os produtos não apodreçam nos campos agrícolas. Depois chega a fome e a solução é entrar nas matas para caçar, sempre com recurso a incêndios.
Já no Posto Administrativo de Alto Ligonha, distrito de Gilé, visitámos algumas comunidades e destas ficámos a saber que quando chega esta época do fim dos produtos das colheitas da época agrícola anterior, tudo quanto resta, para a sobrevivência, é comer da caça e recolecção.
Uma anciã de 65 anos de idade, de nome Antonieta Geraldo, contou-nos, com lágrimas nos olhos, a sua história.
“Nunca tive filho. Desde que o meu marido morreu, há sete anos, passo fome, porque esta gente queima tudo incluindo os meus campos agrícolas”, conta-nos a idosa. A sua história é semelhante à de muitos anciãos locais.
As queimadas são cíclicas. A população chega até a queimar os poucos espaços em volta das suas habitações à procura de qualquer animal que por sorte apareça para lhes garantir a alimentação.
Este fenómeno, para além das demais implicações ambientais e económicas, é crime definido pela lei moçambicana. O Código Penal, no seu artigo 464º (Fogo posto em lugar não habitado) diz que “a pena será de prisão maior de oito a doze anos, se o objecto do crime for: 2º. – Seara, machamba, plantação, floresta, mata ou arvoredo”.
Esta prática é considerada, também, pela Lei do Ambiente ( N. 8 do artigo 1 da Lei n. 20/97, de 1 de Outubro,) como “degradação do ambiente” e punível por pena de prisão.
Mas a questão essencial acaba por ser esta: entre o que diz a lei e a fome o que se pode escolher?

(Aunício da Silva) 2010-10-29 07:24:00

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