sábado, 9 de outubro de 2010

Editorial. Quem cuida da “auto-estima” das nossas Forças Armadas?


Maputo (Canalmoz) - A ameaça dos piratas somalis que têm vindo a perturbar a navegação e actividades marítimas na costa oriental de África está a aproximar-se de Moçambique. O facto foi reconhecido na última segunda-feira ao Canalmoz/Canal de Moçambique pelo chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (CEMG-FADM), que garante que o nosso País vai usar “os meios de que dispõe” para defender as nossas águas territoriais e a nossa costa.
A Marinha de Guerra tanzaniana, de acordo com a Imprensa internacional, abortou a semana passada três tentativas de ataques a embarcações envolvidas na pesquisa de petróleo naquele país vizinho, numa região junto à fronteira com a província de Cabo Delgado, a norte de Moçambique, denominada Mtwara.
Perto de Mtwara, foi há pouco anunciado que também em território moçambicano há fortes indícios de existência de petróleo, faltando apenas confirmar-se se é economicamente viável explorá-lo.
“As Forças Armadas irão defender o país com os recursos que dispõem”, disse a propósito das últimas incursões dos piratas somalis na Tanzania, em entrevista exclusiva ao Canalmoz/Canal de Moçambique, o CEMG-FADM, general Paulino Macaringue,
Mas de que meios dispõem as nossas forças armadas para defenderem o nosso País se a ameaça dos piratas somalis descer até Moçambique? – Ficou por responder.
Moçambique tem uma costa de cerca de três mil quilómetros mas que se saiba as nossas FADM (Forças Armadas de Defesa de Moçambique) não têm mais do que uns barquitos de borracha com motores fora de bordo e uns fuzileiros navais que não estarão certamente à altura de defender o País de uma ameaça como a que se está a alastrar há anos desde a Somália, e agora está quase a bater-nos às portas. “Sem ovos não se fazem omeletas”. Sem meios de nada valem os nossos militares.
Temos já nas proximidades das nossas fronteiras a Norte quem pode realmente pôr em causa os interesses nacionais, pondo designadamente em causa a procura dos nossos portos comerciais que servem não só o nosso País como os vários mercados no hinterland.
Não tendo o País umas Forças Armadas apetrechadas, quem tem “governado” o País – os sucessivos governos que falam de auto-estima e de patriotismo – não têm o direito de nos desmentirem se dissermos que não têm sabido fazer equivaler aos seus “bonitos” discursos algo que corresponda à sua prosápia e arrogância.
Um país sem Forças Armadas à altura das suas reais necessidades de defesa contra ameaças externas, é como um curral de vacas à mercê dos leões.
As nossas forças armadas estão sujeitas a quando chegar a hora da verdade revelarem-se incapazes. Umas Forças Armadas que não têm capacidade para reagir à mais pequena ameaça externa, servem para quê? Quem pode aceitar que se permita a vergonha das nossas Forças Armadas?
Os sucessivos governos que temos tido não tiveram o cuidado de prevenir que o País disponha de Forças Armadas que sejam realmente operacionais e úteis. Pergunta-se: de quem é a culpa?
O chefe do Estado-Maior das FADM também falou à imprensa em geral da polémica que a Renamo vem alimentando há anos sobre o incumprimento dos termos do Acordo Geral de Paz relativamente ao compromisso de Roma quanto aos efectivos militares das forças armadas integrarem Homens da Frelimo e Renamo em partes iguais (50%+50%). Ainda hoje, 18 anos depois do Acordo Geral de Paz, continua-se a crer que as Forças Armadas estão partidariazadas pese embora nos discursos oficiais se procure desmentir tais análises. Mas para além da polémica subsiste a preocupação de nos vermos desprotegidos quando surgem ameaças externas, apesar de termos ao que chamamos Forças Armadas de Defesa e Segurança. Porquê? Não será mesmo porque quando se pensa em Forças Armadas quem de direito pensa apenas em ter quem defenda um grupo de pessoas sem pensar em dar a essas mesmas forças armadas uma dimensão ajustada ao imenso País, ajustada à imensa costa por defender e às necessidades reais de defesa de todo um Povo?
O que nos importa, no entanto, aqui salientar é que na circunstância em que veio dizer-nos que as FADM estão de facto despartidarizadas apesar da retórica da Renamo, o chefe do Estado-Maior argumentou que “hoje não estamos amarrados a ter que ficar nos trinta mil homens, estamos amarrados àquilo que o Comandante-em-chefe (Chefe de Estado) entender que (as forças armadas) devem ser para garantir a defesa do país”.
O Comandante-em-chefe “pode aumentar, pode reduzir. Foi fixado esse número, mas depois o governo eleito pode determinar o número que quiser”, concluiu o chefe do Estado-Maior das FADM.
As citadas declarações do general Paulino Macaringue, quando ele diz que cabe ao Comandante-em-chefe entender e decidir se as forças armadas devem aumentar ou reduzir, servem tanto para uma questão como para outra. Valem tanto para argumentar no caso dos protestos da Renamo quando esta diz que a Frelimo está a influenciar as chefias das FADM para estas partidarizarem as forças armadas excluindo os homens que participaram na guerra civil pelas suas fileiras, como serve também para o caso de termos ou não capacidade de resposta contra ofensivas externas, designadamente de “piratas somalis”.
Estando claro que quando o general diz que responderemos com os meios que temos, não temos forças com meios capazes de responder aos piratas somalis, e é caso para usarmos da mesma argumentação do general Macaringue para concluirmos que a exclusiva responsabilidade de não termos forças armadas em número e com capacidade capaz de responder às necessidades do País cabe ao Comandante-em-chefe que é o mesmo que dizer-se ao Chefe de Estado, ou ainda o mesmo que dizer-se ao presidente da Frelimo ou ao seu antecessor.
É portanto o general Macaringue quem nos faculta a oportunidade de perguntarmos publicamente ao Comandante-em-chefe das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique, logo das FADM, se está ciente do que se está a passar com a nossa Marinha de Guerra e se é capaz de garantir aos moçambicanos, especialmente aos das zonas em vias de virem a tornar-se em breve nas mais vulneráveis à pirataria somali, que o País dispõe de forças capazes de responder à ameaça que se aproxima.
Claro que não temos, nem pouco mais ou menos, forças armadas com capacidade para garantir que a resposta moçambicana seja ao menos equivalente à que as forças tanzanianas foram capazes de dar aos piratas somalis, ao largo de Mtwara.
Mas é curioso que as FADM tiveram capacidade para intervir contra a população no decorrer das manifestações de 1 a 3 de Setembro último em Maputo e Matola. E intervieram também porque as diversas forças policiais foram solicitadas mas não deram conta do recado.
É caso para insistirmos que estamos preocupados com o rumo que os sucessivos governos vêm dando ao país. Na hora da verdade apercebemo-nos de que as instituições estão dimensionadas para servir certas pessoas que por se terem envolvido militarmente na luta pela Independência Nacional se julgam donas do país e com direitos sucessórios, direitos hereditários. Todas as instituições, em vez de serem projectadas para servirem os cidadãos, são dimensionadas para alimentar um punhado de interesses restritos como se todos os outros cidadãos não sejam gente deste País. Por isso perguntamos: Quando é que os moçambicanos que só têm pátria e não são “brasonados” começam a ser considerados?
De que nos vale andarmos a pagar impostos avultados e vermos, quando a nossa dignidade está realmente em causa, que não existem meios para nos evitar pelo menos situações ridículas?
Será que podemos acreditar que as pessoas que andam sempre a falar da “nossa dignidade” estão realmente preocupadas com a dignidade nacional, a dignidade moçambicana, quando as forças armadas do país se vêem na contingência de saírem ridicularizadas por míseros piratas navais?
Perante uma ameaça que carece de forças armadas à altura, verificamos que elas apenas dispõem de barquitos insufláveis e por isso mesmo facilmente susceptíveis de porem em risco a vida dos militares que são chamados a defender a pátria.
Quem pode calar perante um Comandante-em-chefe que permite que nos envergonhemos de forma tão ridícula perante uns piratas que não passam de pindéricos assassinos?
Agora é a nossa vez de apelar para que os senhores que andam sempre a falar de “auto-estima”, percebam de que de nada lhes valerão os Mercedes-Benz blindados e os helicópteros se tivermos umas forças de Defesa e Segurança sujeitas a fazerem figuras tristes na hora da verdade. Com barquitos insufláveis até um espinho de mikaia é suficiente para acabar com tanta arrogância. É difícil perceber isto?

(Canalmoz/Canal de Moçambique) 2010-10-08 07:44:00

Sem comentários: