domingo, 17 de outubro de 2010

"Vão matar-me", avisou angolano que morreu ao ser deportado


Domingo, 17 Outubro 2010 12:57

Londres - Jimmy Mubenga vivia desde 1994 em Londres. Foi dominado à força já no avião que o levaria a Luanda. Deixou de respirar pouco depois.

* João Manuel Rocha
Fonte: Publico CLUB-K.NET

A batalha de quatro anos para ficar no Reino Unido, onde refizera a vida, estava perdida. Mas, para Jimmy Mubenga, angolano de 46 anos, o pior chegou na noite de terça-feira: já a bordo de um avião da British Airways, gritou que não podia respirar, que não queria voltar. Os seguranças privados ao serviço do Governo de Sua Majestade terão pensado que seria um expediente para atrasar a expulsão e abafaram as queixas e protestos de modo violento. Foi declarado morto cerca de uma hora depois, num hospital de Londres.


Jimmy Mubenga, há 16 anos a viver no país, já estava sentado, entre dois seguranças, na cauda do aparelho que, no aeroporto de Heathrow, se preparava para iniciar o voo 77, com destino a Luanda, quando falou pela última vez com a mulher, por telemóvel, escreveu o diário Guardian. Makenda Kambana tem presentes as palavras do marido no último contacto que fora autorizado a fazer: "Não sei o que vou fazer, não sei o que vou fazer", repetiu. Depois, recorda, disse: "Ok. Desliga, que eu ligo-te de volta". Não chegou a fazê-lo.

Kevin Wallis, engenheiro de petróleos em Angola, um dos passageiros do voo que acabaria por ser cancelado, viu Jimmy sentado entre dois seguranças da G4S, empresa de segurança que trabalha para o Ministério do Interior, "que o empurravam para baixo". Quando o angolano, homem possante, algemado, tentava levantar-se, um terceiro, à sua frente, pressionava-o também. "Não quero ir", gritava. "Vão matar-me", ouvia-se.

"Repetia que não conseguia respirar e esteve o tempo todo a gemer, claramente em sofrimento", durante pelo menos dez minutos, antes de perder a consciência, referiu Wallis. Ben, 29 anos, também engenheiro, calcula que os três seguranças estiveram cerca de 45 minutos em cima de Mubenga.

Outra testemunha, Michael, 51 anos, confessou-se ontem ao jornal incomodado por não ter reagido aos pedidos de ajuda de Mubenga aos outros passageiros. "Tenho quase a certeza de que morreu por asfixia", referiu este passageiro, que contactou o Guardian via Twitter. "Não tenho a certeza de ele ter tido a atenção de alguém antes de os médicos entrarem a bordo, e isso aconteceu 15 a 20 minutos depois de tudo ter ficado silencioso. Talvez alguém pudesse tê-lo reanimado, se tivessem perguntado", acrescentou.

A G4S referiu que detido se "sentiu mal" quando estava a ser escoltado. E os serviços fronteiriços do ministério disseram quase o mesmo: que o cidadão "adoeceu", versão que Kevin Wallis considera "um disparate absoluto". A polícia britânica desencadeou um inquérito oficial.

Benjamin Ward, da Human Rights Watch, disse ao PÚBLICO que é importante fazer uma "investigação independente", que não se limite a este caso, mas olhe para "as políticas e as práticas do Governo e das empresas" de segurança privadas, bem como para a preparação dos elementos que lidam com deportados à força.

Foi há quatro anos que a vida do casal, que residia desde 1994 no Reino Unido, actualmente em Ilford, Noroeste de Londres, se complicou. Jimmy Mubenga, descrito pela mulher como "um homem de família", de quem toda a gente gostava, pai de cinco filhos, entre os 16 anos e os sete meses, foi condenado a dois anos de prisão por agressão durante uma rixa, num clube nocturno. Cumprida a pena, foi levado para um centro de detenção de imigrantes, de onde foi entrando e saindo enquanto procurava evitar a deportação. Já este ano passou sete meses em liberdade. Mas no final de Agosto o Supremo Tribunal negou a reapreciação do caso e as hipóteses de asilo esfumaram-se. Algumas semanas depois, os serviços de imigração foram buscá-lo e na terça-feira seguiu para Heathrow.

Mubenga estava preocupado com a situação da família e também com a sua segurança em Angola. "Queriam matá-lo e receava, se fosse, não voltar a ver os filhos", disse ao mulher. O advogado referiu ao Guardian que o angolano, que trabalhava como motorista de camião, fora um líder estudantil que rompeu com o regime de Luanda e teve de deixar o país. Mas contactos feitos pelo PÚBLICO não permitiram confirmar essa situação.

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