sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Editorial. Frelimo com pressa de alterar a Constituição, porquê? de quem ainda vê “santos” onde os “diabos” há muito reinam


Maputo (Canalmoz) - Recorrendo à sua maioria qualificada, de mais de três quartos da Assembleia da República, que está a destapar, mais uma vez, como parece evidente, a sua verdadeira tendência para impedir a construção de um verdadeiro Estado de democracia participativa, e a demonstrar a apetência de um grupinho de pessoas colocar-se acima dos cidadãos do País, o partido Frelimo acaba de patrocinar uma nova onda despesista, ao impor, esta última segunda-feira, no primeiro dia da 2.ª Sessão da 7.ª Legislatura, uma Comissão ah-hoc com custos iguais às outras ou superiores, para revisão da Constituição. Mais uma comissão que custa muitos milhões de meticais e que muita falta irá fazer, certamente, noutros lados...acentue-se.
Em tempo de “crise económica”, com milhões de bocas à espera de pão para enganar o estômago no seu dia-a-dia de desespero; com o povo, mesmo o que tem emprego, a protestar pelas esquinas contra a subida dos preços de tudo (de 1 a 3 de Setembro foi o segundo aviso), a pressa de alterar a Constituição, que a Frelimo não está a conseguir esconder, já despertou a opinião pública mais dada a andar atenta aos malabarismos políticos e, neste momento particular, ao jogo interno entre as alas do Partido Frelimo numa disputa com contornos francamente curiosos e interessantes.
As especulações, entretanto, já começaram. Sobretudo porque ainda está quente o tema das recentes demissões de quatro ministros, três dos quais que já se diz não terem sido os últimos a ir com as malas às costas, bem entendido por força deste autêntico desastre que está a ser este início do segundo e já assumidamente o último mandato de Armando Guebuza na Presidência da República, na Chefia do Governo e como Comandante-em-chefe das Forças Armadas de Defesa e Segurança, mas ainda rodeado de veleidades bem à maneira de quem fez do acasalamento dos negócios com a política o seu modo de vida e da sua família.
Ao desastre que vem sendo a governação deste elenco, acresce agora mais um redundante disparate, desta feita do ministro dos Transportes e Comunicações – bem entendido o seu já célebre e absurdo Decreto n.º 38/39 – o tal dos registos de utentes dos números de telemóvel – tendente a violar o preceito constitucional que prevê a inviolabilidade da correspondência e a privacidade dos cidadãos (como se o sms não fosse um serviço de correio) – e das contribuições para o Fundo de Desenvolvimento dos Transportes e Telecomunicações (FTC).
Os dois partidos na oposição parlamentar – Renamo e MDM – protestaram contra a criação da comissão ad-hoc para se rever a Constituição, mas de nada valeram os seus apelos para que se deixasse isso dando-se prioridade à grande questão de momento que é salvar o Povo da morte lenta causada pela carestia de vida induzida pela tremenda má governação a que se tem estado a sujeitar o País, como o comprovam os exemplos, entre eles as mais recentes estatísticas sobre a pobreza e o acentuar das assimetrias regionais e sociais.
Alertada pela Oposição do facto da grande prioridade ser poupar dinheiro como também minimizar-se antes de mais a onda de fome suscitada pela pobreza que nos últimos anos tem estado a crescer não só em Maputo como em todo o país (apesar do espectáculo sobre o “combate à pobreza absoluta”), a Frelimo nem mesmo assim foi capaz de usar de sensatez para recuar e deixar para melhores dias uma eventual revisão da Constituição.
O irredutível posicionamento do Partido Frelimo, obviamente que está a suscitar que se comece a perguntar: porquê tanta pressa?
As hipóteses são, evidentemente, várias, mas a Frelimo deixa transparecer que está numa tremenda crise interna em que a luta entre alas obriga a ala presentemente preponderante a rever a Constituição em defesa dos seus interesses de grupo, antes que depois tudo se complique.
Temos assim um Estado pervertido e à mercê de quem já há muito perdeu o sentido de Estado embora traga esse refrão sempre na ponta da língua quando se trata de desqualificar outros compatriotas que tenham outro tipo de opinião sobre várias matérias de interesse nacional.
E dizemos isto porque nos estão a chegar informações que indicam, por exemplo, que a “grande jogada”– é assim que a qualificam – da “ala de Armando Guebuza” é de facto admitir que o actual presidente do Partido deixe a chefia do Estado, deixe de ser candidato, mas se arranje um “truque” para que se mantenha no poder.
O presidente Guebuza já disse e repetiu que não será mais candidato e Margarida Talapa, chefe da Bancada da Frelimo acaba de reafirmar, esta semana, na Magna Assembleia da República, que a revisão da Constituição não será para acomodar mais um mandato do seu chefe. Mas é aqui precisamente que começa a história da tal “grande jogada”.
Qual?
A ser verdade, é espantosa a habilidade. Mas a ser verdade vai ser sobretudo agradável de seguir como as alas se desenvencilharão na sua luta pelo controlo da “árvore das patacas” que ao que tudo indica supera agora o interesse nacional ao mesmo tempo que aconselha os demais cidadãos a estarem bem atentos antes que seja tarde demais para Moçambique.
Estão a dizer-nos que a tal “grande jogada” é o senhor Armando Guebuza conseguir impor-se no próximo Congresso do seu Partido de novo como líder da Frelimo, fazendo-se suceder a ele próprio. E nesta ordem de ideias as alterações à Constituição, entre eventuais outras para “mudar a estrutura burocrática do país” e a conduzir para uma “justiça mais célere”, como afirmou Talapa na segunda-feira, passariam por ser: acabar com a eleição do Presidente da República, passar-se a eleger o presidente pelo Parlamento mas para este posto passar a ser de um “corta-fitas”, ao mesmo tempo que se criaria o posto de Primeiro-ministro com todos os poderes e mais alguns, também designado pelo partido maioritário na Assembleia da República. Todos amarrados, bem entendido, pelo presidente do partido.
Sem candidato à altura de convencer o eleitorado nas próximas eleições, bastaria assegurar a maioria da Frelimo no Parlamento (aparentemente mais fácil desde que bem controlada a CNE e o STAE) e depois garantir dois “manequins” teleguiados da sede do Comité Central presidido por quem no seu íntimo não subestimará o francesismo “L’Etat c’est moi”. Lá estaria ele com os seus negócios de vento em poupa e a mandar em tudo a partir do trono na Sommerschild.
Veremos o que vai acontecer.
Veremos se a luta de interesses no XI Congresso que se aproxima, vai dar certo com as contas guebuzianas ou se a juventude vai dizer não ao projecto da sua eternização à frente da Frelimo.
O que parece seguro para já é que para a Frelimo uma Renamo adormecida e um MDM a não dar sinais de que está na hora de acelerar o passo, pode parecer ideal, mas na prática o que está a suceder é que para uma organização como a Frelimo, que nunca aprendeu, nem sabe, nem consegue viver sem “inimigos”, a ventania dentro da sua casa pode-se transformar num ciclone ou até mesmo um tornado de que só terá a ganhar Moçambique com mais democracia. E se assim for, quem não souber aproveitar o novo “momentum” histórico pós Roma, que depois não se queixe.
Isto está-se a por bom de seguir. Aguardemos pela evolução da novela. Deve valer a pena estar-se atento aos próximos episódios. Não assustem é os investidores nacionais e internacionais, como bem pede Margarida Talapa sem se ver certamente bem ao espelho. Mais pão, mais oportunidades para os governados e menos arrogância, para já parece ser uma boa forma de não ser preciso tentar deitar poeira nos olhos de quem ainda vê “santos” onde os “diabos” há muito reinam. (Canalmoz / Canal de Moçambique) 2010-10-22 07:18:00
Imagem: serventuario.com.br

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