Maputo (Canalmoz) - Economistas, professores catedráticos e outros investigadores provaram com dados concretos que os moçambicanos, pelo menos para já, estão a ser prejudicados com a exploração dos recursos naturais disponíveis no País. É visível a olho nu que o gás explorado em Inhambane, o carvão explorado em Tete, as areias pesadas que eram retiradas em Gaza e as que estão em exploração em Moma, na província de Nampula, não beneficiam a quem é das zonas onde hoje em dia ocorre a exploração desses recursos. E também continuamos a ter um orçamento do Estado parasita. Mas será que, a certo nível, não há quem está a usufruir e a tirar benefícios encobertos? Certamente que deve haver. É impossível que não haja pato escondido com rabo de fora.
Aqueles que era suposto beneficiarem da exploração dos recursos naturais – para que a euforia pela ‘auto-estima’ deixasse de ser um discurso sem substância – esses estão, de dia para dia, a fermentar a sua indignação.
A semana passada, em Tete, economistas reputados da praça mostraram que afinal, para além de não haver benefícios, as comunidades locais onde os recursos do País estão a ser explorados, estão a sair prejudicadas.
As pessoas estão a ser expulsas das suas zonas habituais de residência para no local serem implantados os mega-projectos. Nos novos espaços para onde são encaminhadas as comunidades, não há o mínimo de condições criadas. Não há escolas, não há serviços de saúde, não há arruamentos, não há emprego e já não se pode praticar a agricultura porque nos campos onde as pessoas cultivavam agora estão minas de carvão e mais virão.
O professor João Mosca e o economista Thomas Sulemane, no seu estudo sobre a exploração de carvão em Tete, constataram que a situação nas áreas de reassentamento é equiparada ao “pior das aldeias comunais” [concentrações populacionais do tempo do ‘socialismo-científico’]. Isto dito por académicos, independentes de qualquer poder político, tem um peso irrecorrível.
Mas não são só os estudos que provam que a exploração de carvão está a começar muito mal para as comunidades locais. Os depoimentos dos próprios nativos de Tete e ali residentes desde sempre, provam que a preocupação é para se levar muito a sério.
Como já temos vindo a referir nos nossos editoriais, o facto das comunidades locais e as elites locais estarem a ver os outros entrarem-lhes pela casa a dentro sem que eles sintam que o desenvolvimento lhes esteja a trazer algum benefício, deixa a fermentar uma raiva perigosa.
Já sabíamos que as elites locais chamavam e chamam às elites da capital do País os “novos colonos” e que nas províncias já se começa a chamar a Maputo “a capital das colónias”. Agora isso aparece-nos confirmado por especialistas.
Os que vão de Maputo, embora também moçambicanos (não de Tete) são chamados de “forasteiros” que “vêm explorar os nossos recursos”. Noutras províncias sente-se também a mesma indignação por nada ou muito pouco sobrar para os locais.
O presidente da República, do seu pedestal, na “reunião de quadros” do Partido Frelimo, no último fim-de-semana na Matola, saiu-se a dizer que as riquezas são de todos, não são de quem vive nas zonas onde há recursos. Foi pena que o empresário de sucesso Armando Guebuza não percebesse que esse mesmo discurso era usado com a mesma semântica pelos colonialistas de que ele próprio fez o que pôde para se livrar. Mas recordar-se-á certamente tão ilustre cidadão que ao menos os portugueses que administravam esta nossa chamada “Pérola do Índico” levavam daqui as matérias-primas, mas traziam de volta pelo menos parte para aqui lhes ser ainda acrescentado algum valor? A indústria que havia, prova isso inequivocamente. Hoje essa industria está destruída ou convertida em armazéns comerciais. Hoje, o Governo não se preocupa com os benefícios para as populações e não dá oportunidades às elites locais, como nos provaram os investigadores, em Tete, onde foram dizer coisas “novas”, mas há muito faladas entre dentes, ou como se diz também: “à boca pequena”.
O professor Carlos Nuno Castel-Branco apresentou em Tete um outro estudo que comprova que o Estado está a ser lesado com a forma como os mega-projectos estão a ser explorados. E não foi a primeira vez que o disse. Ninguém do Governo quer ouvi-lo, com excepção do Governador do Banco Central, Ernesto Gove, que como muitos deputados da oposição têm defendido, também é a favor da revisão dos contratos dos mega-projectos.
Os dados apresentados em Tete revelam que o Estado perde anualmente o equivalente a 20% do orçamento do Estado corrente, através das isenções fiscais aos mega-projectos. Isto é inconcebível num País que depende de ajudas e créditos externos para pôr a sua economia a andar.
Quando se confirma que o Estado perde anualmente entre 400 e 500 milhões de dólares com “incentivos” que concede aos investidores (excluindo fugas ao fisco), estamos perante números que podem esconder muita corrupção, coisa que Castel-Branco não disse mas nós não podemos deixar sem reparo.
Disse-se, no entanto, em Tete, que “dados do Banco de Moçambique mostram que em média apenas entre 3% e 5% dos lucros do capital privado internacional são reinvestidos em Moçambique, e que cerca de 1 bilião de dólares são repatriados (para fora da economia nacional) todos os anos”. É caso para perguntarmos se será mesmo que não vai algum para contas em off-shores de alguns senhores que não se cansam de falar de patriotismo e a que dão eco funcionários subservientes que só sabem pedir calma a quem sofre sabendo que nas suas barbas já há quem esteja a facturar sem suar um gota de esforço julgando até que tem direito a carrões de super-luxo para que não lhe doam os rins e as costas nas visitas aos distritos…
Os que estão à frente da direcção do Estado optam em sacrificar o povo, para ganhos obscuros, é só o que se pode imaginar perante o quadro escandaloso que nos foi dado a conhecer por reputados estudiosos em Tete.
O exemplo de Tete não é exclusivo daquela província. Refilar contra estas coisas indecentes a que todos estamos a assistir não é ser-se tribalista, nem regionalista. É antes ser-se realmente patriota e não um papagaio.
Alguém seguramente beneficia enquanto o povo sofre!
Outro dado interessante de notar é que em Tete, nem o empresariado local beneficia das oportunidades de negócios com os mega-projectos. Todos os que lá fazem negócios avultados com os mega-projectos ou vêm de fora do País, ou vão de Maputo. Isto tem consequências drásticas para a estabilidade do País. É difícil resistir quando se é pobre, mas é ainda mais difícil não se explodir quando se nota que existe quem se beneficia da nossa pobreza.
Não são discursos de apelo à paz que irão manter a estabilidade social no País, nem imagens de tempo de guerra reproduzidas na televisão irão manter as pessoas caladas diante de injustiças deste tamanho. É preciso que haja justiça social. É preciso que haja oportunidades para todos. É precioso que os recursos do País beneficiem a todos os moçambicanos, das províncias onde estão localizados os recursos e das demais províncias do País.
O que não se deve é continuar calado perante um grupinho de pessoas, que tem o poder de controlar o Estado, e tudo indica que com a conversa de que são insubstituíveis só vão usurpando tudo o que é do povo, em benefício pessoal.
Uma catástrofe poderá surgir neste País se isto continuar. O único culpado será aquele que se sacia com o suor do povo a pensar que é o único esperto que tem direito a beneficiar das riquezas nacionais. Quantos são? E até quando a calma vai existir? (Canalmoz / Canal de Moçambique)
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