Para onde têm levado
as crianças?
Desaparecimentos e
raptos preocupam a sociedade
O número de crianças, adolescentes e jovens
desaparecidos, em Luanda, cresce a cada dia que passa. Em quase todos os
bairros de Luanda há um caso de crianças desaparecidas ou que sofreu tentativa
de rapto.
Maria Kiluanji
SEMANÁRIO ANGOLENSE
A reportagem do SA efectuou uma ronda por alguns
bairros periféricos de Luanda e constatou que em 10 famílias, pelo menos uma
relatou um ou mais casos de tentativa de rapto de crianças e adolescentes,
alguns deles consumados, o que deixa preocupado alguns pais e encarregados de
educação que nada sabem sobre o paradeiro real desses menores indefesos.
António de Sousa, morador do bairro do Cazenga, disse
que a sua sobrinha de oito anos foi roubada por uma cidadã que pretendia
tê-la em casa como sua criada (exploração de trabalho infantil).
Depois de alguns dias desaparecida, o nosso
interlocutor disse que a cidadã manteve a menina em cárcere privado por mais de
um mês. A raptora foi apanhada no aeroporto quando tentava viajar, com a
criança, para a província de Cabinda. A apreensão da mesma foi possível graças
a intervenção de um vizinho que se encontrava naquele momento no local e reconheceu
a criança desaparecida e denunciou de imediato às autoridades presentes.
Segundo o senhor António, esta situação ocorreu há
cerca de três meses. A família, que viveu dias bastante dramáticos com o
desaparecimento da criança, está agora aliviada. «Graças a Deus, a miúda foi
salva», suspirou.
O
SA conversou com outros familiares de vítimas desses crimes e disseram que os
criminosos actuam normalmente no período da tarde quando se apercebem que os
seus progenitores não estão presentes. «Os principais locais de actuação são as
escolas, igrejas e a via pública, aliciando os menores com guloseimas, brinquedos,
entre outros», afirmaram.
Recém-nascido roubado
Em Setembro do ano passado, soube o SA de fonte
familiar, uma criança recém-nascida, com apenas um dia de vida, foi raptada no
bairro do Sambizanga, por uma cidadã desconhecida que aparentava ser de
nacionalidade congolesa. A triste história comoveu, na altura, todas as pessoas
que a ouviram.
Hilário Manuel, o pai do bebé roubado, contou ao SA
que tudo aconteceu na manhã do dia 9 de Setembro, um dia depois da sua esposa
dar à luz, num domingo, no centro hospitalar de Cacuaco. Como não havia vacina
disponível, a criança teve que regressar ao hospital na segunda-feira para ser
vacinada. De acordo com Hilário Manuel, a esposa pediu à uma vizinha de 17 anos
para levar a criança à vacina porque encontrava-se sozinha em casa e o esposo
estava de serviço.
Depois do recém-nascido receber a vacina, a menina
ia em direcção ao táxi quando foi abordada por uma mulher que aparentava estar
grávida. Esta explicou que precisava levantar dinheiro num banco local e pediu,
com muita delicadeza, que lhe desse a criança no sentido de ser atendida com
mais facilidade já que senhoras com bebés ao colo têm prioridade nos bancos e
não só. Sem qualquer desconfiança, a menina entregou o bebé à mulher que, em
seguida, se dirigiu para um dos bancos de Cacuaco.
Minutos depois a mulher saiu do banco e disse à jovem que não
conseguira levantar a quantia que pretendia porque o banco não tinha dinheiro
suficiente e devolveu a criança. Entretanto, tentava convencer a jovem a
acompanhá-la à uma outra agência bancária mas esta recusou alegando que a
criança precisava alimentar-se.
A suposta congolesa continuou a insistir até que ambas entraram no
mesmo táxi. Quando chegou ao destino, a moça pediu que o taxista parasse mas
aquele, apenas parou na paragem do entreposto aduaneiro no distrito urbano do
Sambizanga, onde havia uma agência bancária. Ante a insistência e pressão da
mulher, a rapariga voltou a dar-lhe a criança. A raptora entrou na referida
agência e não voltou.
Desleixo na investigação
Assim começou o drama da menina e dos familiares da
criança em causa. A jovem adolescente entrou em pânico ao ver que a senhora já
não estava no banco e foi directamente prestar queixa à esquadra mais próxima.
Ali, a adolescente foi detida pelos agentes que receberam o caso. Segundo
informações, a jovem ficou detida durante uma semana na esquadra para interrogatório,
enquanto que a criminosa estava em fuga com o bebé alheio.
O pai do bebé roubado foi várias
vezes àquela esquadra de Polícia em que o caso estava a ser tratado, para
pressionar a Polícia para que fossem aos bancos onde a raptora entrou, no
sentido de colher a imagem real da mesma para facilitar as buscas, porém sem
resultado.
Hilário Manuel contou ainda
que depois do desaparecimento do bebé, os vizinhos do bairro e familiares
ajudaram a distribuir e colar nas paredes a imagem do bebé, assim como fizeram
anúncios e andaram, gritando em megafones, por quase todos os bairros do
Sambizanga e Cacuaco, na esperança de encontrar alguém suspeito ou com uma
criança nova. Apesar do esforço nada conseguiram.
Só depois de 15 dias é que a
polícia entrou em contacto com a direcção das duas agências bancárias, mas sem
qualquer resultado porque, na primeira agência as câmaras não estavam a
funcionar na altura e, na segunda, as câmaras de vídeo são programadas de
semana em semana, o que significa dizer que a polícia falhou no seu trabalho
de investigação pela demora.
O pai do bebé está
desesperado e disse que todas as possibilidades de encontrar o seu filho foram
esgotadas. O cidadão culpa também a fraca actuação do comando da Polícia do
Sambizanga que tratou um caso de roubo de um ser humano, recém-nascido, com morosidade
e desleixo. Triste, afirma que a sua vida e principalmente da esposa, já não é
a mesma desde que aconteceu o desaparecimento do filho, uma vez que o sentimento
de culpa reina no seio da família, com incidência para a mãe que está
traumatizada.
O pai, Hilario Manuel, disse
que durante estes meses a polícia nunca contactou a família para pelo menos
dizer como anda o processo ou se já tem alguma pista da criança. Quase cinco
meses depois, há cerca de duas semanas, é que teve contacto com o retrato
falado da raptora e foi-lhe informado que o caso está sob responsabilidade da
Direcção Provincial de Investigação Criminal que criou um departamento que
cuida dos casos de crianças desaparecidas e supostamente raptadas. Com os
sentimentos literalmente destroçados, desesperado, o pai do bebé apenas
aguarda esperançoso que a Polícia encontre o seu rebento e a criminosa pague
pelo crime e pelos danos causados à família e à sociedade.
O SA contactou o chefe de investigação
do comando municipal da Polícia Nacional no Sambizanga que escusou-se a falar
por se tratar de um caso que está sob investigação.
Psicóloga aconselha
E a psicóloga Ana Chanu,
disse que esta família, principalmente a mãe, precisa de um acompanhamento
especial e de receber um tratamento psicológico tendo em conta a situação
traumática que vive. «Os familiares devem apoiá-la de forma a não deixar que
se culpe por pedir à vizinha que levasse o bebé à vacina, o que resultou no
seu desaparecimento».
Ana
Chanu afirma que é possível ultrapassar este trauma se os familiares e a
sociedade apoiarem-na com terapias que ajudem a superar esta situação.
Jovem
universitário sumiu sem deixar rastos
Eduardo de Jesus Pereira
Vigário, de 25 anos de idade, estudante universitário, desapareceu desde o
passado mês de Setembro de 2012.
A irmã mais velha contou que
Eduardo (Edú) como é carinhosamente chamado pelos seus familiares e amigos, desapareceu
na noite do dia 1 de Setembro quando saia de um passeio com amigos e primos, no
município de Viana. Desde aquela noite, o jovem Eduardo Vigário nunca mais
apareceu, explicou com lágrimas nos olhos Júlia Vigário.
A irmã da vítima referiu que
todas as tentativas para encontrar o seu irmão, vivo ou morto, foram feitas,
mas frustradas.
A família continua a perguntar
onde estará o Edú, o que fizeram com ele e se estará vivo ou morto, mas as
respostas tardam.
A cidadã contou ainda que o
caso foi entregue à Polícia de Investigação Criminal na altura mas até ao
momento há apenas a promessa de que estão a trabalhar para encontrar o seu
irmão mais novo. A família e amigos já procuraram nas casas mortuárias, valas
comuns, cadeias, esquadras policiais e até viajaram por algumas províncias do
país com esperança de encontra-lo vivo, ou mesmo morto, para pelo menos acabar
com o tormento que não deixa em paz aquela família de cinco irmãos.
Dona Júlia garante que confia
em Deus e tudo vai fazer para trazer de volta o seu irmão cassula, que teve
muitas dificuldades para chegar onde chegou.
Os familiares, vizinhos, amigos
e colegas do jovem pedem às autoridades competentes que não parem de investigar
este caso, uma vez que o jovem tinha tudo para contribuir no desenvolvimento do
país.
Mais um caso
Quando se estava a elaborar
esta matéria, chegou-nos à redacção o caso de uma criança do sexo feminino, de
seis anos de idade, no bairro Palanca, que desaparecera de casa dos seus pais
por duas semanas. Depois de tanto procurar em todos os lugares possíveis, a
criança foi descoberta na casa de uma vizinha proveniente do Congo que a
mantinha escondida. A prevaricadora já se encontra a contas com a justiça.
Comandante-geral da PN
Numa
conferência de imprensa realizada esta semana pelo Comando Geral da Polícia
Nacional por ocasião do 38º aniversário da corporação, respondendo a uma pergunta
da repórter do SA em relação aos casos de crianças e jovens desaparecidos, o comandante-geral
da PN, Ambrósio de Lemos, adiantou que «todos os casos que chegam ao Comando
Geral tem tido tratamento devido, uma vez que são casos que merecem muita
atenção, inteligência e paciência por parte dos familiares das vítimas». Para
o comandante, «os números de casos de pessoas desaparecidas e presumivelmente
raptadas não são assustadores» e acrescentou que «muitos deles são praticados
pelos próprios familiares».
SEMANÁRIO
ANGOLENSE. Edição 554 de 01 de Março de 22014
Imagem: pt.dreamstime.com
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