quinta-feira, 12 de junho de 2008

Cultura Tradicional Bantu (V)


Os Quimbundos de Luanda conhecem os «quituta» que vivem nos rios, bosques, rochas, fontes. Podem aparecer em forma de cobra com chifres ou de monstro horrível e encarnar através do pai ou da mãe. Também acreditam nas «quiandas», sereias que aparecem na forma de pessoa, costumam ocasionar deformações físicas.
Os génios fixam o seu habitat em lugares e árvores especiais. Para vários angolanos, alguns embondeiros gigantes, os baobás, ficam sacralizados com a presença de génios bons e protectores, e constroem ao pé deles pequenas cubatas-santuários onde lhes oferecem culto. Era frequente dependurar os cadáveres dos feiticeiros dos seus ramos, para que os génios impedissem as suas acções nefastas.
Controlam muitos lugares da natureza, quando habitam neles, bem como as actividades humanas nesse meio.
Há génios no ar, na chuva, na tormenta, no fundo da terra, nas selvas, lagos, rios, nas nascentes, na caça e pesca, nas culturas, viagens, estepes e até nas enfermidades misteriosas.

Também é certo que, depois duma história de guerras, epidemias, fomes, escravidão e enfermidades endémicas, já se habituaram a morrer. A mortalidade é tão elevada e a morte tão imprevista que se lhes tornou familiar. «Esta familiaridade com a Morte é também uma herança africana».
Fatalismo irremediável, resignação, gozo pela passagem, diminuição do ser, mistério e absurdo, desgraça, impotência, transtorno social, consumação, nova realização individual e comunitária, revolta perante um violento desastre antinatural, segurança, receio? Nenhuma destas definições esgota o sentimento bantu ante a morte, mas parece que, no seu conjunto, a definem.

Causas da morte
Os assassinatos são muito raros. Abunda todavia a vingança mortífera do veneno. A maioria das mortes derivadas de consultas ao adivinho são provocadas por fulminantes drogas venenosas.
A origem mais é a feitiçaria. O bantu acredita que algum membro da comunidade, dotado de poderes mágicos ou que deles se apoderou, fulmina a vítima e permanece oculto.
Os familiares do morto recorrem ao adivinho para que descubra o feiticeiro criminoso. O adivinho apresenta um espelho, uma faca e uma cabaça com água, em cujo interior repousam pós vermelhos. Sentam-se na espessura da floresta. O adivinho chama com uns assobios produzidos por um chifre de cabra ou antílope, com palavras esotéricas e gestos cabalísticos, o feiticeiro. Em seguida, no espelho, por vezes na água, aparece a cara do defunto e a seu lado outra pessoa. É o feiticeiro causador da morte.
O adivinho mergulha a faca na água que se tinge de vermelho. Simboliza o sangue do feiticeiro que morrerá, ainda que se encontre longe. De facto, a sua morte realiza-se ou por acção dos familiares ou por acção de algum dos secretos cúmplices do especialista.
Utilizam o veneno como arma mais frequente, discreta e eficaz. Asseguraram-me muitos, porque viram, que o espelho reproduz as imagens. Será necessário apelar para o enorme poder de sugestão que a milenária experiência sedimentou nos adivinhos bantus ou para poderes parapsicológicos de que fazem gala muito amiúde.
Outras vezes, dependuram o cadáver, atado de pés e mãos a um pau ou colocam-no numas andas. Dois ou quatro homens passeiam-no pela aldeia. Diante de toda a assistência silenciosa e aterrada, o adivinho pergunta ao cadáver: - Quem te matou?
O cadáver quase sempre se detém diante duma pessoa e se move bruscamente. Não há dúvida, aquele indivíduo foi o feiticeiro.
Estas práticas originam vinganças, arbitrariedades, abusos e um medo generalizado. É que o acusado não pode apelar, visto que o bantu admite um tipo de feitiçaria inconsciente, como vimos, e, além disso, nunca pode demonstrar a sua inocência ante uma prova tão irrefutável prestada desde o além-túmulo por um defunto ou seus antepassados.
Acusam em especial os indivíduos anti-sociais, misantropos, apáticos, defeituosos, irascíveis, a quem os familiares ou o adivinho odeiam, e os mais ricos. Realizam assim uma assepsia social e uma circulação de bens.
In Cultura Tradicional Bantu. Pe. Raul Ruiz de Asúa Altuna. Edições Paulinas
Gil Gonçalves
Imagem: http://www.macua.org/livros/olhar1np.html

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