domingo, 29 de junho de 2008

Cultura Tradicional Bantu (X)


Há um culto especial, em certos bosques sagrados, reservados aos túmulos dos chefes. Ali ninguém pode cortar lenha, e só penetra o guardião, descendente de chefes, o qual, de vez em quando, lhes oferece sacrifícios.
Para os sacrifícios preparam pequenos e toscos altares protegidos por uma cabana, ao ar livre, perto das casas ou no bosque e nas encruzilhadas.
Veneram certas relíquias dos antepassados ilustres, sobretudo o crânio, as tíbias, unhas e cabelos, ou objectos pessoais como armas e instrumentos técnicos. Colocam-nos dentro de minúsculas habitações, onde os antepassados gostam de morar. A sua presença é mais notada e activa, porque se prolongam nas relíquias.
Um dos processos mais usados para os atrair consiste em cavar uma minúscula sepultura junto de casa. Enchem-na de alguma matéria que apodrece depressa, simbolizando o corpo do antepassado. Ao lado plantam uma árvore, que fica sacralizada, porque a aspergem com o sangue de uma galinha, ao mesmo tempo que suplicam ao antepassado que passe a viver nela. Se a árvore seca, quer dizer que o antepassado não aceitou a mansão. Essa árvore escuta diariamente as súplicas da família.

Durante o terceiro ano, aprende a adivinhação pela água e as encantações pela maneira de entender a linguagem das árvores, rios e fadas.

Se a África negra não supera a estreiteza comunitária, a dependência acabrunhadora dos parentes e a crença na omnipresente e todo-poderosa, não cremos que consiga a libertação, que leva consigo uma gama de objectivos muito maior que a independência política.

A experiência do mal provocou o medo. O bantu sofreu calamidades permanentes: vida breve, doenças endémicas, opressões seculares e a interacção ambivalente. O medo é a consequência do desconhecimento das causas naturais dos fenómenos e afunda o bantu nesse desconhecimento, na inércia e na passividade fatal que sufoca qualquer tentativa e possibilidade de encontrar a solução de um problema, a seu ver, irremediável, pois que o ultrapassa.

A privada, exercida por indivíduos anónimos, é quase sempre perigosa, não só porque não se consegue detectar a sua origem, mas sobretudo, porque é utilizada com objectivos malévolos, para satisfazer paixões. Qualquer indivíduo, possuidor destas técnicas, quase sempre imitadas dos especialistas, julga-se superior e emprega-as em proveito próprio.
«A magia privada tem um campo vastíssimo. São raras as ocasiões em que o homem não necessite da sua ajuda. Recorrem a ela para aumentar o bem-estar, favorecer as paixões e afastar males reais, ou imaginários, que os rodeiam. Algumas actividades de primeira necessidade (caça, pesca, gado, agricultura) são acompanhadas de magia. O mesmo acontece com os principais actos da vida humana: nascimento, puberdade, matrimónio e morte. Há uma magia privada, própria para apoiar ou destruir o afecto, proteger a propriedade, ter êxito na guerra, controlar os fenómenos da natureza, curar doenças, anular os projectos dos feiticeiros, fazer exorcismos aos espíritos maus». Os feiticeiros exercem a magia privada.

O uso de um pedaço de qualquer objecto, ou mesmo reprodução, afecta e influi no objecto ou pessoa real. Quando põem ao pescoço um chifre de animal, conseguem a sua protecção ou ficam livres dos seus ataques. Se perfuram com uma pequenina será um boneco antropomórfico, se lhe espetam uma faca, se o queimam ou o cortam aos pedaços, provocam a morte do inimigo representado. O mesmo acontece se rasgam uma fotografia. Assim, o especialista fabrica uma estatueta que representa determinada pessoa e, actuando sobre ela, pode matar ou prejudicar essa pessoa.

É muito usada esta acção mágica sobre a participação. Para atingir um indivíduo basta actuar sobre as suas roupas, unhas, ossos, cabelos, saliva, excrementos, ou sobre a erva ou terra que ele pisou ou da sua casa, pois conservam algo da sua vida. Tudo o que o especialista fizer sobre esses objectos, bom ou mau, acontecerá ao dono. O mesmo se verifica em relação ao caçador que bebe o sangue da peça abatida, ou ao guerreiro que bebe o sangue dos seus companheiros ou inimigos caídos na batalha. Apropriam-se da sua força vital. Pela lei da comunidade, um ser pode sofrer as consequências mágicas da desgraça caída sobre outro ser com o qual estava vitalmente ligado. A morte de um gémeo pode vitimar o sobrevivente.

A magia por contacto pode actuar sobre fotografias, pegadas, sombra, utensílios e reflexo de um ser vivo e, sobretudo, sobre o seu nome verdadeiro. «as qualidades dos objectos são realidades substanciais, simultaneamente separáveis e transmissíveis. A comunicação verifica-se, quase sempre, por contacto físico: tacto, absorção de comida ou bebida, relações sexuais. O contacto pode revestir outras formas: um olhar, um gesto, uma palavra.

«o marido polígamo dirige-se à primeira esposa e esta transmite as suas ordens às restantes esposas. Dirige-se igualmente ao primeiro filho, quando quer dar ordens aos restantes filhos. O que está encarregado de transmitir um recado dirige-se a uma terceira pessoa, isto é, à pessoa que acompanha aquele a quem deve transmitir esse recado. A não ser que se trate de um segredo pessoal. Não é estranho nem fora do normal que o negro, ao sul do Sara, recorrendo sempre a um intermediário para se dirigir ao seu semelhante, tenha institucionalizado intermediário para orar a Masa Dambali (Deus para os Bambaras).

O bantu recorre ao adivinho ou ao curandeiro sempre que alguma desgraça o persegue, quando se sente ameaçado ou deseja conseguir favores, boa sorte ou, então, quando pretende afastar a acção de feitiços dirigidos contra si. Costumam recomendar-lhe um feitiço que pode mesmo ser fabricado pelo cliente ou por qualquer artista, mas só o especialista o pode tornar poderoso.
In Cultura Tradicional Bantu. Pe. Raul Ruiz de Asúa Altuna. Edições Paulinas
Gil Gonçalves
Imagem: http://www.macua.org/livros/olhar1np.html

Sem comentários: