Onde há muitos seguranças é porque há muita insegurança. São estátuas humanas empertigadas para segurar o que se rouba, o que não se dá aos esfomeados. Parei junto a dois, ouvi diálogo edificante.
- … Filmei tudo! Mandaram-me lá fazer serviço de emergência nessa noite.
- Põe no play.
- Porra! Custa aceitar.
- Oh, fala lá meu!
- Nunca pensei ficar assim destoado.
- Que coisa? Já estou desassossegado!
- Foi na Ilha… casais…de marido e mulher… elas afastavam-se, a pôr o pé na estrada, como leoas berrantes que atraem a caça noctívaga. Os carros paravam com olhos de lince, surripiavam uma, o marido esfregava as mãos de contente, aclamava feliz: «já levaram a minha! Já levaram a minha!». Quando a outra se contentava, estava com sorte, o consorte rejubilava: «Hoje vou encaixar cerveja!». Elas faziam rapidinhas o serviço social, e entesouravam nos maridos.
- Eh! Eh! Bem feito! Acreditámos nas promessas dos Senhores do Petróleo … vamos desesperar outros colonizadores.
- Ó meu, novos colonizadores novas linguagens.
- E eles sabem falar a nossa língua?
- Não! Temos que aprender a língua deles.
- E vamos ter tempo para estudar tantas línguas?
- Para quê? Temos a linguagem corporal.
Para ferver as mágoas do sistema nervoso central, cumpliciaram numa bebida transparente que uma vendedora esquinava.
- Senhora, passa aí duas bombas.
São dois saquinhos de plástico transparentes, onde bem visíveis saltam letras maiúsculas: Bad Whiskey. 43% Volume. Rápidos, entornaram a uíscada pelo túnel estomacal. O lirismo invadiu-os. Descolaram mais dois saquinhos que emborcaram. Os desejos reprimidos extravasaram.
- Porra pá! Esta merda é demais!
- Puta que o pariu!
- Hum, se alguém me chata, vamos se matar!
- Apetece-me uma pistolada!
- Eu também!
- Vamos se torrar!
As palavras espumavam bucais nos antes pacatos servidores dos bens alheios. A desfaçatez estonteou-os.
- Ó senhora, bombeia mais dois. Pagamos amanhã.
- Já estão admirados, desestruturados, os olhos orbitados… não vão reassegurar a empresa?
- Quero lá saber da empresa.
- Vamos se encostar no quarto mundo do passado, no presente, sem futuro. Temos direito a beneficiar de uma quota mensal dos rendimentos petrolíferos mas, os que fingem que nos governam são nacionais, e nós estrangeiros.
Gil Gonçalves
- … Filmei tudo! Mandaram-me lá fazer serviço de emergência nessa noite.
- Põe no play.
- Porra! Custa aceitar.
- Oh, fala lá meu!
- Nunca pensei ficar assim destoado.
- Que coisa? Já estou desassossegado!
- Foi na Ilha… casais…de marido e mulher… elas afastavam-se, a pôr o pé na estrada, como leoas berrantes que atraem a caça noctívaga. Os carros paravam com olhos de lince, surripiavam uma, o marido esfregava as mãos de contente, aclamava feliz: «já levaram a minha! Já levaram a minha!». Quando a outra se contentava, estava com sorte, o consorte rejubilava: «Hoje vou encaixar cerveja!». Elas faziam rapidinhas o serviço social, e entesouravam nos maridos.
- Eh! Eh! Bem feito! Acreditámos nas promessas dos Senhores do Petróleo … vamos desesperar outros colonizadores.
- Ó meu, novos colonizadores novas linguagens.
- E eles sabem falar a nossa língua?
- Não! Temos que aprender a língua deles.
- E vamos ter tempo para estudar tantas línguas?
- Para quê? Temos a linguagem corporal.
Para ferver as mágoas do sistema nervoso central, cumpliciaram numa bebida transparente que uma vendedora esquinava.
- Senhora, passa aí duas bombas.
São dois saquinhos de plástico transparentes, onde bem visíveis saltam letras maiúsculas: Bad Whiskey. 43% Volume. Rápidos, entornaram a uíscada pelo túnel estomacal. O lirismo invadiu-os. Descolaram mais dois saquinhos que emborcaram. Os desejos reprimidos extravasaram.
- Porra pá! Esta merda é demais!
- Puta que o pariu!
- Hum, se alguém me chata, vamos se matar!
- Apetece-me uma pistolada!
- Eu também!
- Vamos se torrar!
As palavras espumavam bucais nos antes pacatos servidores dos bens alheios. A desfaçatez estonteou-os.
- Ó senhora, bombeia mais dois. Pagamos amanhã.
- Já estão admirados, desestruturados, os olhos orbitados… não vão reassegurar a empresa?
- Quero lá saber da empresa.
- Vamos se encostar no quarto mundo do passado, no presente, sem futuro. Temos direito a beneficiar de uma quota mensal dos rendimentos petrolíferos mas, os que fingem que nos governam são nacionais, e nós estrangeiros.
Gil Gonçalves
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