O enterro
Muitos grupos enterram os defuntos perto de suas casas ou dentro delas e destroem-nas quando termina o luto.
É mais comum sepultá-los junto da aldeia e à beira dos caminhos para que os vivos lhes rendam uma pequena homenagem, todas as vezes que passam, inclinando a cabeça, guardando silêncio ou depositando alguma oferta no túmulo.
Encontram-se cemitérios em paragens solitárias e bem defendidas nas florestas. São cemitérios familiares, embora possam pertencer ao grupo. Normalmente cada aldeia tem um cemitério comunitário.
Os povos pastores enterram o chefe de família reduzida no curral dos bis ou no lugar onde se acende a fogueira, dentro da cerca de paus que rodeia a casa, onde enterram também as mulheres. As crianças sepultam-nas no curral dos vitelos, os jovens junto de sua casa, as raparigas iniciadas dentro da cerca onde guardam os pilões da farinha.
Os especialistas da magia, bem como os caçadores e guerreiros, quando tem renome, são enterrados à beira dos caminhos muito frequentados ou nas encruzilhadas, e sempre ao pé duma árvore para pendurar os seus instrumentos de trabalho, armas e troféus.
Pode-se deduzir que procuram contentar o defunto colocando o seu cadáver em lugares familiares e rodeado dos seus objectos e bens, ao mesmo tempo que fortificam com a sua presença a solidariedade.
Em alguns lugares, colocam o cadáver numa cubata especial onde permanece meses ou anos até ser enterrado.
Normalmente, cavam na terra sepulturas horizontais com quase dois metros de profundidade. No fundo e ao lado, abrem uma câmara mortuária onde colocam o defunto deitado ou de cócoras. Isolam-nas com ramos.
Quando enchem a sepultura, a terra não toca no defunto. A esta câmara podem vir visitá-lo os seus familiares antepassados, e ajudá-lo a completar o rito de passagem.
Outros grupos cavam as sepulturas em forma circular porque colocam o cadáver de cócoras. Alguns enterram-nos de pé.
Os Quibalas de Angola depositam os chefes sobre rocha e cobrem-nos com pedras bem trabalhadas, formando um sarcófago rectangular. Submetem os cadáveres a uma espécie de mumificação. Introduzem-lhes pela boca, com a ajuda dum funil, óleo de palma a ferver. Esta operação prolonga-se até que as vísceras desfeitas lhes saem pelo reto.
A prática muito espalhada de colocar o cadáver de cócoras, em posição fetal, simboliza o seu segundo nascimento. Talvez também o deixem assim porque é uma das posições preferidas pelos Bantus, que aguentam nessa posição horas seguidas.
Não há unanimidade na orientação do cadáver, se bem que a maior parte o coloca na direcção este-oeste; outros colocam-no na posição norte-sul. Pensamos que não dão importância a este pormenor pois não têm mitos nem crenças astrais.
Os participantes nas festas fúnebres acompanham o cadáver até à sepultura e observam silêncio. Só os mais chegados podem repetir os lamentos e enaltecer o defunto, que transportam aos ombros ou atado a um pau comprido.
Outros grupos permitem estas manifestações quando o morto sai de casa e é enterrado, pois durante o caminho não são permitidos. A comitiva avança a passo rápido com ruidosas manifestações de alegria.
Os que algum modo estiveram em contacto com o cadáver, ao que o transportaram e em geral os acompanhantes, depois do enterro têm de tomar banho num rio para «tirar o cheiro do morto», ou lavar as mãos.
Há grupos em que o viúvo e o homem que amortalhou a defunta ficam em interdito social pela sua excepcional impureza. Não podem fazer vida comunitária, enquanto a família da falecida não lhes proporcionar duas mulheres. As relações sexuais limpam a impureza e destroem o tabu.
Deixam sobre a sepultura algum objecto: uma cabeça de boi, uma cabaça ou garrafa com água, mel, aguardente, alguns alimentos, um copo, uma taça, um prato, qualquer instrumento de trabalho, os troféus de caça.
Com certa periodicidade ali depositam alimento e bebida. Quando enterram uma pessoa, os alimentos ajudam-na a realizar a viagem para a sua nova mansão.
Não acreditam que os mortos venham a comer e a beber às suas sepulturas. Apenas tomam «a essência das oferendas», o seu princípio vital animador, agradecem a recordação dos seus descendentes e retribuem copiosamente.
Os Bantus explicam assim este rito que foi ridicularizado e apresentado como exemplo da sua credulidade pueril: «só a noção de símbolo nos oferece uma interpretação plausível. As oferendas feitas aos mortos… são apenas meios de entrar em contacto com eles, de estabelecer entre eles e os vivos uma coerente vital; assim penetra alguma coisa na existência dos espíritos da parte dos seus devotos e vice-versa.»
Esta mesma explicação justifica a prática de enterrar objectos junto do defunto. Colocam a seu lado comida, utensílios, sementes, armas, tabaco e até roupa. Precisa disso para a viagem.
Por isso, os grandes chefes deviam ser acompanhados à sepultura por uma escrava e um escravo, pelo menos. Este deplorável costume praticava-se para que os chefes protegessem o grupo, que sacrificava alguns indivíduos para proteger a comunidade. Se bem que em muitos casos isso se fez só por prepotência, para demonstrar a autoridade e dar relevo invulgar às festas.
A África negra sacraliza os alimentos; servem de símbolo eficaz para que o homem, e sobretudo a comunidade, contactam com realidades místicas tornando-se propícias e se estreitem numa comunhão de vida.
In Cultura Tradicional Bantu. Pe. Raul Ruiz de Asúa Altuna. Edições Paulinas
Gil Gonçalves
Imagem: http://www.macua.org/livros/olhar1np.html
Muitos grupos enterram os defuntos perto de suas casas ou dentro delas e destroem-nas quando termina o luto.
É mais comum sepultá-los junto da aldeia e à beira dos caminhos para que os vivos lhes rendam uma pequena homenagem, todas as vezes que passam, inclinando a cabeça, guardando silêncio ou depositando alguma oferta no túmulo.
Encontram-se cemitérios em paragens solitárias e bem defendidas nas florestas. São cemitérios familiares, embora possam pertencer ao grupo. Normalmente cada aldeia tem um cemitério comunitário.
Os povos pastores enterram o chefe de família reduzida no curral dos bis ou no lugar onde se acende a fogueira, dentro da cerca de paus que rodeia a casa, onde enterram também as mulheres. As crianças sepultam-nas no curral dos vitelos, os jovens junto de sua casa, as raparigas iniciadas dentro da cerca onde guardam os pilões da farinha.
Os especialistas da magia, bem como os caçadores e guerreiros, quando tem renome, são enterrados à beira dos caminhos muito frequentados ou nas encruzilhadas, e sempre ao pé duma árvore para pendurar os seus instrumentos de trabalho, armas e troféus.
Pode-se deduzir que procuram contentar o defunto colocando o seu cadáver em lugares familiares e rodeado dos seus objectos e bens, ao mesmo tempo que fortificam com a sua presença a solidariedade.
Em alguns lugares, colocam o cadáver numa cubata especial onde permanece meses ou anos até ser enterrado.
Normalmente, cavam na terra sepulturas horizontais com quase dois metros de profundidade. No fundo e ao lado, abrem uma câmara mortuária onde colocam o defunto deitado ou de cócoras. Isolam-nas com ramos.
Quando enchem a sepultura, a terra não toca no defunto. A esta câmara podem vir visitá-lo os seus familiares antepassados, e ajudá-lo a completar o rito de passagem.
Outros grupos cavam as sepulturas em forma circular porque colocam o cadáver de cócoras. Alguns enterram-nos de pé.
Os Quibalas de Angola depositam os chefes sobre rocha e cobrem-nos com pedras bem trabalhadas, formando um sarcófago rectangular. Submetem os cadáveres a uma espécie de mumificação. Introduzem-lhes pela boca, com a ajuda dum funil, óleo de palma a ferver. Esta operação prolonga-se até que as vísceras desfeitas lhes saem pelo reto.
A prática muito espalhada de colocar o cadáver de cócoras, em posição fetal, simboliza o seu segundo nascimento. Talvez também o deixem assim porque é uma das posições preferidas pelos Bantus, que aguentam nessa posição horas seguidas.
Não há unanimidade na orientação do cadáver, se bem que a maior parte o coloca na direcção este-oeste; outros colocam-no na posição norte-sul. Pensamos que não dão importância a este pormenor pois não têm mitos nem crenças astrais.
Os participantes nas festas fúnebres acompanham o cadáver até à sepultura e observam silêncio. Só os mais chegados podem repetir os lamentos e enaltecer o defunto, que transportam aos ombros ou atado a um pau comprido.
Outros grupos permitem estas manifestações quando o morto sai de casa e é enterrado, pois durante o caminho não são permitidos. A comitiva avança a passo rápido com ruidosas manifestações de alegria.
Os que algum modo estiveram em contacto com o cadáver, ao que o transportaram e em geral os acompanhantes, depois do enterro têm de tomar banho num rio para «tirar o cheiro do morto», ou lavar as mãos.
Há grupos em que o viúvo e o homem que amortalhou a defunta ficam em interdito social pela sua excepcional impureza. Não podem fazer vida comunitária, enquanto a família da falecida não lhes proporcionar duas mulheres. As relações sexuais limpam a impureza e destroem o tabu.
Deixam sobre a sepultura algum objecto: uma cabeça de boi, uma cabaça ou garrafa com água, mel, aguardente, alguns alimentos, um copo, uma taça, um prato, qualquer instrumento de trabalho, os troféus de caça.
Com certa periodicidade ali depositam alimento e bebida. Quando enterram uma pessoa, os alimentos ajudam-na a realizar a viagem para a sua nova mansão.
Não acreditam que os mortos venham a comer e a beber às suas sepulturas. Apenas tomam «a essência das oferendas», o seu princípio vital animador, agradecem a recordação dos seus descendentes e retribuem copiosamente.
Os Bantus explicam assim este rito que foi ridicularizado e apresentado como exemplo da sua credulidade pueril: «só a noção de símbolo nos oferece uma interpretação plausível. As oferendas feitas aos mortos… são apenas meios de entrar em contacto com eles, de estabelecer entre eles e os vivos uma coerente vital; assim penetra alguma coisa na existência dos espíritos da parte dos seus devotos e vice-versa.»
Esta mesma explicação justifica a prática de enterrar objectos junto do defunto. Colocam a seu lado comida, utensílios, sementes, armas, tabaco e até roupa. Precisa disso para a viagem.
Por isso, os grandes chefes deviam ser acompanhados à sepultura por uma escrava e um escravo, pelo menos. Este deplorável costume praticava-se para que os chefes protegessem o grupo, que sacrificava alguns indivíduos para proteger a comunidade. Se bem que em muitos casos isso se fez só por prepotência, para demonstrar a autoridade e dar relevo invulgar às festas.
A África negra sacraliza os alimentos; servem de símbolo eficaz para que o homem, e sobretudo a comunidade, contactam com realidades místicas tornando-se propícias e se estreitem numa comunhão de vida.
In Cultura Tradicional Bantu. Pe. Raul Ruiz de Asúa Altuna. Edições Paulinas
Gil Gonçalves
Imagem: http://www.macua.org/livros/olhar1np.html
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