Paris - Realizou-se na passada sexta-feira, no salão nobre
da Embaixada de Angola em França, uma conferência internacional sobre o legado
político e cultural de Agostinho Neto, enquadrada nas comemorações do dia do
herói nacional.
Fonte: Club-k.net
A conferência
contou com a presença de membros da comunidade de angolanos radicados em
França, diplomatas e funcionários da missão diplomática e outros
diplomatas convidados em representaçao dos países da lusofonia.
Ao proferir as palavras de abertura, o Embaixador de Angola em França, Miguel
da Costa lembrou o papel histórico do nacionalista e primeiro Presidente de
Angola. «Soube manter viva a esperança sagrada dos oprimidos porque acreditava
que o fim da dominação colonial era inelutável. Com o acumular das núvens ao
sopro da História, ninguém poderia impedir a chuva».
Numa relação com a actualidade politica angolana, o Embaixador de Angola em
França considerou que «a mobilização das populações angolanas de Cabinda ao
Cunene e a sua participação ordeira e pacífica nas eleições gerais realizadas
no passado dia 31 de Agosto, mostra a sua determinação irreversível de
constituir um só povo, num país uno e indivisível».
Miguel da Costa salientou ainda a dedicação dos angolanos à causa da Patria:
cabe a todos os angolanos forjarem o seu destino, juntos, de mãos dadas e sem
espera, porque por eles Angola espera.
A abordagem sobre a componente histórica e política, com foco para a
perspectiva de Agostinho Neto enquanto estadista foi feita pela jornalista
italiana Augusta Conchiglia que fez eco e cobertura das actividades do MPLA
desde o maquis.
Por seu turno, a componente cultural, com foco para a poesia ficou a cargo da
critica literária e investigadora da Universidade de Coimbra, Ana Rocha. Foi
moderador da conferência o nacionalista angolano e Professor de Direito na
Universidade Paris V, Manuel Jorge.
«Um legado de valor inestimável, ainda desconhecido»
O nacionalista angolano Manuel Jorge lembrou que a jornalista italiana
acompanha o percurso de Angola desde meados dos anos sessenta. E logo se
engajou com divulgação da luta anticolonial, especialmente em Angola. E foi
nesta qualidade que teve uma grande aproximação ao trabalho desenvolvido pelo
MPLA.
Augusta Conchiglia afirmou que Agostinho Neto, enquanto Estadista, «desde 1962,
teve que imediatamente gerir as situações mais complexas a nível nacional, mas
também a nível regional e internacional. Seu caráter independente, e seu firme
compromisso com os princípios foram muitas vezes postos à prova». A jornalista
exemplifica com a hostilidade que o movimento passou durante o seu exilio no
Congo – Kinshasa. Para ela, «foi provavelmente a primeira batalha "de
fora" que ele foi confrontado após sua fuga de Portugal. Muitos outros
seguiram-se a coalizão internacional que tentou bloquear o caminho para a
proclamação da independência em 1975».
Durante a sua apresentação, a jornalista realçou ainda as «ameaças do poderoso
apartheid Sul-Africano, bem como a pressão dos EUA na época, mais indireto, mas
não menos forte, impulsionado Agostinho Neto entre os grandes líderes africanos
cujo compromisso com a liberdade por seu país e seu continente que estava ainda
sob dominação, enfatizou a sua importância histórica.
Do seu convivio com o Presidente, traçou-nos o seguinte perfil: Agostinho Neto
foi um homem de princípios inflexíveis. Reservado mas afável e atencioso. Neto
foi de contacto directo e simples. Ele era corajoso, tranquilo e sem
exibicionismo.
Augusta Conchiglia destacou também outros valores da visão política de Neto,
como a sua defesa por «uma concepção unitária do Estado, e lutando contra todas
as formas de discriminação », permitindo com isso «a construção de um Estado
moderno, longe de pretensões etnocêntricas ou de "autenticidade
Africana" que alguns em Angola e em outros lugares em África defendem, na
maioria das vezes com consequências desastrosas».
Poemas revelam um profundo domínio da linguagem e da poética
Ana Rocha é uma jovem investigadora portuguesa, discípula do professor Pires
Laranjeira que se dedica ao estudo da literatura africana, particularmente da
poesia de Neto sobre a qual tem vindo a publicar verbetes e obras mais
elaboradas. Desabafa : «Tudo em Portugal estaria encaminhado para que eu nunca
soubesse quem foi Agostinho Neto, pois a sua figura e o seu papel político são
constantemente apagados e deturpados, através de declarações e textos ambíguos,
que pretendem anular a importância que Neto teve na construção da nação
angolana, bem como o seu exemplo enquanto cidadão e humanista ». E Neto
consumou então a sua expectativa: «A minha dedicação ao estudo da sua obra não
passa exclusivamente por uma análise literária, mas, sobretudo, por um
ressalvar do exemplo de força moral, ética e humanística que o distinguiu.
Conhecer a poesia e a biografia de Neto impulsionou, então, a minha demanda pelos
valores que ele próprio preservava».
Tendo estudado na Europa, tal como muitos outros, Amílcar Cabral, Aimé Cesaire
ou Leopold Sengor, Neto não ficou na Europa. Regressou ao seu país e viveu no
musseque junto dos seus, participando na sua vida quotidiana como médico,
primeiro, e, depois, na organização da guerilha. «Desta forma, podemos ter hoje
a certeza de que a figura de Agostinho Neto jamais será esquecida pelo seu
povo, pois o poeta foi não só o fundador da pátria angolana, mas, de igual
modo, o fundador da consciência e da identidade de uma angolanidade moderna. A
atenção prestada ao povo e a proximidade que manteve com ele, distingue
Agostinho Neto de outros intelectuais igualmente envolvidos na luta pela
libertação».