Regresso de uma estada na Grécia, mais para repouso
do que para agitos. Este relatório virá a seguir. Antes dele, porém, preciso
falar da ampla Europa. Na semana passada ela se agitou para todo lado.
Mas como Minas na famosa frase de Otto Lara Resende sobre a posição do governo
de Magalhães Pinto na crise de 1961 (renúncia de Jânio e tentativa de golpe
contra Goulart, com a Rede da Legalidade a seguir), ela permanece onde sempre
esteve: na crise, em crise, pela crise. Sem rota alternativa à vista.
Na eleição de 12 de setembro, na Holanda,
esperava-se um pequeno terremoto, com a possível ascensão do Partido Socialista
(ex-Comunista), de esquerda, ao posto de mais votado. Chegou a ter de 30 a 31
cadeiras previstas, segundo institutos de pesquisa e várias mídias
internacionais. Resultado: ficou nas 15 que já tinha antes.
Na outra ponta do espectro, o Partido da Liberdade,
de Geert Wilders, hoje o líder de extrema direita mais influente na Europa,
caiu mais do que se esperava. Tinha 24 cadeiras. Estimava-se que teria 18.
Ficou com 15, empatado com o PS.
Outros partidos, ainda entre os 7 mais
votados,também oscilaram. O centro-direita CDA, Democrata-Cristão, caiu de 21
para 13 assentos. Já o centro-centro Democratas 66 (estou citando
classificações da mídia européia média) ganhou 2 assentos, de 10 para 12.
A situação dos dois mais fortes, o Liberal e o
Trabalhista, merece consideração, e é reveladora do que pode ter acontecido. O
primeiro obteve a marca inédita de 41 assentos, 10 a mais do que tinha. O
segundo, cresceu 8, de 30 para 38. Não é preciso ser gênio matemático para ver
entre as 10 cadeiras que o Liberal (de direita) conquistou, as 9 que o de
Wilders perdeu. Confirma essa idéia o fato de que a campanha dos liberais
aproximou-se de algumas das bandeiras da extrema-direita (sem a islamofobia),
erguendo-se contra mais poderes de Bruxelas (ou seja, à U. E.). E também pode-se
ver nas 8 que o Trabalhista ganhou várias das que o P. S. poderia ter ganho,
retornando ao aprisco os votos que se desgarravam, talvez devido ao súbito
crescimento dos liberais na reta final.
Ficou tudo mais ou menos na mesma, embora possa-se
ler nessa dança das expectativas e das votações um leve crescimento de uma
tendência anti-U. E., ao contrário do que a maior parte da mídia apregoou, de
que esta (a U. E.) teria sido a grande vencedora do pleito.
Nesse mesmo dia novas ondas de adrenalina esperavam
a decisão da Suprema Corte alemã, com sede em Karlsruhe, sobre a
constitucionalidade da participação germânica no Fundo de Estabilidade
Monetária europeu.
Deu o esperado: o Tribunal aprovou a
constitucionalidade, contra as moções opostas (em geral vindas da direita).
Nova onda de otimismo se derramou na mídia, falando da “salvação do euro”.
Salvação? Moderada, porque junto a Suprema Corte definiu que qualquer aporte
complementar por parte do governo alemão terá de ser aprovado no Bundestag,
onde a oposição a isso é forte – e dentro dos partidos do governo, mais do que
entre os oposicionistas SPD e Verdes. Tudo como dantes do quartel do Abrantes.
Alguns milhares de quilômetros a oeste as massas se
agitavam contra os planos austero-autoritários de Rajoy. Cresciam na Espanha as
manifestações de rua pedindo um referendo sobre tais planos. Mas seriam só as
massas esquerdistas? De jeito nenhum. Em Barcelona, na Catalunha, se realizavam
também gigantescas manifestações contra os planos de Rajoy – mas a favor da
independência catalã. Essas manifestações reuniam direita e esquerda. À
direita, reivindicava-se que os impostos pagos na Catalunha, que é a região
mais rica do país, deixassem de acorrer para outras províncias. À esquerda, que
a brava região deixasse de se curvar perante os planos recessivos e
autoritários do governo de Madri.
Enquanto isso, as preocupações de Rajoy estão mais
voltadas para o exterior, embora tenha de se concentrar em evitar grandes
terremotos na frente interna. Ele dispõe de cômoda maioria no Parlamento, e, em
princípio, não tem com o que se preocupar até 2015, data das novas eleições
nacionais. Já na frente externa, Rajoy está entre a cruz (a Democrata-Cristã
Angela Merkel) e o caldeirão (o Banco Central Europeu, dirigido para Mario
Draghi). Aquela se mostra pouco inclinada a facilitar a vida dos governos
falimentares, como o de Madri. Este se mostra disposto a comprar-lhe os títulos
a juros mais baixos – desde que peçam tal, abdicando em conseqüência de um
tanto de sua soberania, como já aconteceu com a Grécia. E Rajoy, estima-se,
precisa ainda de uns 100 bilhões de euros para equilibrar-se e continuar a
restringir os direitos dos trabalhadores espanhóis. Um passo errado ou mesmo
tardio nessa frente bilionária pode vir a ser o terremoto que o derrube.
Um pouco ao lado, o presidente François Hollande
está enrolado na questão da Peugeot, tipo se fechar o bicho pega, com a perda
de milhares de empregos, se correr o bicho come, com alguns milhões a serem
comprometidos numa ajuda à empresa em más condições. Até aqui Hollande tem
ficado (sem saída) na tangente, falando em “minimizar” as perdas. É uma
situação de desgaste.
Cruzando-se novamente o Reno, em direção a Berlim,
em algum canto recôndito da capital alemã deve estar rolando uma queda de braço
muito pesada, entre a chanceler Angela Merkel e o Ministro das Finanças
Wolfgang Schäuble, de um lado, e Jens Weidmann e o Banco Central Alemão, do
outro. Weidmann foi o único voto contrário à proposta de Draghi no Conselho do
B. C. E. em favor da compra dos títulos dos países falimentares por juros mais
baixos dos que os do mercado. E a chanceler apoiou, é verdade que a posteriori,
o plano de Draghi, vinculando-o à proposta de “austeridade”.
Nunca, até hoje, houvera tal desavença, ou
desajuste, entre a chanceler e Weidmann. Este poderia ser, no futuro, um forte
candidato mais conservador e ortodoxo à sucessão de Draghi. Agora é um
candidato algo enfraquecido a permanecer no seu posto, porque ninguém enfrenta
a chanceler e sai sem algum chamusco ou tosquia. Com todo o respeito, essa sim
é uma briga de cachorro grande.
Mas que também mostra que a Europa hegemônica
continua onde sempre esteve: entre as garras da austeridade recessiva, sem
imaginação alternativa.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
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