sábado, 27 de dezembro de 2014

2014 foi pior do que o previsto mas a maior parte da factura está por chegar





Carlos Rosado de Carvalho

Como se não bastassem os problemas na produção, Angola tem de enfrentar uma forte quebra do preço do seu principal produto, o petróleo. Este ano a economia vai crescer menos, as contas públicas e externas vão degradar-se, o kwanza já está sob pressão e a inflação acelerou. Mas a maior parte da factura só será paga em 2015.
Com a produção do petróleo em baixa, Angola bem dispensaria a queda da cotação do seu principal produto de exportação nos mercados internacionais.
Mas o pior aconteceu mesmo: para além da quebra da produção, que vem desde o início do ano, o País assiste, desde Junho, ao mergulho do preço do crude. Numa economia fortemente dependente do petróleo - o sector petrolífero representa mais de 95% das exportações, assegura entre 70% e 80% das receitas do Estado e vale cerca de 45% do produto interno bruto (PIB) - o cocktail composto por preços baixos e quebra na produção não só reduz o crescimento como afecta a própria estabilidade macroeconómica.
Os primeiros efeitos, sobretudo relacionados com os problemas na produção, deverão acontecer este ano, mas a maior parte da factura só será paga em 2015. Os últimos dados disponíveis sobre a produção, referentes aos primeiros 10 meses de 2014, apontam para uma queda de cerca de 5% no volume das exportações de petróleo, face a 2013. As exportações de crude são um bom indicador dos níveis de produção, já que cerca de 97% do petróleo produzido em Angola é exportado.
No Orçamento Geral do Estado (OGE) para este ano, o Governo previu um aumento da produção de 1%. "Em 2014, o crescimento do sector petrolífero foi contido por factores operacionais restritivos da produção, que registaram operações técnicas de manutenção", justifica o Ministério das Finanças (Min- Fin) no Relatório de Fundamentação do OGE 2015. Contudo, os problemas não são novos. Como se reconhece neste documento, as projecções de produção de petróleo têm-se revelado "bastante optimistas", com desvios que "rondam os 8%" para menos.
O MinFin fala mesmo em "risco subjacente de quebra estrutural do nível médio de produção diária". "A expectativa quanto à evolução da produção influencia as estimativas quanto à arrecadação, fazendo com que anualmente sejam orçamentadas despesas numa magnitude idêntica à estimativa de arrecadação. Porém, de salientar que, nos últimos anos, a despesa orçamentada tem apresentando níveis superiores à receita, criando um défice orçamental que ronda os 12%, o que tem implicado o recurso ao endividamento interno e externo", lê-se no relatório do Ministério situado no Largo da Mutamba.
E o rombo nas contas públicas só não foi maior porque o preço do petróleo, nos últimos anos, manteve-se acima dos 100 USD. Em 2012, o preço médio das ramas angolanas situou- se nos 111,6 USD/barril, e em 2013 recuou ligeiramente, para os 107,7 USD. Com a queda do petróleo iniciada em Junho, o Governo já não pode contar com o preço para minorar os problemas que se vêm registando na produção. Depois de atingir um pico nos 115,2 USD o barril, em 19 de Junho, o petróleo Brent, referência para as ramas angolanas, ronda actualmente os 60 USD, uma queda de quase 50%.
O valor referido é o preço efectivamente praticado nas transacções de petróleo físico e não os preços do mercado de futuros. Este serve de referência, mas a esmagadora maioria dos contratos negociados no mercado de Londres não chega a ser liquidada fisicamente.
Contudo, a descida do preço internacional do petróleo ainda não se faz sentir com a mesma violência no preço das exportações angolanas - as ramas do País reflectem os preços internacionais com um atraso de cerca de dois meses.
Os últimos dados disponíveis revelam que, em Outubro, o preço médio de exportação do crude angolano foi de 93,2 USD o barril. Considerando os primeiros 10 meses do ano, cada barril exportado rendeu, em média, 104,6 USD. Por este andar, é provável que cheguemos ao final do ano com um preço médio do barril acima dos 98 USD que serviram de base à elaboração do OGE 2014. Em 2014, a queda da produção de crude em Angola, aliada à baixa do preço, provocou nos primeiros 10 meses do ano uma redução de 12% nas receitas petrolíferas, para 2,5 biliões Kz, cerca de 25 mil milhões USD ao câmbio actual.
No OGE 2014, o Governo previu receitas petrolíferas de 3,3 biliões Kz para este ano. No fim de Outubro, na apresentação do OGE 2015, a projecção baixou para pouco mais de 3 biliões Kz, mas dificilmente será atingida. O que quer dizer que o défice orçamental em 2014 deverá ser superior aos 23,7 mil milhões Kz previstos no Relatório de Fundamentação do OGE 2015. Mas, ainda assim, deverá ficar longe do buraco de 630 mil milhões Kz inicialmente antecipados.
O cocktail de baixa de preços e da produção também deverá afectar as contas externas, por via das exportações. Até Outubro último, as exportações de petróleo caíram 8%, para cerca de 52 mil milhões USD. Mas o pior que é expectável é uma baixa do excedente da balança corrente, já que esta deverá manter-se superavitária.
As exportações de petróleo são a principal fonte de angariação de divisas em Angola. A baixa desta variável não deixará de se reflectir nas reservas internacionais líquidas (RIL). No OGE 2014, o Governo apontava para RIL de 33 mil milhões USD no final do ano. Com o OGE 2015, a projecção foi revista em baixa para 30,9 mil milhões USD.
Mas este valor dificilmente será atingido. Em Outubro, segundo o Banco Nacional de Angola (BNA), as reservas não ultrapassavam os 27 mil milhões USD. O recuo das RIL está já a pressionar o kwanza, que perdeu quase 4% de Junho para cá, tendo ultrapassado no mercado oficial a barreira psicológica dos 100 Kz por USD no mês de Novembro. No mercado informal, no mesmo período, a desvalorização do Kz aproxima-se dos 10% com a nota verde a trocar- -se acima dos 120 Kz.
Num país que importa uma parcela significativa do que consome, a desvalorização da moeda nacional provocou uma aceleração da inflação, que está a aumentar há cinco meses consecutivos, tendo passado, em termos homólogos, de um mínimo histórico de 6,89% em Junho para 7,49% em Novembro. Ainda assim, a meta de inflação entre os 7% e os 9% não parece estar ameaçada.
Além de afectar a estabilidade macroeconómica - degradando as contas públicas e externas, fazendo recuar as reservas de divisas, abanando o kwanza e acelerando a inflação -, a baixa da produção do petróleo, aliada à quebra do preço, tem consequências sobre o crescimento da economia, por via do recuo das exportações e do investimento público. No OGE 2014, o Governo previu um crescimento da economia de 8,8%. Com a apresentação do OGE 2015 a taxa foi cortada para metade, isto é, 4,4%.

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