Carlos Rosado de
Carvalho
Como se não bastassem os problemas na
produção, Angola tem de enfrentar uma forte quebra do preço do seu principal
produto, o petróleo. Este ano a economia vai crescer menos, as contas públicas
e externas vão degradar-se, o kwanza já está sob pressão e a inflação acelerou.
Mas a maior parte da factura só será paga em 2015.
Com a produção do petróleo em baixa,
Angola bem dispensaria a queda da cotação do seu principal produto de
exportação nos mercados internacionais.
Mas o pior aconteceu mesmo: para além da
quebra da produção, que vem desde o início do ano, o País assiste, desde Junho,
ao mergulho do preço do crude. Numa economia fortemente dependente do petróleo
- o sector petrolífero representa mais de 95% das exportações, assegura entre
70% e 80% das receitas do Estado e vale cerca de 45% do produto interno bruto (PIB)
- o cocktail composto por preços baixos e quebra na produção não só reduz o
crescimento como afecta a própria estabilidade macroeconómica.
Os primeiros efeitos, sobretudo
relacionados com os problemas na produção, deverão acontecer este ano, mas a maior
parte da factura só será paga em 2015. Os últimos dados disponíveis sobre a
produção, referentes aos primeiros 10 meses de 2014, apontam para uma queda de
cerca de 5% no volume das exportações de petróleo, face a 2013. As exportações
de crude são um bom indicador dos níveis de produção, já que cerca de 97% do
petróleo produzido em Angola é exportado.
No Orçamento Geral do Estado (OGE) para
este ano, o Governo previu um aumento da produção de 1%. "Em 2014, o
crescimento do sector petrolífero foi contido por factores operacionais
restritivos da produção, que registaram operações técnicas de manutenção",
justifica o Ministério das Finanças (Min- Fin) no Relatório de Fundamentação do
OGE 2015. Contudo, os problemas não são novos. Como se reconhece neste documento,
as projecções de produção de petróleo têm-se revelado "bastante
optimistas", com desvios que "rondam os 8%" para menos.
O MinFin fala mesmo em "risco
subjacente de quebra estrutural do nível médio de produção diária".
"A expectativa quanto à evolução da produção influencia as estimativas
quanto à arrecadação, fazendo com que anualmente sejam orçamentadas despesas
numa magnitude idêntica à estimativa de arrecadação. Porém, de salientar que,
nos últimos anos, a despesa orçamentada tem apresentando níveis superiores à
receita, criando um défice orçamental que ronda os 12%, o que tem implicado o
recurso ao endividamento interno e externo", lê-se no relatório do
Ministério situado no Largo da Mutamba.
E o rombo nas contas públicas só não foi
maior porque o preço do petróleo, nos últimos anos, manteve-se acima dos 100
USD. Em 2012, o preço médio das ramas angolanas situou- se nos 111,6
USD/barril, e em 2013 recuou ligeiramente, para os 107,7 USD. Com a queda do
petróleo iniciada em Junho, o Governo já não pode contar com o preço para
minorar os problemas que se vêm registando na produção. Depois de atingir um
pico nos 115,2 USD o barril, em 19 de Junho, o petróleo Brent, referência para
as ramas angolanas, ronda actualmente os 60 USD, uma queda de quase 50%.
O valor referido é o preço efectivamente
praticado nas transacções de petróleo físico e não os preços do mercado de
futuros. Este serve de referência, mas a esmagadora maioria dos contratos
negociados no mercado de Londres não chega a ser liquidada fisicamente.
Contudo, a descida do preço
internacional do petróleo ainda não se faz sentir com a mesma violência no
preço das exportações angolanas - as ramas do País reflectem os preços
internacionais com um atraso de cerca de dois meses.
Os últimos dados disponíveis revelam
que, em Outubro, o preço médio de exportação do crude angolano foi de 93,2 USD
o barril. Considerando os primeiros 10 meses do ano, cada barril exportado
rendeu, em média, 104,6 USD. Por este andar, é provável que cheguemos ao final
do ano com um preço médio do barril acima dos 98 USD que serviram de base à
elaboração do OGE 2014. Em 2014, a queda da produção de crude em Angola, aliada
à baixa do preço, provocou nos primeiros 10 meses do ano uma redução de 12% nas
receitas petrolíferas, para 2,5 biliões Kz, cerca de 25 mil milhões USD ao
câmbio actual.
No OGE 2014, o Governo previu receitas
petrolíferas de 3,3 biliões Kz para este ano. No fim de Outubro, na
apresentação do OGE 2015, a projecção baixou para pouco mais de 3 biliões Kz,
mas dificilmente será atingida. O que quer dizer que o défice orçamental em
2014 deverá ser superior aos 23,7 mil milhões Kz previstos no Relatório de
Fundamentação do OGE 2015. Mas, ainda assim, deverá ficar longe do buraco de
630 mil milhões Kz inicialmente antecipados.
O cocktail de baixa de preços e da
produção também deverá afectar as contas externas, por via das exportações. Até
Outubro último, as exportações de petróleo caíram 8%, para cerca de 52 mil
milhões USD. Mas o pior que é expectável é uma baixa do excedente da balança
corrente, já que esta deverá manter-se superavitária.
As exportações de petróleo são a
principal fonte de angariação de divisas em Angola. A baixa desta variável não
deixará de se reflectir nas reservas internacionais líquidas (RIL). No OGE
2014, o Governo apontava para RIL de 33 mil milhões USD no final do ano. Com o
OGE 2015, a projecção foi revista em baixa para 30,9 mil milhões USD.
Mas este valor dificilmente será
atingido. Em Outubro, segundo o Banco Nacional de Angola (BNA), as reservas não
ultrapassavam os 27 mil milhões USD. O recuo das RIL está já a pressionar o
kwanza, que perdeu quase 4% de Junho para cá, tendo ultrapassado no mercado
oficial a barreira psicológica dos 100 Kz por USD no mês de Novembro. No
mercado informal, no mesmo período, a desvalorização do Kz aproxima-se dos 10%
com a nota verde a trocar- -se acima dos 120 Kz.
Num país que importa uma parcela
significativa do que consome, a desvalorização da moeda nacional provocou uma
aceleração da inflação, que está a aumentar há cinco meses consecutivos, tendo
passado, em termos homólogos, de um mínimo histórico de 6,89% em Junho para
7,49% em Novembro. Ainda assim, a meta de inflação entre os 7% e os 9% não
parece estar ameaçada.
Além de afectar a estabilidade
macroeconómica - degradando as contas públicas e externas, fazendo recuar as
reservas de divisas, abanando o kwanza e acelerando a inflação -, a baixa da
produção do petróleo, aliada à quebra do preço, tem consequências sobre o
crescimento da economia, por via do recuo das exportações e do investimento
público. No OGE 2014, o Governo previu um crescimento da economia de 8,8%. Com
a apresentação do OGE 2015 a taxa foi cortada para metade, isto é, 4,4%.
Imagem: gospelrn.blogspot.com
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