A queda contínua do preço do petróleo,
nos mercados internacionais, pode ser uma boa notícia para o povo angolano e um
mau augúrio para o governo.
Rafael Marques
de Morais
MAKAANGOLA
Pode ser uma boa notícia, porque o
governo do presidente José Eduardo dos Santos teria de centrar a sua acção no
trabalho do angolano comum, para diversificar a economia e desconcentrá-la das
mãos privadas dos governantes. Outra via seria o caminho da autodestruição do
regime.
Porquê?
Porque os governantes têm usado as receitas do petróleo e a sua distribuição mais para perseguir objectivos particulares de manutenção de poder e enriquecimento pessoal. Os governantes têm relegado para um plano cosmético o estabelecimento de um programa de desenvolvimento humano para o país que, conforme definição das Nações Unidas, coloque as pessoas em primeiro lugar. Todavia, para se educar uma população e fazê-la evoluir, é necessário que o país tenha uma liderança comprometida com o serviço público.
Por outro lado, a captura das receitas dos recursos naturais por parte do grupo governante tem reforçado a centralização da economia nas mãos de alguns elementos. Esses indivíduos são, simultaneamente, os principais dirigentes políticos e militares e os maiores empresários privados. Ou seja, não há um sector privado funcional autónomo do poder político. Fez-se apenas um casamento de conveniência entre o centralismo soviético do então MPLA-Partido do Trabalho com o capitalismo selvagem do actual MPLA, o mesmo partido que governa há 39 anos.
Com o fim da guerra, em 2002, e com o coincidente aumento da produção do petróleo e a sua alta de preços, o governo passou a fazer paralelamente grandes investimentos quer públicos quer na consolidação da burguesia nacional através do saque e da corrupção.
A corrupção é, hoje, o principal factor de união e de lealdade no seio do MPLA, da mesma forma que é o principal sustentáculo da supressão dos direitos civis e políticos dos cidadãos.
Desde 2004, a gestão do país tem estado assente em quatro pilares profundamente contraditórios, nomeadamente nos domínios da reconstrução nacional, da acumulação primitiva do capital, da educação e da propaganda.
A reconstrução nacional
Primeiro, com base nos acordos feitos com a China de troca de petróleo por infraestruturas, o governo importou mão-de-obra em número que ultrapassou os 250 mil chineses, excluindo o seu próprio povo do processo de reconstrução nacional. O principal argumento oficioso era o de que os chineses eram muito rápidos, eficientes e baratos.
Olhando, por exemplo, para as obras de construção civil executadas por empresas portuguesas e brasileiras, nota-se que a mão-de-obra básica - pedreiros e carpinteiros – é angolana. A força de trabalho angolana empregada pelas referidas empresas é mal paga, discriminada e sem grandes possibilidades de evoluir profissionalmente, mas desempenha bem as suas funções, e em conformidade com a exigência dos seus patrões.
Com a premissa da incapacidade da mão-de-obra local e a carência de quadros nacionais, faltou apenas ao governo importar ministros e generais, cargos que constituem os maiores entraves ao desenvolvimento humano em Angola.
Na realidade, o que se nota, com o grande fluxo de expatriados em Angola, sobretudo portugueses e brasileiros, que trabalham nos mais variados domínios do sector privado, é um desprezo cada vez maior pela dignificação e capacitação da força de trabalho local.
Um exemplo específico e recente é o do maior hipermercado de Angola, Kero, pertença dos generais Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa” e Leopoldino Fragoso do Nascimento, e do vice-presidente Manuel Vicente. Em Outubro passado, a direcção-geral do Kero procedeu a 12 nomeações para os cargos de director-geral adjunto, gerentes de lojas e bazares, assim como os de coordenadores de segurança. São todos oriundos de Portugal, e nenhum deles é negro. Vejam-se os casos de Nuno Sardinha e Paulo Monteiro: ambos vieram para Angola como coordenadores de segurança da logística e do hipermercado do Kilamba, respectivamente. O primeiro saiu de Portugal como chefe de segurança do Jumbo de Castelo Branco, enquanto o segundo exercia a mesma função no Jumbo da Amadora, em Lisboa. Tendo em conta que o sector de segurança privada em Angola conta com mais de 400 empresas, centenas de supervisores e milhares de homens ao seu serviço, não haverá um angolano capaz de ocupar uma das duas posições acima mencionadas?
Se não há, então, o que é que os dirigentes têm feito para a capacitação e formação dos seus governados ao longo dos anos? Como se pode ter orgulho na soberania de um país que tem mais de mil generais e comissários da polícia, mas não consegue produzir dois coordenadores de segurança para o Kero?
É nessa intersecção que a burguesia nacional, formada sobretudo pelos actuais governantes-empresários, revela a sua mentalidade neocolonial, de desprezo e de racismo contra os seus próprios concidadãos. Orgulham-se hoje de serem considerados colonizadores de Portugal, onde investem biliões de dólares saqueados do país que, como se sabe, são geridos exclusivamente por portugueses e estrangeiros de outras nacionalidades.
Acumulação Primitiva de Capital
Segundo, tal como o presidente José Eduardo dos Santos admitiu no seu discurso sobre o Estado da Nação, a 15 de Outubro de 2013, a sua política de criação da riqueza nacional assenta na africanização da acumulação primitiva do capital.
Ou seja, o presidente defendeu abertamente o saque do Estado e a expropriação de terras, de modos de produção familiar e artesanal, do que resta dos mais desfavorecidos, por parte de uma minoria usurpadora, como aconteceu na Europa entre os séculos XVI a XVIII. A escravatura também constituiu parte do processo de acumulação primitiva do capital, mas hoje a força de trabalho angolana, para além da necessária à manutenção do poder, é pouco mais do que um fardo.
Foi por via da acumulação primitiva do capital que o regime aperfeiçoou o eixo político-empresarial-militar como fórmula de manutenção do poder presidencial. Alguns generais ficam com parte do saque para eliminarem qualquer cenário de golpe de Estado ou de mobilização antagónica do exército, como aconteceu a 27 de Maio de 1977.
A grande contradição, aqui, é a tentativa de harmonização, pelos detentores do poder, da acumulação primitiva de capital com a noção de um Estado de direito e democrático. Este último exige prestação de contas, um governo ao serviço do povo e freios e contrapesos entre os poderes instituídos.
Noutra variante, os dirigentes têm estado a saquear o país mais para investirem e esconderem tais riquezas no exterior do país, onde estabeleceram portos de abrigo para os seus planos de fuga. O saque é sempre justificado, em surdina, como parte do plano de reserva: a fuga, no momento em que a repressão e a corrupção não mais conseguirem conter o descontentamento popular.
Educação
Terceiro, em 10 anos, o governo autorizou o estabelecimento de mais de 40 universidades privadas no país e criou outras quatro universidades públicas, incluindo a Universidade Eduardo dos Santos. No entanto, a qualidade do ensino em Angola, desde o ensino primário ao universitário, tem piorado.
Outrossim, mais de US $100 milhões anuais têm sido creditados ao Ministério dos Petróleos, destinados a bolsas de estudo, cujos procedimentos de concessão são de todo opacos. Todavia, o país não tem um sistema de crédito bancário para o qual jovens pobres com potencial académico possam recorrer para os seus estudos universitários.
Como pode o país enfrentar os desafios resultantes do seu crescimento económico e virar-se para o desenvolvimento, com uma educação baseada em números estatísticos e não na promoção do conhecimento e na aquisição de competências técnicas?
Propaganda
Finalmente, a propaganda tem servido tanto para promover os feitos do presidente e do MPLA, da mesma maneira que tem constituído a grande arma psicológica para neutralizar a crítica social no seio do povo.
Para o efeito, as estruturas de base, os Comités de Acção do Partido (CAPs) do MPLA são os veículos de propaganda e intimidação personalizada nos bairros e nas aldeias. Por sua vez, os Comités de Especialidade do mesmo partido assumem a mesma tarefa junto das instituições e empresas públicas. O Serviço de Inteligência e Segurança de Estado (SINSE) e outras forças securitárias providenciam os dentes que impõem o medo e a chantagem no seio da sociedade, condições essenciais para que as pessoas se tornem crentes do MPLA. A segurança dissemina a mensagem segundo a qual a estabilidade socioeconómica dos cidadãos depende do seu colaboracionismo com a bufaria. Usam os direitos socioeconómicos como privilégios e recompensas.
A comunicação social do Estado complementa a missão com três tipos de mensagem propagandística: uma sofisticada, a cargo de marqueteiros brasileiros desde 1992; outra artesanal, liderada pelo Jornal de Angola; e, finalmente, a de tortura psicológica, administrada em doses diárias sobre o que o governo está ou vai fazer. Esta última emprega a técnica de propaganda ad nauseam, de repetição até enjoar.
Vejamos como funciona, por exemplo, a propaganda em relação à paz, apresentada como o maior feito do presidente Dos Santos e do MPLA. É verdade. Esse argumento é usado então para reclamar tudo o que acontece de bom na sociedade como um feito exclusivo do presidente e do MPLA. Inclui-se, como recentemente o vice-presidente Manuel Vicente afirmou, o facto de os angolanos viajarem pelas estradas do país em segurança. Essa narrativa nega a existência de outras verdades, como o facto de dezenas de milhares de famílias terem arcado com o sacrifício maior da paz: os filhos que contribuíram para a guerra. Até hoje, a maioria dessas famílias nunca recebeu uma notificação formal pela morte dos seus filhos ao serviço da pátria. O mesmo se passa com dezenas de milhares de veteranos de guerra que lutaram para os grandes feitos do presidente e do MPLA, em nome de Angola, mas que actualmente estão votados ao abandono.
O discurso oficial da paz não reconhece que o que mantém as estradas seguras e o governo tranquilo é a vontade pacífica do povo, incluindo a dos ex-militares do governo e dos ex-guerrilheiros da UNITA.
A propaganda sobre a paz baseia-se numa mensagem simples: o presidente é o arquitecto da paz. Logo, quem se insurge contra ele é contra a paz.
Por conseguinte, as tentativas de manifestação anti-Dos Santos levadas a cabo por um punhado de activistas, como o Nito Alves, de 18 anos, são, na lógica da propaganda, ameaças à paz. Por isso mesmo, apela-se ao patriotismo e à defesa da paz. Enquanto tal sucede, a brutalidade policial contra os manifestantes, como foi o mais recente caso contra Laurinda Gouveia, é justificada através da lógica passada de “fazer a guerra para alcançar a paz”. Desta vez, a lógica é “reprimir e torturar para manter a paz”.
Há mais um exemplo, caricato, da propaganda. A Constituição de 2010 eliminou o governo como órgão soberano. O que existe, formalmente, é o executivo do presidente. Contudo, a propaganda mantém a existência do “Governo de Angola” nos seus anúncios. O povo não entende o que é o executivo. Ou seja, enquanto o poder se concentra exclusivamente no presidente, a propaganda projecta a ficção da responsabilidade colectiva de um governo colegial. Se algo corre bem é o presidente, se algo corre mal a responsabilidade é de um governo que não existe.
A propaganda funciona como uma espécie de missão pastoral da Igreja Universal do Reino de Deus, em que se pede ao crente para que entregue tudo, incluindo as jóias ou as mandiocas, às mãos do Senhor – neste caso, o presidente.
Porquê?
Porque os governantes têm usado as receitas do petróleo e a sua distribuição mais para perseguir objectivos particulares de manutenção de poder e enriquecimento pessoal. Os governantes têm relegado para um plano cosmético o estabelecimento de um programa de desenvolvimento humano para o país que, conforme definição das Nações Unidas, coloque as pessoas em primeiro lugar. Todavia, para se educar uma população e fazê-la evoluir, é necessário que o país tenha uma liderança comprometida com o serviço público.
Por outro lado, a captura das receitas dos recursos naturais por parte do grupo governante tem reforçado a centralização da economia nas mãos de alguns elementos. Esses indivíduos são, simultaneamente, os principais dirigentes políticos e militares e os maiores empresários privados. Ou seja, não há um sector privado funcional autónomo do poder político. Fez-se apenas um casamento de conveniência entre o centralismo soviético do então MPLA-Partido do Trabalho com o capitalismo selvagem do actual MPLA, o mesmo partido que governa há 39 anos.
Com o fim da guerra, em 2002, e com o coincidente aumento da produção do petróleo e a sua alta de preços, o governo passou a fazer paralelamente grandes investimentos quer públicos quer na consolidação da burguesia nacional através do saque e da corrupção.
A corrupção é, hoje, o principal factor de união e de lealdade no seio do MPLA, da mesma forma que é o principal sustentáculo da supressão dos direitos civis e políticos dos cidadãos.
Desde 2004, a gestão do país tem estado assente em quatro pilares profundamente contraditórios, nomeadamente nos domínios da reconstrução nacional, da acumulação primitiva do capital, da educação e da propaganda.
A reconstrução nacional
Primeiro, com base nos acordos feitos com a China de troca de petróleo por infraestruturas, o governo importou mão-de-obra em número que ultrapassou os 250 mil chineses, excluindo o seu próprio povo do processo de reconstrução nacional. O principal argumento oficioso era o de que os chineses eram muito rápidos, eficientes e baratos.
Olhando, por exemplo, para as obras de construção civil executadas por empresas portuguesas e brasileiras, nota-se que a mão-de-obra básica - pedreiros e carpinteiros – é angolana. A força de trabalho angolana empregada pelas referidas empresas é mal paga, discriminada e sem grandes possibilidades de evoluir profissionalmente, mas desempenha bem as suas funções, e em conformidade com a exigência dos seus patrões.
Com a premissa da incapacidade da mão-de-obra local e a carência de quadros nacionais, faltou apenas ao governo importar ministros e generais, cargos que constituem os maiores entraves ao desenvolvimento humano em Angola.
Na realidade, o que se nota, com o grande fluxo de expatriados em Angola, sobretudo portugueses e brasileiros, que trabalham nos mais variados domínios do sector privado, é um desprezo cada vez maior pela dignificação e capacitação da força de trabalho local.
Um exemplo específico e recente é o do maior hipermercado de Angola, Kero, pertença dos generais Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa” e Leopoldino Fragoso do Nascimento, e do vice-presidente Manuel Vicente. Em Outubro passado, a direcção-geral do Kero procedeu a 12 nomeações para os cargos de director-geral adjunto, gerentes de lojas e bazares, assim como os de coordenadores de segurança. São todos oriundos de Portugal, e nenhum deles é negro. Vejam-se os casos de Nuno Sardinha e Paulo Monteiro: ambos vieram para Angola como coordenadores de segurança da logística e do hipermercado do Kilamba, respectivamente. O primeiro saiu de Portugal como chefe de segurança do Jumbo de Castelo Branco, enquanto o segundo exercia a mesma função no Jumbo da Amadora, em Lisboa. Tendo em conta que o sector de segurança privada em Angola conta com mais de 400 empresas, centenas de supervisores e milhares de homens ao seu serviço, não haverá um angolano capaz de ocupar uma das duas posições acima mencionadas?
Se não há, então, o que é que os dirigentes têm feito para a capacitação e formação dos seus governados ao longo dos anos? Como se pode ter orgulho na soberania de um país que tem mais de mil generais e comissários da polícia, mas não consegue produzir dois coordenadores de segurança para o Kero?
É nessa intersecção que a burguesia nacional, formada sobretudo pelos actuais governantes-empresários, revela a sua mentalidade neocolonial, de desprezo e de racismo contra os seus próprios concidadãos. Orgulham-se hoje de serem considerados colonizadores de Portugal, onde investem biliões de dólares saqueados do país que, como se sabe, são geridos exclusivamente por portugueses e estrangeiros de outras nacionalidades.
Acumulação Primitiva de Capital
Segundo, tal como o presidente José Eduardo dos Santos admitiu no seu discurso sobre o Estado da Nação, a 15 de Outubro de 2013, a sua política de criação da riqueza nacional assenta na africanização da acumulação primitiva do capital.
Ou seja, o presidente defendeu abertamente o saque do Estado e a expropriação de terras, de modos de produção familiar e artesanal, do que resta dos mais desfavorecidos, por parte de uma minoria usurpadora, como aconteceu na Europa entre os séculos XVI a XVIII. A escravatura também constituiu parte do processo de acumulação primitiva do capital, mas hoje a força de trabalho angolana, para além da necessária à manutenção do poder, é pouco mais do que um fardo.
Foi por via da acumulação primitiva do capital que o regime aperfeiçoou o eixo político-empresarial-militar como fórmula de manutenção do poder presidencial. Alguns generais ficam com parte do saque para eliminarem qualquer cenário de golpe de Estado ou de mobilização antagónica do exército, como aconteceu a 27 de Maio de 1977.
A grande contradição, aqui, é a tentativa de harmonização, pelos detentores do poder, da acumulação primitiva de capital com a noção de um Estado de direito e democrático. Este último exige prestação de contas, um governo ao serviço do povo e freios e contrapesos entre os poderes instituídos.
Noutra variante, os dirigentes têm estado a saquear o país mais para investirem e esconderem tais riquezas no exterior do país, onde estabeleceram portos de abrigo para os seus planos de fuga. O saque é sempre justificado, em surdina, como parte do plano de reserva: a fuga, no momento em que a repressão e a corrupção não mais conseguirem conter o descontentamento popular.
Educação
Terceiro, em 10 anos, o governo autorizou o estabelecimento de mais de 40 universidades privadas no país e criou outras quatro universidades públicas, incluindo a Universidade Eduardo dos Santos. No entanto, a qualidade do ensino em Angola, desde o ensino primário ao universitário, tem piorado.
Outrossim, mais de US $100 milhões anuais têm sido creditados ao Ministério dos Petróleos, destinados a bolsas de estudo, cujos procedimentos de concessão são de todo opacos. Todavia, o país não tem um sistema de crédito bancário para o qual jovens pobres com potencial académico possam recorrer para os seus estudos universitários.
Como pode o país enfrentar os desafios resultantes do seu crescimento económico e virar-se para o desenvolvimento, com uma educação baseada em números estatísticos e não na promoção do conhecimento e na aquisição de competências técnicas?
Propaganda
Finalmente, a propaganda tem servido tanto para promover os feitos do presidente e do MPLA, da mesma maneira que tem constituído a grande arma psicológica para neutralizar a crítica social no seio do povo.
Para o efeito, as estruturas de base, os Comités de Acção do Partido (CAPs) do MPLA são os veículos de propaganda e intimidação personalizada nos bairros e nas aldeias. Por sua vez, os Comités de Especialidade do mesmo partido assumem a mesma tarefa junto das instituições e empresas públicas. O Serviço de Inteligência e Segurança de Estado (SINSE) e outras forças securitárias providenciam os dentes que impõem o medo e a chantagem no seio da sociedade, condições essenciais para que as pessoas se tornem crentes do MPLA. A segurança dissemina a mensagem segundo a qual a estabilidade socioeconómica dos cidadãos depende do seu colaboracionismo com a bufaria. Usam os direitos socioeconómicos como privilégios e recompensas.
A comunicação social do Estado complementa a missão com três tipos de mensagem propagandística: uma sofisticada, a cargo de marqueteiros brasileiros desde 1992; outra artesanal, liderada pelo Jornal de Angola; e, finalmente, a de tortura psicológica, administrada em doses diárias sobre o que o governo está ou vai fazer. Esta última emprega a técnica de propaganda ad nauseam, de repetição até enjoar.
Vejamos como funciona, por exemplo, a propaganda em relação à paz, apresentada como o maior feito do presidente Dos Santos e do MPLA. É verdade. Esse argumento é usado então para reclamar tudo o que acontece de bom na sociedade como um feito exclusivo do presidente e do MPLA. Inclui-se, como recentemente o vice-presidente Manuel Vicente afirmou, o facto de os angolanos viajarem pelas estradas do país em segurança. Essa narrativa nega a existência de outras verdades, como o facto de dezenas de milhares de famílias terem arcado com o sacrifício maior da paz: os filhos que contribuíram para a guerra. Até hoje, a maioria dessas famílias nunca recebeu uma notificação formal pela morte dos seus filhos ao serviço da pátria. O mesmo se passa com dezenas de milhares de veteranos de guerra que lutaram para os grandes feitos do presidente e do MPLA, em nome de Angola, mas que actualmente estão votados ao abandono.
O discurso oficial da paz não reconhece que o que mantém as estradas seguras e o governo tranquilo é a vontade pacífica do povo, incluindo a dos ex-militares do governo e dos ex-guerrilheiros da UNITA.
A propaganda sobre a paz baseia-se numa mensagem simples: o presidente é o arquitecto da paz. Logo, quem se insurge contra ele é contra a paz.
Por conseguinte, as tentativas de manifestação anti-Dos Santos levadas a cabo por um punhado de activistas, como o Nito Alves, de 18 anos, são, na lógica da propaganda, ameaças à paz. Por isso mesmo, apela-se ao patriotismo e à defesa da paz. Enquanto tal sucede, a brutalidade policial contra os manifestantes, como foi o mais recente caso contra Laurinda Gouveia, é justificada através da lógica passada de “fazer a guerra para alcançar a paz”. Desta vez, a lógica é “reprimir e torturar para manter a paz”.
Há mais um exemplo, caricato, da propaganda. A Constituição de 2010 eliminou o governo como órgão soberano. O que existe, formalmente, é o executivo do presidente. Contudo, a propaganda mantém a existência do “Governo de Angola” nos seus anúncios. O povo não entende o que é o executivo. Ou seja, enquanto o poder se concentra exclusivamente no presidente, a propaganda projecta a ficção da responsabilidade colectiva de um governo colegial. Se algo corre bem é o presidente, se algo corre mal a responsabilidade é de um governo que não existe.
A propaganda funciona como uma espécie de missão pastoral da Igreja Universal do Reino de Deus, em que se pede ao crente para que entregue tudo, incluindo as jóias ou as mandiocas, às mãos do Senhor – neste caso, o presidente.
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