quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

"Nunca tive ambição de chegar à presidência. Mas, no futuro, posso ter" - Marcolino Moco





Luanda - Marcolino Moco foi primeiro-ministro entre 1992 e 1996, mas depois divergiu do MPLA, partido em que se inscreveu há 38 anos. Em entrevista ao NG, acusa o partido de estar a “atrasar a implementação” da democracia, por estar centralizado na figura do seu presidente. Diz ainda “sentir-se frustrado” por “não estar a ver” os “ideais políticos que aderiu” na adolescência a serem concretizados.

Fui afastado por criticar o meu partido

Fonte: NG
Club-k.net

Porque decidiu abandonar a política?
Fui afastado das discussões dos problemas importantes do país e dentro do partido por ser bastante crítico. Quando senti o bloqueio do Comité Central, da Assembleia Nacional e, quando se começou a discutir a actual Constituição, com todas as manipulações, obrigaram-me a deixar de fazer política activa.

O que mais criticava?
O culto de personalidade. Há pessoas que pensam que o Presidente da República é insubstituível e que, no seio do partido, não há ninguém que possa liderar o país. Quando o chefe de Estado diz alguma coisa, todos aceitam e não se pode discutir ou contrariar.

Recebeu ordens para abandonar o MPLA?
Fui professor da Universidade Lusíada e tinha alunos que pertenciam ao Serviço de Inteligência do Estado e foram dizer que, durante as aulas, eu criticava as ideias do camarada Presidente. Esqueceram-se que na universidade não há “camarada presidente”. Fui chamado pelo secretário-geral que me fez ameaças de cariz tribal, dizendo “cuidado não se esqueça do que o que aconteceu a Jonas Savimbi”. As ameaças foram muito baixas.

Ainda é militante do MPLA?
Entrei no MPLA por questões ideológicas. Apesar de não concordar com as ideias da actual direcção do partido, ainda estou ligado ao partido sentimentalmente. O MPLA está num caminho muito errado. Os seus melhores quadros foram afastados. O partido está preso ao camarada Presidente.

É um partido democrático?
O MPLA, pelos estatutos, é um partido democrático. Defende a democracia, mas os actos que pratica não reflectem a democracia. O regime angolano é uma ditadura.

Que legado deixou quando foi primeiro-ministro?
No meu governo, não havia mortes de jovens que se manifestavam. Não havia actos de violência policial contra indefesos. Havia mais democracia. Os jovens que realizam manifestações não são ouvidos pelas autoridades. No meu governo, os filhos do Presidente não controlavam o canal dois da TPA, nem havia tanta corrupção. Os meus filhos não compravam empresas em Portugal. Estou completamente sossegado. Os mais velhos têm de falar sobre o mau rumo do país. Os intelectuais não podem ficar calados.

Foi nomeado por ser sulino?
Sim. Um partido tem de ter as suas estratégias. O MPLA é um partido de gente de Luanda, com pessoas mestiças e maioritariamente quimbundo. Naquela altura, tinha de passar a imagem à UNITA que havia congregação de dirigentes de todo o país. Eu nem queria ser primeiro-ministro. Fui convencido pelo Presidente a aceitar o cargo, em 1992, no ano das primeiras eleições gerais.

Que alternativas existem à liderança do país?
Há pessoas capazes de governar. Existe uma fobia em pensar que o dia em que o MPLA deixar de ser Governo, o país vai desmoronar e que o Presidente só pode ser uma pessoa que nasceu em Luanda e não pode ser do sul, nem pode ser mulato. A minha geração tem de tirar essas ideias da cabeça. Temo que, um dia, o MPLA seja acusado de estar a atrasar a democracia.

Como avalia a liderança do país?
O Presidente podia receber o prémio Nobel da Paz se tivesse deixado o poder depois do fim da guerra, mas agarrou-se ao poder. Devia sair já. Há tanta gente preparada para assumir a presidência. Angola tem o Presidente mais antigo no poder, em África. Não temos pessoas que possam servir de autoridade moral para falar a verdade e aconselhar os governantes.

Em que sentido discorda da Constituição?
Enquanto jurista, não concordo. É uma Constituição que permite o Presidente ser eleito na boleia do seu partido. O que já não existe em nenhum Estado democrático. Encontraram uma forma de eternizar uma pessoa no poder. Atribuíram-lhe vários poderes. O que acontece em Angola é que há uma pessoa que pensa que o erário é seu.

Ainda deseja voltar ao Governo?
Neste Governo, nem pensar. Hoje em dia, as pessoas pensam que quem não tem cargo no Governo vive mal, não consegue abrir negócios. Já me mandaram recados a dizer que podia morrer na miséria e que a minha casa seria recebida pelo dono português. Estou preparado para viver sem grandes recursos.

Há oposição séria?
Não posso fazer essa avaliação porque a oposição está bloqueada. Não tem espaço nos órgãos de imprensa. Critico a UNITA por estar contente com uma rádio que nem cobre Luanda.

Os governantes sentem medo de dizer o que pensam?
Há coisas vergonhosas que se fazem neste país. Há dias, apresentaram, na TPA, o líder da UNITA como um burro. Os ditos analistas políticos pensam da mesma forma, ninguém tem uma ideia oposta.

Porque não pede uma audiência ao Presidente e apresenta as suas críticas?
Não serei recebido e serei humilhado mais uma vez. As pessoas não podem fazer política dentro dos quartos. O que faço agora é uma intervenção cívico-político.

Sente-se uma pessoa frustrada?
Há uns que pensam que estou frustrado porque não me deram casa, carro, ou não tenho cargo no Governo. Ando frustrado porque aderi ao MPLA na adolescência e sempre tive a ideia de que estar na política é servir a comunidade, o que não acontece.

Tinha ambição de chegar à presidência?
Nunca tive essa ambição. Mas, no futuro, posso ter. Em Angola, há este medo de pensar que não se pode ambicionar chegar à presidência. Fui aconselhado por muitos militantes do MPLA a criar um partido, mas o país não tem condições para tal.

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