quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

A ética a deontologia e a perseguição da mídia em Angola





O monopólio da imprensa em Angola, a perseguição dos órgãos in­dependentes tornam actual uma revista ao pensamen­to de Claude Bertrand, para percebermos os riscos, que a incipiente democracia sofrerá com a concentração de todos os órgãos de comunicação so­cial, exclusivamente, na esfera de empresários do regime.

WILLIAM TONET
FOLHA8 29 DE NOVEMBRO DE 2014

Mais, a concentração torna mudo muitos actos ilícitos de perseguição, assassinatos e destruição de bens, como ocorreu no 28 de Novembro, em Cabinda com a residência do deputado da UNITA, Raúl Danda, uma semana depois dele ter criticado o fraco de­sempenho governamental, na implantação dos projectos no enclave.
A maioria da imprensa não co­mentou. É mera coincidência?
Não!
É fruto dos monopólios e da manipulação da liberdade de imprensa e de expressão.
Não é surpreendente que as pesquisas indiquem uma desconfiança á mídia e uma tendência a restringir a sua li­berdade. Nos Estados Unidos, três quartos dos usuários têm confiança limitada na mídia, somente um terço dos franceses crêem na independência dos jornalistas. E, por outro lado, os diversos públicos ex­primem o seu profundo des­contentamento com o entrete­nimento que a mídia oferece.
Paradoxo: acusa-se a mídia de todos os males embora ela nunca tenha sido melhor do que hoje. Para convencer-se disso, basta folhear os jornais do século passado, ver alguns programas de televisão dos anos 50 ou ler as vituperações dos críticos de antigamente. Melhor hoje portanto, mas mediocre. Ora, se antigamen­te a maioria das pessoas podia passar sem meios de comu­nicação, hoje em dia, mesmo nas nações rurais, sente-se necessidade, não só de mídia, mas de mídia de qualidade. E a sua melhoria não é simples­mente uma mudança desejá­vel: o destino da humanidade depende disso. Efectivamente, só a democracia pode asse­gurar a sobrevivência da civi­lização, e não pode haver de­mocracia sem cidadãos bem informados, e não pode haver tais cidadãos sem mídia de qualidade.
Essa afirmação é excessiva? A resposta vem da ex-URSS onde, entre 1917 e os anos 80, centenas de milhares de livros antigos e obras de arte foram destruídos, espaços imensos foram irremediavelmente po­luídos, dezenas de milhões de pessoas foram mortas sem que a mídia soviética tenha querido revelar e protestar.
Se a mídia não cumpre bem as suas funções, um proble­ma crucial em toda sociedade cabe numa pergunta: como melhorá-la?
A mídia, diz-se, que ela cons­titui ao mesmo tempo uma indústria, um serviço público e uma instituição política. Na verdade, nem todos os meios de comunicação fazem parte desta natureza tríplice: primei­ro, a nova tecnologia permite o renascer de um artesanato. Por outro lado, uma parte da produção da mídia não consis­te absolutamente num serviço público (por exemplo, a imprensa sensacionalista). Enfim, numerosos veículos (como os milhares de revistas profissio­nais) não desempenham ne­nhum papel nas vidas políticas.
Apesar disso, os órgãos com os quais se preocupam os ci­dadãos esclarecidos são os meios de informação geral, que não podem desfazer-se de nenhum dos três caracteres.
Conflito de liberdades conse­quentemente, encontramo­-nos frente a um conflito fundamental entre liberdade de empresa e liberdade de ex­pressão. Para os empresários da mídia (e os anunciantes), a informação e o entretenimen­to são um material com o qual exploram um recurso natural, o consumidor, e tentam man­ter uma ordem estabelecida que lhes é lucrativa. Para os cidadãos, pelo contrário, infor­mação e entretenimento são uma arma na sua luta pela fe­licidade, que não podem alcan­çar sem mudanças na ordem estabelecida.
Para tal antagonismo não há uma solução simples. Durante decénios, duas foram pratica­das em mais da metade das nações do globo. Consistem em eliminar um dos dois antagonistas: as ditaduras de tipo fascista suprimem a liberdade de expressão sem tocar habi­tualmente na propriedade dos meios de comunicação. Os re­gimes comunistas suprimem a liberdade de imprensa, pre­tendendo manter a liberdade de expressão. O resultado é o mesmo nos dois casos: a im­prensa mutilada torna-se um instrumento de estupidez e de doutrinação.
Uma opção seria conceder á indústria da mídia liberdade (política) total. Com efeito, o fim do monopólio estatal e do controlo governamen­tal da rádio e da televisão na Europa, nos anos 70 e 80, fez muito pela democracia e pelo desenvolvimento da mídia. Mas a sua comercialização crescente no século XX e a concentração da propriedade não combinam mal com o plu­ralismo. A “conglomerização” combina bem com a neces­sária independência da mídia. Se houvesse total liberdade poder-se-ia esperar a prostitui­ção da mídia, tanto no sector de informação quanto no de entretenimento. Tem-se uma ligeira ideia disso nos Estados Unidos onde quase toda a mí­dia é comercial e a regulamen­tação mínima. Segundo Euge­ne Roberts, célebre director de quotidiano, “os jornais, salvo exepções, concentram-se no aumento de seus lucros a fim de agradar aos accionários”. Com o resultado que, naquele país, um grupo de imprensa pode chegar a perto de 25% de lucro (Ganet) enquanto uma emissora de televisão pode al­cançar 50%.
A finalidade da mídia não pode ser unicamente ganhar dinhei­ro. Nem ser livre: liberdade é uma condição necessária mas não suficiente. A finalidade a atingir é ter uma mídia que atenda bem a todos os cida­dãos. Em todo o ocidente in­dustrializado, a mídia privada desfruta há muito tempo de liberdade política e muito fre­quentemente forneceu servi­ços deploráveis.
É preciso então, ao contrário, pôr toda a mídia sob o contro­lo do Estado? A experiência feita no século XX pelo comu­nismo e pelo fascismo não rea­lizou nada para dissipar uma desconfiança secular em rela­ção ao Estado. Teme-se e com razão que aconteça uma mani­pulação absoluta das informa­ções e do entretenimento.

Imagem: jornalf8.net

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