Rafael Marques
de Morais
MAKAANGOLA.ORG
A 5 de Junho passado, o director
nacional do Património do Estado, Sílvio Franco Burity, requereu com sucesso ao
governador provincial do Kwanza-Sul, general Eusébio de Brito Teixeira, a
legalização de 8 974 hectares para os seus projectos privados de agro-pecuária.
O terreno em causa está situado na
comuna de Quimbalanga Haco, no município do Mussende, e divide-se em duas áreas
contíguas. Na primeira, de 4 751 hectares, Sílvio Franco Burity apresentou o
requerimento na qualidade de representante da empresa privada Grano Gado Lda.
O governante detém formalmente metade
das acções da Grano Gado, enquanto o seu sócio e administrador da empresa, Manuel
dos Santos da Silva Ferreira, detém a outra metade.
Indiferentes à legislação em vigor, quer
pela impunidade quer pela arrogância, os dirigentes angolanos continuam a usar
o princípio constitucional de que a terra pertence ao Estado, assim se apoderando
dela para fins privados.
Do ponto de vista legal, a negociata
entre Sílvio Franco Burity e o general Eusébio de Brito Teixeira viola a Lei da
Probidade.
Compete à Direcção Nacional do
Património do Estado, um órgão executivo do Ministério das Finanças, a
inventariação, o controlo e a orientação, entre outros, dos órgãos da
administração local, incluindo os afectos aos da província do Kwanza-Sul.
A Lei da Probidade estabelece que “a
actuação do agente público deve ser orientada para o interesse comum, à margem
de qualquer outro facto que exprima ou favoreça posições pessoais, familiares,
corporativas ou quaisquer outras que colidam com o interesse público”.
Por outro lado, a mesma lei define como
acto conducente ao enriquecimento ilícito a aceitação de emprego ou consultoria
para terceiros, no caso de estes poderem beneficiar da acção ou omissão
“decorrente das atribuições do agente público, durante a actividade”. A Grano
Gado tem um sócio-gerente, que poderia perfeitamente ter apresentado o
requerimento, mas Sílvio Franco Burity assumiu-se como o verdadeiro gerente da
empresa e usou a sua condição de servidor público para agilizar a legalização
dos terrenos.
De forma astuta, o sócio do director
nacional do Património do Estado, Manuel dos Santos da Silva Ferreira, também
requereu, no mesmo dia, a 5 de Junho, mais 2 913 hectares de terra, a sul do
terreno solicitado por Sílvio Franco Burity, em nome da Grano Gado. A norte, o
terreno requerido pelo referido sócio confina com o terreno pessoal do director
nacional. Ou seja, a dupla ocupou um terreno contíguo com 11 887 hectares.
Com o referido esquema, os sócios
cometem o que o jurista Rui Verde descreve como “uma fraude à lei que
proíbe a concessão de direitos fundiários superiores a 10 000 hectares sem aprovação
do Conselho de Ministros”. Com a Constituição de 2010, cabe exclusivamente ao
presidente da República aprovar uma concessão superior a 10 000 hectares.
Como pode Sílvio Franco Burity exigir,
no exercício das suas funções, a prestação de contas sobre o património do
Estado sob tutela do general Eusébio de Brito Teixeira, se este lhe faz o
“favor” de lhe conceder terras em tempo recorde?
Não é estranho o facto de o governador
do Kwanza-Sul ter abocanhado, em menos de dois anos, mais de 300 quilómetros quadrados
de terra, na província sob seu domínio, ou seja, uma extensão territorial
equivalente a 34 cidades do Kilamba? No mesmo período, e apenas para a família
presidencial, o governador legalizou perto de 350 quilómetros quadrados de
terra, como se em breve se explicará. É o princípio corrompido da máxima
segundo a qual “uma mão lava a outra”.
O jurista Manuel Neto entende que as
leis angolanas “servem mais para mostrar ao Ocidente que temos um estado de
direito democrático com leis modernas”.
Maka Angola contactou o gabinete do director
nacional do Património do Estado, Sílvio Franco Burity, para conhecer a sua
reacção formal, mas ainda não obteve resposta.
Ganância desmedida
Um especialista em agronomia contactado
por Maka Angola critica grandes concentrações de terra na mão
de apenas alguns indivíduos. De acordo com o interlocutor, que prefere o
anonimato, tais extensões de terra não são aproveitadas devidamente. “Este é um
mal que vem do tempo colonial, quando apenas se cultivava dez por cento da área
cedida, em média. Agora é menos de um por cento”, afirma.
Para o especialista, ”o único
impacto positivo é a criação de emprego, embora muitos paguem mal e tratem os
trabalhadores pior do que no tempo colonial”.
Membros da comunidade local ouvidos por Maka
Angola discordam da teoria da criação de empregos. Denunciam, ao
invés, a expropriação de terrenos comunitários que sempre foram usados para a
agricultura de subsistência. Os terrenos são atravessados pelo Rio Gango e
pelos riachos Quimbangala e Gazela.
Já em Kanguandja, na comuna do Quicombo,
município do Sumbe, a fazenda de Sílvio Franco Burity, com extensão superior a
2 000 hectares e mais de 1 000 cabeças de gado, é uma fonte de bons empregos
para expatriados, com destaque para cerca de 15 cidadãos de nacionalidade
brasileira.
Outro dado importante avançado pelo
especialista é o valor do investimento necessário para um projecto agrícola
numa área de entre cinco a dez mil hectares. “Em regra [os investimentos],
ficam por mais de 50 milhões de dólares, fora os custos de financiamento. Por
isso, tais projectos começam a abortar.”
Imagem: O director nacional do
Património do Estado e novo latifundiário, Sílvio Franco Burity.
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