domingo, 20 de junho de 2010

A crise no “Roque Financeiro” (Mundial)


Para compreender o que se passou em Wall Street, Nova York, tabernáculo privilegiado do capitalismo internacional, no despoletar e no decorrer da derrocada dos bancos e subsequente ameaça de “efeito dominó” a pairar sobre todas as praças financeiras do globo terrestre, aquilo que começou com o nome de “Crise do Subprime”, o melhor ainda é dar um exemplo da nossa terra, que servirá para explicar muito bem o que se passou e o que se está a passar.

ANTÓNIO SETAS. FOLHA 8

Vamos pois tentar dar um exemplo angolano, depois de nos terem sido fornecidas informações muito pormenorizadas e claras sobre o caso. Para quem não entendeu ou não sabe o que é ou o que gerou a crise americana, segue um breve relato económico. É assim:

A falência do ti Ndala
O ti Ndala tinha uma lanchonete no fundo da ilha de Luanda e algumas ambições de se tornar conhecido nos meios do “business". Após ter feito um estudo prévio, concluiu que poderia vender copos, muito mais copos do que habitualmente, se os vendesse a crédito, se fizesse kilapi aos seus leais fregueses, todos bêbados, quase todos desempregados. E, ao decidir vender fazendo kilapi, pensou e muito bem que podia aumentar um pouquinho o preço da cuca, da nocal, da dose do tinto de pacote e das fermentadas (a diferença é o preço que os seus fiéis clientes pagam pelo crédito).

Ora o Ti Ndala já tem uma conta no banco - coisas do progresso -, e o gerente do banco do Ti Ndala, um homem moderno, com sangue na guelra, um desses ousados administradores, formado em Ciências Económicas e Financeiras na Universidade do Catambor, muito reconhecido na alta finança internacional, segue atentamente o desenrolar dos acontecimentos e repara que o negócio do Ti Ndala é bom, é mesmo muito rentável, e decide que o livrinho das dívidas da lanchonete constitui, contas bem feitas, um activo credível (passe o jogo de palavras), e começa a adiantar dinheiro, tendo o kilapi dos “chupadores” como garantia.

A boa nova desse “negócio da china” do ti Ndala chega ao conhecimento de outros bancos modernos, com muita vontade de ir prá frente, sem olhar pra trás. E assim, mais adiante neste desenrolar de trâmites financeiros, uns geniais “zécutivos” de bancos (que recebem chorudíssimos ordenados como prémio pelas decisões milagreiras que saem daquelas cabacinhas, sim, não há erro, são mesmo cabacinhas, não cabecinhas e mandam construir mansões milionárias, como o PDG do Lehman Brothers), desenvolvem um sistema de crédito em cadeia, e transformam aquele kumbu artificial, em títulos, (no fundo não passam de papéis) CDB, CDO, CCD, UTI, OVNI, SOS ou qualquer outro produto financeiro que ninguém sabe exactamente o que quer dizer.

Esses adicionais instrumentos financeiros, passam a ser os pontos cruciais do negócio, inserem-se no sistema financeiro internacional, passam a servir de alavanca ao mercado de capitais e conduzem fluxos importantíssimos de fundos a operações estruturadas de derivativos credíveis por virem dos mais altos patamares da finança internacional. Afluem os investidores, sobem as acções derivadas e ninguém está ao corrente de que, na BM&F, cujo lastro inicial todo mundo desconhece, a única segurança real que existe são os tais livrinhos das dívidas do Ti Ndala.

Esses derivativos, essa realidade monstruosa caucionada por todos os países mais desenvolvidos do mundo, não deixa de ser, de facto, uma burla reconhecida como sistema de “Alta Finança” a nível mundial, estão sendo negociados como se fossem títulos sérios, com “fortes garantias reais” nos mercados de 73 países.

Repetimos, nos mercados de 73 países.

E isso vai durar o tempo que durar a credibilidade do livrinho do ti Ndala, quer dizer, vai durar até que alguém descubra que os bêbados da ilha de Luanda não têm dinheiro para pagar as contas, e a lanchonete do Ti Ndala vai à falência.

E toda a cadeia vai para o mesmo fundo, sem fundo e sem fundos!

Simples!!!
Imagem: http://laranjeira.com/artigos/images/070721-angola10.jpg

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